quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

           SAUDADES DA PRIMEIRA  ESCOLA


 Todas as pessoas têm saudades do tempo de escola.
Da primeira professora, dos primeiros  coleguinhas.  Da infância já distante, e perdida na poeira do tempo.
Eu, como todos os outros, também tenho saudades  da primeira escolinha rural, da primeira professora, que me alfabetizou com a cartilha Sodré  (A pata nada. pata pa  nada na )
A escolinha rural nem existe mais, e mesmo que lá retornasse, nem resquícios há, daquela época. Dezenas de crianças  frequentaram aquela pobre sala de aula, adaptada de uma tulha.  Lembro ainda, que  se localizava  na sede de uma fazenda de café, bem numa curva, à beira da estrada de terra.
Havia um tipo de armazém, que vendia de tudo: baldes, cordas, cereais a granel, pinga ou cachaça, e fumo de corda e utensílios agrícolas.
 Perto da sala  de aula, havia três pés de coco da Bahia, mas nunca  vi cocos em ponto de colher. 
Atravessando a estrada, havia um campo de futebol, onde os jovens da colônia jogavam bola, e nós crianças, corríamos  durante o recreio, brincando de pega-pega ou de roda.
 O que me marcou dessa época, é que tínhamos que atravessar uma matinha, para pegar  o caminho para a escola.
Íamos, eu e minha irmã, tão pequenas, de sete e oito anos, respiração suspensa , com medo de topar com algum bicho  assustador.
 Na mata fechada, que mal e mal coava a luz do dia , que ia amanhecendo, alguma ave dava gritos súbitos, que arrepiavam a alma.  De repente, as folhas secas do chão farfalhavam. Era um tatu que atravessava o carreador. E lagartixas céleres,  subiam  nos grossos troncos das árvores. (o que fizeram com as  árvores imensas, que não deixavam ver o sol nascer?) 
Eram mais  ou menos dez minutos para atravessar a mata, mas  para nós era uma eternidade.
 No embornalzinho de pano, levávamos a marmita quentinha de alumínio, sempre com arroz salpicado de salsinha verde e um ovo frito. Era o maná dos deuses. (Não sei porque, não enjoávamos dessa  comida !)
 Na escolinha, as carteiras eram duplas, isto é, os alunos sentavam de dois em dois. Cada fileira separava as séries : 1ª série, 2ª série e 3ª série. 
A 1ª série sempre tinha mais alunos. É que havia na época, exames que selecionavam, e os alunos que, não venciam os programas estabelecidos para  sua série, eram reprovados. 
Então, à medida que se avançava nas séries, menos alunos havia.
 Eu me lembro que, a primeira professora chamava-se Dirce. Dirce de quê, não sei.   Sei que  era muito atenciosa e ensinava com paciência. 
Lembro que toda vez que, mudava de lição na cartilha, ela contava histórias e, fazia os alunos falarem de seus conhecimentos, sobre o assunto tratado. Isto foi em 1949!  Incrível,  né?
 Pedagogicamente,  a professora era bem avançada para  a época, pois ela fazia os alunos participarem da aula. O aluno não era  apenas um receptáculo, onde se despejavam conhecimentos. 
 E as histórias que, a professora  contava eram para nós,  tão interessantes, como  as novelas de hoje. Ficávamos  encantados de ouvi-las, mesmo sendo coisas muito simples, como O vestido de Osmarina, que era apenas uma lição da cartilha, para ensinar o as-es-is-os-us.
Naquele  tempo, Televisão nem existia, ainda.   As crianças tinham  prazer em ir à escola, porque é  lá que se aprendia as coisas, as novidades.  O conhecimento adquirido  era levado pelas crianças, para as famílias, para as casas.  Não havia outro meio de saber das coisas. Era uma alegria cantar tabuadas para decorar.
  A escola era realmente a casa do saber.
 Qualquer livro didático, ou de leitura, com suas histórias e lições de moral calavam fundo, em nossos  corações inocentes
 E eram livros rústicos, em  preto e branco, com um mínimo de ilustrações.  Havia um texto principal e vocabulário, com sinonímia das palavras mais difíceis, que apareciam. 
Além de pequenas histórias, apareciam alguns poemas  de poetas famosos como: Olavo Bilac, Fagundes Varela, Castro Alves, e outros que não recordo mais.
Os alunos, um por vez,  tinham que ficar de pé, e ler trechos determinados pela professora. Assim se aprendia a leitura, a pronúncia certa das palavras e a entonação de voz, nas frases exclamativas e nas interrogações, além da postura correta. E exigia atenção de todos, porque a qualquer momento,  outro aluno era chamado para ler o trecho seguinte.
Os textos convenientemente selecionados, ensinavam atitudes corretas, em relação à convivência social, lições de moral e de respeito  aos colegas, aos pais, avós, mestres e às pessoas mais idosas. E também, em relação aos animais.
Tudo era absorvido com fervor, porque os pais, pobres e rústicos lavradores, não tinham condições de passar essas atitudes sociais mais delicadas, mais finas para os filhos.
Os alunos tinham sede de aprender.
 Lembro-me que, num livro havia um texto chamado "Arnaldo ia mudar-se" - contava a história de um  menino que, ao saber que ia embora de mudança  da casa, foi ao quintal e começou a arrancar todas as verduras lá plantadas.
 Quando o pai lhe indagou a razão de tal ato, o garoto disse : "Não vamos embora daqui? Não quero deixar nada para quem vier morar aqui !" 
Então,  o pai lhe explicou que, quando eles vieram de mudança, já havia uma laranjeira no quintal, e todos puderam aproveitar as frutas. Alguém desconhecido  é que a plantara, um dia. E que era justo que, eles deixassem as verduras para outros aproveitarem, porque é assim que funciona a humanidade.
 Textos pequenos, mas de conteúdo valioso, que ia polindo as pedras brutas, que éramos. Muitos comportamentos sociais e atitudes,  aprendemos nos livros chamados Meninice.
 Os cadernos eram de brochura, e traziam a estampa de um escoteiro, levantando a bandeira brasileira, na capa da frente. Na capa de trás, havia invariavelmente, a letra completa do Hino Nacional. Cada caderno tinha no máximo 96  folhas. Era padronizado.
 E ninguém tinha material escolar melhor, que  outro.
Quando vencíamos a fase de alfabetização, começávamos a usar tinta para escrever. E isso era um problema . Tínhamos que levar vidros com tinta azul e canetas de madeira, com penas na ponta. Havia na carteira  de madeira, onde sentávamos, uma reentrância que servia para encaixar o vidro de tinta. 
Os borrões eram inevitáveis, muitas vezes até nos uniformes. Era muito difícil escrever com aquelas canetas.
Felizmente, vieram as canetas-tinteiro que, possuíam já a carga de tinta no seu interior, e dispensaram os vidros de tinta na escola
Só bem mais tarde é que, surgiram as esferográficas.
Naqueles tempos difíceis tudo era racionado, e tínhamos que usar o material escolar, com parcimônia. Nada era desperdiçado. Não se jogava folhas de caderno. E os próprios cadernos grampeados não soltavam folhas, facilmente.
Hoje a encadernação com espirais de arame, facilita destacar as folhas. E desperdiçá-las.
E como se desperdiça!      
Lembro-me ainda que, a minha professora da 4ª série era uma mulher alta, mulata, bonita e muito inteligente. Chamava-se Geralda de Almeida. Na despedida, demos de presente a ela,  um livro chamado Diabo blanco, comprado na  venda do bairro.
Gostaria tanto de saber notícias dela.
E por aqui, terminam as saudades  das primeiras escolinhas.
 Saudades das caminhadas para ir até lá. 
 Saudades das lições tão simples e tão eficazes.
 Saudades  das professoras, que se perderam no túnel do tempo.
Saudades de uma época tão inocente, que passou e que não volta mais    Saudades da vida.
     
                   Mirandópolis, 9 de dezembro de 2011.
                                                 kimie oku

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