Quando eu era adolescente, comecei a colecionar selos.
Pegava um selinho e a imaginação voava - aquele senhor retratado, o que fez, onde morou, por quê foi homenageado, para que lugares viajará com as cartas...Aqueles monumentos e obeliscos onde estão, em que praças públicas, qual a mensagem que o criador quis passar...
Os selos do Japão que, por acaso caíram em minhas mãos, retratando senhores tão sisudos em postura rígida, como viveram, o que fizeram...
Naquela época, não havia selos de plantas e bichos raros, porque ainda existiam em profusão na natureza...
Mas, a coleção não vingou, porque raras eram as cartas que chegavam, e perdi o interesse.
Aí, comecei a juntar pedras - redondas, roliças, pontudas, alongadas, barrigudas, chatas, quadradas, esféricas... eram brancas, amarelas, marrons, pretas, douradas, azuladas,
verdes, vermelhas...Eu as punha contra o sol e admirava-lhes o brilho, o faiscar incandescente de raios tão belos. Sentia o peso, a textura lisa e polida.
E imaginava há quantas centenas de anos vieram rolando de déu em déu... empurradas pelas chuvas,
pelos ventos,
pelas lamas,
pelos ancinhos, enxadas
e pás dos homens.
Se elas pudessem contar suas histórias...
Depois, já adulta, colecionei porcelana. Pratos, xícaras, jarros, vasos e até objetos sem nenhuma utilidade.
Gostava de sentir a frieza da louça, a textura fina , delicada e brilhante... e as pinturas. Ah! as pinturas de cenas bucólicas antigas, de camponesas buscando água com suas ânforas....
Pratos com as montanhas milenares da China, ou dragões tão reais, que pareciam soltar fogo pelas ventas... e as rosas nos vasos que pareciam exalar perfumes...
Hoje não coleciono objetos.
Coleciono amigos.
Descobri que o melhor da vida é ter amigos, com quem partilhar as horas felizes, e as amargas também.
Tenho poucos amigos, é verdade.
Mas são amigos que não pedem explicações, que me entendem apenas com um gesto, um olhar e relevam tudo.
Há anos assisti uma cena no filme "Rapsódia em agosto" de Akira Kurosawa,que não entendi - duas senhoras sentam-se, uma diante da outra, separadas pela mesinha de chá.
E passam horas, sem trocar uma só palavra, após o que a visitante se despede e vai embora.
Só fui entender bem essa cena, quando estava perdendo a amiga Lena. Ficar perto, mesmo sem falar, vendo a sua figura esperançosa na cama, ouvindo a sua respiração, era um presente do céu...que não tenho mais.
Tenho amigas japonesas, que já ultrapassaram os oitenta, noventa anos. E é tão prazeroso visitá-las, porque são sábias
e muito carinhosas. Aprendo muito com elas, apesar do meu japonês desajeitado e insuficiente...
Yuassa-san, Miyamaru-san, Ikejiri-san, arigatô !
Tenho amigos camponeses, que me ensinam sobre plantas, flores, verduras, e me oferecem mudas de plantas incríveis, tão generosamente.
Tenho um amigo que não conheço e com quem nunca falei, que me manda de vez em quando, CDs de música maravilhosa.Valter Correia de Araçatuba, muito obrigada!
Tenho amigas donas de casas, domésticas que sabem tanta coisa,
e é uma alegria estar com elas, porque são inteligentes, práticas
e muito gentis.
Tenho amigos no céu, que me deixaram como herança preciosa e única, uma palavra (Sílvia - tiau, baká!),
uma muda de alecrim cheiroso ( Zé Calada),
uma bênção (Vó Luíza),
um carinho imenso (Lena),
e uma coleção maravilhosa de revistas japonesas (Sr. Tanaka de Brasília, que não cheguei a conhecer).
E tenho amigos de carinho antigo com quem trabalhei. Só de avistá-los, já é uma festa. Um abraço, e imediatamente a sensação de que nunca estivemos separados. A afinidade e a comunhão de sentimentos é fantástica. Encontrar um desses amigos já salva o dia, porque é uma bênção.
E tenho amigos do cotidiano, com quem falo sempre ao telefone
e visito ocasionalmente. São amigos de uso diário, que me ajudam a levar a vida.
Amigos, a mais preciosa coleção!
Mirandópolis, dezembro de 2011.
kimie oku
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