quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

        LITERATURA-  O Evangelho segundo Jesus Cristo

       Li e reli o Evangelho.
   Não é um romance comum.
     É a história de um homem simples chamado Jesus Cristo, que um dia passou pela Terra.
     Saramago mostrou o lado humano de Jesus, despido de santidade.
 A Bíblia revelou que o Messias seria o filho de Deus, feito homem.
     E Saramago, ateu convicto e escritor ousado, narrou a passagem desse homem, sem misticismo. Mostrou um ser comum do povo que “nasceu como todos os filhos dos homens, sujo do  sangue da mãe, viscoso de suas mucosidades e sofrendo em silêncio”.
   Os Reis Magos eram apenas uns pobres pastores de ovelhas, que ofertaram leite, queijo e pão ao invés de ouro, incenso e mirra.
    Maria era uma mulher simples, temente a Deus e ao marido, que cuidava de suas tarefas domésticas e da família. José também era um cidadão comum, que temia a Deus, ia à Sinagoga cumprir suas obrigações religiosas, e se ocupava de carpintaria, para prover o sustento da família.
      Eram muito pobres e, com muita dificuldade, conseguiam alimentar seus nove filhos.
   Toda a história de Jesus  contada na Bíblia está lá : a  anunciação, a ida a Belém para o Recenseamento, ordenado por Herodes, o nascimento de Jesus numa gruta, a circuncisão, a execução dos meninos com menos de três  anos de idade, a fuga de  Belém...
     Depois, Jesus já homem, se envolvendo sexualmente com Maria Madalena, o milagre da pesca, a cura do leproso, a multiplicação dos pães e peixes, a transformação da água em vinho, os companheiros de Jesus, que a Igreja chamaria de apóstolos, a traição de Judas, a morte na cruz...
     Mas, tudo isso entremeado de dúvidas do Jesus homem, que não consegue entender o que se passa consigo, e não quer se submeter à vontade, nem de Deus  nem do Diabo.
     O autor não admitia nenhuma mudança em seu texto, e o presente livro  editado pela Companhia das Letras, manteve a língua portuguesa usada em Portugal. Em virtude  desse detalhe, há palavras e expressões que nós, brasileiros desconhecemos, como : caravançarai, exautorar, ponto não despiciendo, rasoira ardente, calcorrear um pedaço do caminho...
      Mas, o que valem são as idéias e opiniões pessoais de Saramago :

    “o homem nascido de mulher é escasso de dias e farto de inquietação”
      “este branco sangue que é a lágrima”
      “o homem roto e dilacerado pelo vazio”
     “a ausência  é também uma morte, a única e importante diferença é a esperança”
       “Não creiais que a lei é justa, só porque lhe chamais lei”

   E ainda,  há trechos primorosos, em que a pureza de sentimentos de Saramago aflora em forma de poesia –:
      
     “Quando procederes à ceifa do teu campo, e te esqueceres de algum feixe, não voltes atrás para o levar, quando varejares as tuas oliveiras, não voltes a colher o resto que ficou, quando vindimares a tua vinha, não rabisques o que ficou, a tudo isso deverás deixar para que o recolham o estrangeiro, o órfão e a viúva, lembra-te que foste escravo na terra do Egito.”
       
     “Jesus apertou o cordeiro contra o peito, não compreende por que não aceita Deus que, no seu altar se derrame uma concha de leite, sumo da existência que passa de um ser a outro ser, ou nele se espalhe, como gesto de semeador, um punhado de trigo, matéria entre todas substantiva do pão imortal.” (Jesus humano não aceitando o sacrifício do cordeiro)

     Mesmo sem considerar o aspecto histórico e geográfico sobre Israel e arredores, de 2000 anos atrás, que o escritor deve ter pesquisado exaustivamente, o romance é belo e profundo. Justifica sobejamente  o Nobel que foi conferido a Saramago.

    “Calhou estar o tempo como de rosas acabadas de colher, frescas e perfumadas como elas, e as estradas limpas e amenas como se adiante andassem anjos salpicando de orvalho o caminho, para depois o varrerem com vassouras de loureiro e murta.”
    Este trecho me faz visualizar o Saramago no céu, andando por caminhos perfumados, e precedido de anjos varrendo os caminhos...
   Lirismo puro de um gênio que, não acreditava na existência de Deus.         
       
            Mirandópolis, 27 de agosto de 2010.
                               kimie oku





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