terça-feira, 25 de abril de 2017

 Homem de Fibra:
José Valter Moreira

Nasceu em 1942, na cidade de Lins. Tem quatro irmãos todos vivos.
 Seu pai era carioca e sua mãe mineira. Eram lavradores e trabalhavam na lavoura de café. Eram muito pobres. Mais pobres que pobres...
Quando o Zé Valter ainda era uma criancinha, a família mudou-se para Lavínia, porque o pai passou a trabalhar na SANBRA, que comercializava o algodão in natura colhido na região noroeste do Estado. O algodão era processado para se transformar em fios, para posteriormente se fabricar o tecido.
Como a vida era muito difícil, o Zé começou a recolher tudo que poderia se transformar em dinheiro. Assim, com apenas sete anos de idade ia pelos sítios distantes recolher ossos de bois, e outros materiais recicláveis como garrafas de vidro e pedaços de ferro. Juntava essas coisas e as vendia para o pessoal do reciclável. Rendia sempre alguns tostões, que ele foi guardando numa mala. Mais tarde, quando havia juntado uma boa porção, a mãe ficou doente e toda a economia do menino foi gasta no tratamento dela...
Após um tempo, quando a SANBRA encerrou as atividades, a família mudou-se para Amandaba, que na época era conhecida como Machado de Mello.
Amandaba era bem povoado e tinha um comércio forte, mais forte que a sede de Mirandópolis, e muito agitado. O pai foi trabalhar na Máquina de beneficiar café e arroz dos Uemura. Dessa época, ainda hoje existe a casa de madeira que eles construíram para morar. Assim como os japoneses, o senhor Uemura construiu a casa encaixando os caibros e as vigotas, usando o mínimo de pregos... A filha Tomiko Uemura e o irmão Júlio eram filhos do primeiro casamento. Da segunda esposa teve mais dois filhos. A Tomiko era muito inteligente, se envolveu com a política de Mirandópolis e se tornou Vereadora nos anos 50. Trabalhou na Coletoria Estadual, e quando foi embora para São Paulo trabalhou na Coletoria Federal. Com mais de cinquenta anos, estava se preparando para casar, quando teve um infarto fulminante, que a levou para sempre. Era uma mulher bonita e muito determinada. Foi muito atenciosa para com a Valdete e o Zé Valter, a quem tratava como um irmãozinho. O Júlio se tornou mecânico e trabalhou no Departamento das Estradas de Rodagem. Atualmente o senhor Júlio mora em São Paulo e mantém contato com o Zé Valter. Do segundo casamento, o senhor Uemura teve mais dois filhos, o Paulo e a Teruko, de quem o Zé perdeu o contato.
     Quando se mudaram para Amandaba, o Zé Valter estudou no Grupo Escolar de Amandaba. Lembra-se de uma professora que lhe deu aulas, a dona Cinira, que reencontrou recentemente. Como colegas de escola, lembra do Zé Pedro dos Santos, que mais tarde foi o Diretor do Hospital das Clínicas e já é falecido e do Antonio dos Santos.
     Quando era adolescente, trabalhou no Cartório de Registro Civil que havia em Amandaba, cujo responsável era o senhor Luiz. Zé Valter fazia serviços gerais de limpeza, levar correspondência, avisos... Quando o senhor Osvaldo Cerozi assumiu o Cartório, o Zé deixou o Cartório porque passou a trabalhar com os pais na lavoura de café.           O que ocorreu de fato foi que os Uemura faliram na Máquina de café e todos ficaram sem recursos. E seu pai teve que usar até as economias do filho para sustentar a família. Diante da penúria da família, o seu Uemura ajeitou para o pais do Zé cuidar do seis mil pés de café da família Yamaguchi, em Amandaba. E para garantir a comida na mesa, a família toda teve que enfrentar o trabalho duro na roça. Mais tarde, acabado o contrato, seus pais foram cuidar do cafezal dos Sugimoto, cujos filhos ainda moram em Amandaba junto da torre de tevê, que foi instalada no ponto mais alto do município.
    
Nessa época, o Zé já estava casado com a Valdete Ananias, que também ia para a roça de café. Entretanto, a matriarca era muito rígida e o casal Valdete e Zé Valter viram que não havia futuro para eles ali no sítio dos Sugimoto. Voltaram para o Bairro de Amandaba e por gentileza do senhor Uemura, foram morar na casa que eles  moravam, junto  a família da  senhora Maria Ohi. A casa era muito espaçosa e cabia todos eles. Cada família ocupava parte da casa. E a Valdete passou a cuidar dos serviços domésticos dos Uemura. E por essa época, o Prefeito Savero Tramonte ofereceu um trabalho braçal para o Zé. Sua função era roçar as estradas e limpar valetas, mas ele ficou grato pela oferta. Trabalhou oito anos como Servidor braçal.
     Na gestão do Prefeito Lourenção, os trabalhadores braçais eram conduzidos em carretas de trator. E aí, o Zé foi chamado para ser o tratorista, que não precisava de Carteira de Motorista. Então, o Zé percebeu que precisava tirar a carta para poder dirigir caminhões e foi para a Auto Escola, onde tirou sua habilitação.
     E a Prefeitura recebeu do Estado uma moto niveladora para ajeitar as estradas de terra. Todas as estradas eram de terra e era necessário conservá-las, porque as chuvas fortes formavam valetas. E isso impedia o escoamento da produção agrícola. Precisavam de um motorista que soubesse manobrar a Moto niveladora. Então, o senhor Dorival Ermini funcionário da Prefeitura chamou o Zé e fez a oferta da função de Operador de Máquinas. Para isso, teve que ir a São Paulo e fazer um treinamento de vinte e cinco dias operando a moto niveladora. Quando voltou, já veio com habilitação especial para a sua função, que exerceu por vinte e cinco anos.  
     Sua tarefa era conservar as estradas de terra, tapar os buracos e mantê-las transitáveis. Geralmente, trabalhava sozinho. Trabalhou em todas as estradas do Município em direção a Pacaembu, a Guaraçaí, a Lavínia, a Pereira Barreto. Todos os dias estava nas estradas, mais precisamente lá pros lados de Amandaba, das Fazendas de Nova Vida, de Vila Nova, das Três Alianças... Quando ia para a 1ª Aliança, era sempre brindado com uma deliciosa marmita do pessoal da Comunidade Yuba.
     Zé Valter diz que é muito grato a todos os Prefeitos a quem serviu nos vinte e cinco anos de seu trabalho. Lembra-se com saudades e gratidão dos Prefeitos Savero Tramonte, Dr. Jorge Maluly Neto, Dr. Osvaldo Brandi Faria, de Lourenço Marcos Fernandes, de Osvaldo Mendes, de Waldemar de Lima, do Mitsutoshi Ikejiri, do José Pedro Zanon. Mas, diz que quem abriu a porta para ele trabalhar na Prefeitura foi o Saverinho.
     Quanto a Valdete, sua esposa teve a sorte de ser indicada por Dr. Antonio Duenhas Monreal para trabalhar na Merenda Escolar, onde serviu por onze anos. Quando o senhor Valdemar de Lima assumiu a Prefeitura, ela foi remanejada para a Escola Ebe Aurora como Servente, onde ficou por um ano e oito meses. O prefeito Ikejiri a remanejou para o Parque Infantil, onde ficou por 21 anos até se aposentar.
     Como o Zé Valter era alegre e gostava de participar de  festas da Igreja, tanto em Amandaba como aqui, foi convidado para cantar o Leilão das prendas das quermesses beneficentes. E por longos anos, ele foi a voz que animou os Leilões da APAE, da Igreja Matriz, do Grupo Escolar e da Capela de Amandaba. Sua função de leiloeiro começou quando tinha apenas 20 anos de idade. Sua voz potente e suas tiradas engraçadas sempre animaram as quermesses. Hoje ele foi substituído por gente mais nova...
 Mas, o Zé não consegue ficar parado. Então, quando se aposentou, começou uma nova tarefa, a de vender bilhetes de Loteria na rua. Está instalado lá perto de uma Lotérica, onde sempre agita tocando pandeiro e chamando a atenção dos passantes. Toca pandeiro e canta. Eu mesma já fui brindada com um Parabéns a você, certo dia... Nos dias mornos, quando a cidade parece adormecida, de repente, o Zé toca o pandeiro e anima os corações dos comerciantes... E isso é muito estimulante. O Zé Valter é uma figura e tanto!
Certa vez, quando eu estava triste com problemas pessoais, ele me disse: “Kimie, nunca pare de rezar, porque só Deus é que pode nos ajudar. Às vezes demora, mas Ele nos socorre, pode ter certeza. Um dia você alcançará a graça que está pedindo!” E assim, aprendi a rezar todos os dias e alcancei graças que não esperava mais...
No velório do nosso amigo Calada, pai da Michelle Cyrillo que está na Alemanha, percebi que a família estava arrasada e cada um chorava num canto, desconsoladamente... Era um velório estranho, percebia-se a dor, mas as pessoas estavam distantes umas das outras... Aí, entrou o Zé Valter, que foi até o finado e disse: “Calada meu amigo, vou rezar um terço para você ir em paz!” E aí, passou a desfiar o terço. Aos poucos, os familiares foram chegando perto dele e participaram das orações... Devagarinho, os choros foram se acalmando, e quando o terço terminou, a família toda estava abraçada em volta do pai amado. Nunca esquecerei essa passagem. A oração tem uma força poderosa, que retira do coração até as dores mais indizíveis...
Ao final da entrevista, perguntei ao Zé se tinha um sonho ainda a realizar. Ele disse que não. Disse que é um homem feliz, que a Prefeitura lhe deu a chance de criar os dois filhos e ter uma vida tranquila, sem passar necessidades. Sua filha é Professora em Dois Irmãos do Buriti MS, e está na direção de uma Escola; o filho é um Agente Penitenciário local. Ainda tem dois netos e um bisneto. O casal ainda convive com uma irmã da Valdete, que ficou sozinha com a morte dos pais.
José Valter Moreira, homem simples do povo, que sem condições de vencer na vida, batucou desde pequenino para ter seus tostões, que trabalhou dias, meses e anos por estradas poeirentas e deu conta de tudo que empreendeu, é sem dúvida alguma, um Homem de Fibra!


Mirandópolis, março de 2017.
kimie oku in
http://cronicas dekimie.blogspot.com.br/



quarta-feira, 12 de abril de 2017

               Álbum de família   
        
           De repente, recebemos como um presente, o livro que relata a história da família Imoto, que inclui a minha finada sogra Senhora Suguiko Oku.
        Os filhos de Takeo Imoto, que era irmão de minha sogra organizaram o relato a partir dos bisavós Buiti e Miyo Imoto. O início dessa história remonta a mais de dois séculos, em 1800 no pequeno vilarejo de Fukuyama, na Província de Hiroshima, Japão.
        O relato foi feito através de fotografias primorosas e, nos deixou muito emocionados pelas imagens até então desconhecidas da minha sogra, mãe de meu esposo Noriyoshi. Imagens da infância, da juventude, de outros tempos... Ela era muito bonita!
       A história do senhor Ichiuemon, que vale dizer foi o esteio da Família Imoto começa em Hiroshima Japão, passa por Kauai, no Hawaí, Getulina e São Roque no Brasil. Ichiuemon era o pai de minha sogra e do senhor Takeo. Sempre preocupado em proporcionar conforto à família e vencer na vida aventurou-se no mundo.
        Minha sogra nasceu lá em Hawaí e frequentou as escolas de lá, onde aprendeu a falar e escrever em inglês, que não esqueceu nunca. Ela também lia, escrevia e falava fluentemente o japonês.Um dia, ela me contou que naqueles tempos a base das refeições no Hawaí, era o inhame no lugar do arroz. Disse que era o costume da época. O inhame era socado no pilão e posto para secar... Depois... eu não me lembro. Deveria ter perguntado mais, mas preocupada com meus filhos pequenos acabei me distraindo, e nunca soube como era a vida dela naquela ilha remota e tão famosa hoje. Lamento tanto não ter  perguntado mais sobre a sua infância e sua juventude...Mais tarde ela foi para Hiroshima, com o pai Ichiuemon e seu irmão Takeo.
     E a história brasileira começa na fazenda Saltinho, em Getulina, município de   Lins, em 1928.
        Não conheci o meu sogro, pois ele falecera de apendicite aguda em Guararapes, quando meu esposo tinha apenas dois anos de idade. Hoje ele tem 77 anos.
        Com certeza, a senhora Suguiko sofreu muito para criar seus sete filhos. Após a viuvez ela foi morar em Getulina com a família de seu irmão Takeo. E ela e os filhos pelejaram muito na roça, para que os menores pudessem estudar. Dos sete filhos, apenas três tiveram a chance de estudar e procurar um meio de vida menos duro que a lavoura. Mesmo assim, ela foi grata ao irmão que lhe deu apoio nos anos difíceis, que teve que enfrentar.
        Após a morte do senhor Ichiuemon, a família foi comandada pelo patriarca Takeo e sua esposa Ayako. Todos trabalharam muito e de alguma forma venceram as dificuldades da época, e cada filho partiu para realizar seus sonhos. E aconteceu a viagem para o Japão, a fim de rever familiares que lá deixaram. Mas, o que mais comoveu a minha sogra foi o reencontro com seu irmão Massaichi, que ficara no Hawaí, onde se aposentara da função de Professor universitário. Seria o primeiro e o último encontro com esse irmão... Voltar para a sua terra natal, após mais de meio século deve ter sido muito doloroso e comovente... Mais ainda para rever uma pessoa querida.
        Há outros relatos de vida na roça, de festas da família, mas em resumo é só isso. Há muitas fotos desde os antepassados até os últimos descendentes da família do senhor Takeo e dona Ayako. Há o desenho dessa árvore genealógica...
        Ao folhear, porém esse álbum, imaginei a vida dura enfrentada pelos imigrantes que aqui aportaram, sem conhecer a língua e os costumes da nova pátria, diante de florestas e florestas virgens que havia em todas as direções. E as acomodações que foram acontecendo, para poderem sobreviver. Minha sogra, uma mocinha linda ferindo suas mãos nos cabos de enxada, derriçando café, socando arroz no pilão, criando porcos e galinhas e cultivando hortas para garantir refeições salutares para a prole... E as incertezas da vida, sem um marido que lhe servisse de esteio... Foi um tempo de bravura, de heroísmo silencioso e nunca revelado. Para criar os filhos e lhes dar um destino melhor... Posso afirmar isso porque foi o que minha mãe e meu pai também passaram... Imigrantes.
        Entretanto perpassam por essas folhas também, as vozes de crianças brincando nos campos verdes, nadando em riachos, caminhando longos caminhos para a escola, correndo à sombra das laranjeiras, dos caquizeiros e das mangueiras. A interação com as crianças brasileiras, a língua portuguesa falada por todos, o linguajar japonês falado pelos adultos ao comentarem fatos mais graves...
        Depois, o rumo que cada um tomou na vida, voando alto e encontrando os parceiros para dividir a vida...
         Sempre me pergunto: Para onde foi aquela criança feliz que um dia existiu e fez a alegria de todo mundo? Tornou-se um adulto sério. Sério demais...
        Um álbum é apenas umas folhas com as fotos de diversas pessoas... Lembranças de um tempo que passou e não volta mais. Apenas papel, que o tempo gastará e um dia será esquecido num canto qualquer...
        Mas... essas folhas guardam tantas batalhas vencidas, tantas dores sentidas, tantas lágrimas vertidas, tantas saudades suportadas, tantas alegrias vividas... Ao folhear esse álbum, é possível fazer uma viagem de volta no tempo e recuperar tantas emoções...
        Nós, japoneses ou de origem japonesa temos a tradição de cultuar os antepassados, porque sem eles não existiríamos... E reconheço a importância de tudo que o senhor Ichiuemon Imoto aventurou na vida, para terminar seus dias no Brasil. Sem essa aventura, não conheceria seu neto Noriyoshi, que é pai de meus filhos César Noriyoshi, Sandra Kimie e Ricardo Minoru, além da neta Ana Carolina Tanaka.
        E sou grata de todo o coração ao Hideo Imoto e a Kiyoko Harakava, pela edição primorosa deste álbum, que me abriu um espaço (um sukimá) na família Imoto.
         E em nome de Noriyoshi, agradeço a gentileza desse precioso presente, que o fez chorar de emoção ao relembrar fatos de sua infância e da juventude...
         Domo arigatou gozaimashita!
 Gokigenyou!
Mirandópolis, abril de 2017.
kimie oku in

http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/