sexta-feira, 16 de abril de 2021

 

Vocação      
 

   Quando meus irmãos mais velhos eram crianças aprontaram uma grande arte, na ausência de nossos pais. Papai e mamãe tinham ido pra roça e deixaram o Minoru e o Mário em casa.

Acontece que na pobre casinha onde moravam, só havia duas preciosidades: uma máquina Singer de costura e um velho despertador, movido a corda. Aqueles despertadores antigos faziam muito barulho com seu tic tac, tic tac intermitente.

Ora, os dois moleques de seus seis, sete anos trancados em casa, ficaram olhando o relógio e quiseram ver como ele funcionava. Pegaram a coisa e fuçaram daqui e dali pra verem de onde vinha o barulho... Curiosidade natural de criança.

Quando meus pais voltaram da roça, o despertador já era. Um monte de pecinhas espalhadas no chão, que eles não conseguiram montar de novo. Com certeza, levaram uma surra.

Mas, papai contou essa história dezenas de vezes, porque se orgulhava de ver como os meninos eram espertos e curiosos desde crianças...

Um dia, quando meus filhos ainda eram crianças, fomos ao antigo Play Center que havia em São Paulo. E o Hideo meu irmão foi junto com seus filhos. E toda a criançada se esbaldou na roda gigante, nas enormes xícaras que rodavam com a gente dentro e outros brinquedos. Mas o sobrinho Walter não parecia curtir a diversão. Estava inquieto, olhando aqui e ali como se procurasse algo. E o pai lhe perguntou o que o incomodava. E ele muito sem jeito, disse que só queria saber como essas máquinas funcionavam... Curiosidade de criança.

     Quando o Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira trouxe a Indústria automobilística para o Brasil, lá pelos idos de 1960, papai disse que em breve haveria necessidade de mecânicos para consertar carros. E mandou os meus irmãos deixarem a lavoura para aprender essa profissão.

E foi assim que começou a vida dos graxeiros...

Na família Osaki, há muitos varões entre os nisseis e sanseis, gerações descendentes de papai e mamãe. E grande parte deles gosta de graxa. Graxa mesmo! Essa graxa que suja os macacões e encarde as mãos. Tive quatro irmãos mecânicos, que passaram a vida consertando carros. Quem gosta de graxa, gosta de por a mão na massa e, sente o desafio de fazer a máquina funcionar... Sofri muito para lavar os macacões...

Aquele menino que no Play Center queria saber como as rodas funcionavam virou mecânico e gosta do que faz. Tenho um filho que não mexe com carros, mas é louco por motocicletas... E outros sobrinhos também escolheram as motos para sujar suas mãos.

E tive um sobrinho que passou a vida a consertar motos e mais motos. Sempre diante do desafio de novos modelos, novas velocidades. E como as motos atraem motoqueiros, ficou conhecido como o Hata que conserta motos. Aqui ficou conhecido pela Oficina Motomira, onde serviu a vasta comunidade de motoqueiros da região. Mais tarde em Araçatuba, passou a preparar motos para competições, realizando com certeza um grande sonho. E participava de um grupo imenso de gente que gosta de duas rodas... Foi ele que iniciou o meu filho como graxeiro...

Mas, de repente, ele que vivia acelerado (qual motoqueiro não vive acelerado?) parou no meio do caminho...

Tão de repente...

E foi acelerar no céu...

Todo motoqueiro gosta de viver intensamente. Imagino como essa febre deve atingir quem sabe das engrenagens, e conhece o funcionamento da máquina. Mas, a máquina humana é muito vulnerável. É muito frágil. Muitas vezes, o profissional fica tão envolvido no desafio de consertar as máquinas, que acaba se esquecendo das urgências de sua máquina pessoal... E foi o que aconteceu.

Mas, não podemos lamentar.

Foi breve? Foi muito breve!

Gostaríamos que tivesse continuado a caminhada, porque partiu na flor da idade. Mas, quem sabe dos desígnios de Deus? E quem sabe, ele não sonhava acelerar entre as nuvens???

Ficou na família uma estranha sensação de que ele não terminara a corrida. Porque parou com apenas sessenta anos de idade. Tinha muito que produzir ainda, tinha muito que viver ainda, tinha muito que usufruir da vida. Mas... Um vírus deu o Stop.

E eu olhando as velhas fotos da família achei esta que, já prenunciava o futuro dele. Era pequenino, mas “arteiro” como se dizia na época. Tinha que fuçar nos brinquedos para descobrir como funcionavam... Com uma ferramenta transformou o seu mundo. Transformou sua vida. E a vida de muita gente.

Tal como os meus irmãos que desmancharam o despertador, o Walter que queria saber como os brinquedos do Play Center funcionavam, ele também tinha essa curiosidade natural, que preencheu a sua vida.

Tenho certeza que foi muito feliz fazendo o que gostava.

Que esteja feliz lá no infinito, de onde possa visualizar este vasto mundo e proteger as pessoas que amou.

Sérgio Hikuo Hata, que esteja com Deus.

Mirandópolis, abril de 2021.

kimie oku in

http://cronicasdekimie.blogspot.com.

 

 

 

  

quarta-feira, 14 de abril de 2021

 

          

 Brimos Turcos

 

Perdemos há pouco o último dos moicanos...

Bem, acho que de verdade era um sírio libanês.

Um vizinho quieto, sério e tranquilo que cuidava de sua vida.

Quem o via andando pelas ruas da cidade, nunca imaginaria

que viera das longínquas terras do Oriente.

Daquele Oriente, onde as guerras nunca chegam ao fim...

Ele, como tantos outros amigos e parentes seus, vieram ao Brasil com certeza em busca de paz.

E aqui construíram suas vidas.

Inicialmente como negociantes, como mascates.

Lá pelos idos de 1940, 1950,1960 se aventuravam pelos sítios e fazendas...

Em lombos de animais e carroças...

Batendo de porta em porta...

Oferecendo tecidos em metros

 para as gentes, que não tinham acesso a esses luxos.

E era uma festa, quando apareciam com aqueles

cortes de tricoline e seda para camisas e vestidos;

de caxemira para calças e paletós masculinos.

Nada de tecido sintético...

Nessa época, as cidades eram pequenas.

E a maioria da população morava

em distantes fazendas...

Então, esses imigrantes árabes assumiram essa tarefa.

De prover as pessoas com o que era necessário

para confeccionar suas vestimentas.

Porque esses moradores rurais nem possuíam

meios de locomoção para virem à cidade.

Essa forma de comércio que devem ter herdado de

seus antepassados das Arábias,

fez a ligação tão necessária entre

o vendedor e o consumidor.

Com a venda ambulante.

O sonho dos "Brimos turcos"

como eram chamados,

era abrir uma lojinha na cidade,

para prover a todos com  mais conforto.

E aqui tivemos famosos "turcos" com suas belas lojas,

que na verdade eram sírios libaneses...

Seu Asman Sheeran,

seu Mohmad Fayes Omar,

seu Mohmad Zogbi,

e seu Ahmad Fayes Omar......

aos quais rendo essa pequena homenagem,

como comerciantes construtores de Mirandópolis.

Do Oriente Médio vieram

para engrandecer o nosso Brasil.

A todos eles a nossa gratidão.

Mirandópolis, abril de 2021.

kimie oku in

http://cronicasdekimie.blogspot.com