quinta-feira, 31 de março de 2022

 

               Minimalismo

   Dentre as lições que aprendi com a pandemia do Covid e o forçado isolamento, uma valeu a pena.

Aprendi que para viver normalmente, não é preciso sair todos os dias de casa, e circular pelas ruas. Nem é preciso visitar as lojas e menos ainda comprar as novidades que elas oferecem. Não podendo sair de casa, não cirandando pelas ruas, não vendo as vitrines, economizei um bocado! E fui forçada a usar o que estava disponível nos armários. E como havia coisas! Roupas esquecidas, fora de moda, roupas caras sem utilidade nenhuma... Mas, com uma reforma aqui, uma alargada ali, tudo  foi aproveitado. E não morri por deixar de circular por aí.

Aprendi a lição e hoje raramente compro algo para uso pessoal. Porque no fundo, no fundo eu era uma acumuladora compulsiva. Comprava porque era bonito, comprava porque tinha umas economias, comprava porque era do meu gosto. Não comprava porque era necessário.

Hoje procuro comprar apenas o necessário. E o necessário é tão pouco. Acredito que muita gente como eu já percebeu isso.

Durante a pandemia, só fomos para o Hospital, para o Laboratório de Análises, para a Farmácia e para o Mercado. Pra fazer o que era necessário. E necessário era cuidar da saúde pra não morrer.

Foi aí que descobri que, há muita gente neste mundão de Deus vivendo de forma totalmente diferente de nós, os compulsivos compradores. Gente que se contenta com um colchão sem cama, com meia dúzia de camisetas, meia dúzia de roupa de baixo e três jeans... E vivem numa paz que poucos conhecem.

E aí fiquei assuntando...

Pra quê tanta parafernália para se viver? Conforto? Viver melhor? Ter mais que o vizinho? Ficar na moda? Dois, três carros? Casa entulhada de móveis pra limpar, de eletrônicos que logo são ultrapassados pelas novas invenções... Ter muito traz uma preocupação incessante: o medo de perder o muito.

No princípio dos tempos, o homem viveu na selva, nos buracos das rochas e tinha como alimento apenas o que conseguia colher, caçar... Não possuía panelas, canecas, cervejas, filtros... Usava folhas para tomar água... Não tinha potes, não tinha condicionador de ar nem aquecedores...

Pouco a pouco o homem foi evoluindo (evoluindo????) e passou a derrubar florestas para plantar, para criar gado, para ter comida de sobra. E quando inventaram o dinheiro, a coisa degringolou de vez. Despertou a ganância...

Mas, agora um vírus nos ensinou uma dura lição: Somos muito materialistas, ambiciosos e acumuladores. E se nos tornássemos menos isso e menos aquilo, seríamos mais felizes.

Ser minimalista é contentar-se com pouco e viver despreocupado. Quando o mínimo se torna o máximo. Se conseguirmos atingir esse nível, viveremos mais tranquilos. Sem a preocupação de ser roubado, de perder tanta coisa que atravanca nossas casas (carros, principalmente), de ser assaltado, de ser sequestrado...

Aprendamos a viver de forma mais simples e despojado, sendo comedidos em nossas escolhas, usando até o osso as nossas roupas e calçados, e guardando o din din para momentos difíceis que poderão surgir. Como uma doença e a velhice inevitável. Até uma guerra, pois quem diria que os ucranianos passariam por toda a tragédia que estão passando? Ninguém está livre de dificuldades imprevistas. Só Deus sabe o que o porvir nos reserva.

Minimalismo é a moda do momento.

Que devemos adotar para sempre.

Mirandópolis, abril de 2022.

kimie oku in

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domingo, 27 de março de 2022

  Sakamoto Riyoma/ 坂本竜馬

    

Mijão! Mijão! Mijão! 

O garoto de dez anos de idade sofria todos os dias essa humilhação ao voltar da escola. Quem o maltratava eram os colegas de classe da cidade de Kochi, onde nasceu o jovem que mais tarde seria um dos homens mais respeitados e, que mudaria definitivamente a História do Japão.

Todos os dias, ele voltava chorando, e as sessões de bullying só terminavam à porta de sua casa, onde Otome sua irmã de 13 anos botava a molecada pra correr. Otome era uma garota de um metro e setenta de altura, pesava cem quilos e tinha uma força poderosa, a ponto de os meninos terem muito medo dela. Ao ver o irmãozinho Sakamoto Riyoma sempre chorando, ela se irritava porque queria vê-lo tão forte quanto ela. A mãe havia falecido recentemente, e a irmã tomou a seu cargo a educação do pequeno. E ao vê-lo tão frágil, sem coragem para enfrentar uma briguinha à toa, ela o colocou numa Escola de Esgrima e ensinou a nadar e andar a cavalo. Ela o dirigiu com bastante rigor, exigindo mais e mais dele e acabou transformando-o num jovem bom de esgrima, corajoso e autoconfiante. Otome o moldou para ser o notável homem que mudaria a História do Japão. Sem a intervenção dessa irmã e sem o Riyoma, o Japão com certeza não seria o país que hoje todos admiramos.

Naquela época, meados de 1800, o Sistema de Governo embora fosse Imperial quem mandava de fato era o Xogum, representante mor das centenas de poderosos senhores feudais ou suseranos. Que possuíam vastas terras onde dominavam com poder de vida e morte, sobre os pequenos servidores rurais. Cada Feudo possuía um exército de espadachins ou samurais, que à menor provocação decepavam a cabeça de quem ousasse enfrentá-los. E todos deveriam se ajoelhar e postar suas cabeças no chão à passagem dos suseranos e seu exército de samurais. Quem levantasse a cabeça, ficaria sem ela. Literalmente. Foi nessa época que o distraído Riyoma começou a perceber o absurdo desse tratamento, que os senhores de castas superiores concediam aos membros de castas inferiores... Aquilo começou a incomodá-lo muito, embora todos aceitassem como procedimento normal. Inclusive sua família. Eram duzentos anos de servidão contínua...

A família de Riyoma embora tivesse posses fora reduzida à classe mais baixa de samurais, por uma questão política. Os cidadãos de castas inferiores eram desprezados em qualquer lugar, por qualquer um. Deveriam abrir caminho para os outros passarem, e prestar reverência, se humilhando. Mesmo em dias de chuva. Isso era degradante demais! A ponto de matarem um cidadão inglês a cavalo que sem conhecer as regras, tentou cruzar a comitiva de um senhor feudal...

Quando Riyoma atingiu a maioridade, decidiu ir para Edo (Tóquio) para aperfeiçoar o uso de espadas. Estudou com afinco e se tornou um dos melhores espadachins do Japão.

Por essa época, chegou ao Japão o Comodoro Calbraith Perry dos Estados Unidos com quatro imensos navios intimando o Japão a abrir seus portos para o Comércio Exterior. Entregou uma carta do Presidente dos Estados Unidos, prometendo voltar no ano seguinte. Se o Japão não aceitasse, os americanos atacariam e demonstrou isso com a detonação de um poderoso canhão em alto mar. Foi um Deus nos acuda! Todos ficaram apavorados, até a Família Imperial.

Naqueles tempos, o Japão só mantinha contato com a China e com a Holanda. Estava fechado para outros países, porque se julgava auto suficiente e desprezava os estrangeiros. Acreditando piamente que era um país abençoado pelo Sol nascente, de onde provinham os Imperadores... Mas, os poderosos navios e o canhão abriram os olhos dos governantes japoneses, que perceberam quão atrasados estavam em tecnologia. Nem possuíam um navio decente quanto mais armas militares... Que poder tinha uma espada diante dos canhões? pensou Riyoma...

Na confusão que se seguiu formaram-se duas correntes de opinião: Parte dos governantes e a Casa Imperial não aceitariam o acordo com os Estados Unidos e expulsariam todos os estrangeiros que aparecessem no Japão; a outra corrente era pela abertura dos portos, para conhecer outros países, manter um bom relacionamento comercial, social e político. E aí a confusão estava armada. Todos os dias havia emboscadas de gente, que não aceitava o posicionamento dos outros. Cabeças decepadas apareciam nos becos, de ambos os lados.

Enquanto isso, um primo de Riyoma, Takechi Hanpeita, que havia formado uma Academia de centenas de espadachins na cidade de Kochi. levou o grupo para Edo e ofereceu seus préstimos ao Imperador. Quando voltou a Kochi, Hanpeita tentou uma incursão para derrubar o Xogunato e falhou. Riyoma participou e teve que fugir para não ser preso. Virou um desertor porque devia obediência ao Suserano e fugira sem autorização dele. Ninguém viajava para lugar algum sem essa autorização. Enquanto isso, Hanpeita e seus aliados atacaram o Representante do Feudo. Mas foi pego e condenado a morrer por haraquiri.

Entretanto, Riyoma que estava muito confuso partiu para assassinar Katsu Kaishu um Oficial do alto escalão do Grupo Tokugawa (Xogunato). Mas, Kaishu que já havia ido à América e sabia do atraso de seu país, percebeu que Riyoma estava confuso. E através de uma boa explanação sobre a situação do Japão, acabou convencendo-o a se unir a ele, para organizar o aparelho militar japonês. Era preciso fortalecer a Defesa do país para abrir os portos. E foi assim que Riyoma descobriu a sua vocação e a sua missão.

Ele e Katsu organizaram a Força Naval Japonesa Moderna com a ajuda de potências estrangeiras. Riyoma e seus amigos fundaram a primeira Companhia de Comércio Kameyama Shachuu em Nagasaki, que depois se transformaria em Kaientai ou Grupo de Apoio Marítimo do Japão.

Com o prazo dos americanos vencendo, a agitação no Japão recrudesceu e o Ministro Ii Naosuke tomou uma decisão repentina sem consultar a Casa Imperial, fato que desagradou os conservadores. Concordou com os termos do acordo e abriu os portos de Shimoda e Hakodate. E mandou executar todos que se levantaram contra essa decisão. Essa ação lhe custaria a vida, sendo assassinado por grupos que não queriam a modernização do Japão. Enquanto isso, Riyoma se esforçava para formar alianças para derrubar o Xogunato e todo o sistema de Feudos. Feudalismo significava domínio e humilhação. Os japoneses estavam cansados de tanta opressão.

Conseguiu a muito custo a Aliança dos Feudos de Satsuma e Choshu que eram arqui-inimigas desde os tempos de Hideyoshi e Ieyasu. Procurou convencer os líderes Saigo Takamori e Okubo  Toshimichi de Satsuma e Takasugi Shinsaku de Choshu. Esses Feudos tinham ressentimentos históricos e não aceitavam dialogar. Então, Riyoma, pediu que unissem as forças pelo futuro do Japão. Que era preciso derrubar o Xogunato, o inimigo comum de ambos os Feudos. E para isso acontecer só unindo as  Exércitos de Satsuma e Choshu. Depois de muitas reuniões, e alguns acordos acabaram concordando.. E assim foi. Houve uma grande batalha contra as forças do Xogun, que foram derrotadas, com a ajuda da Casa Imperial.

E mais que isso, os construtores do Japão Moderno convenceram o Xogun a devolver todo o poder de governo ao Imperador, sem precisar de uma guerra. Sakamoto Riyoma foi a alma nessa empreitada, que abriu o Japão para o mundo, acabando de vez com séculos de ostracismo do país. O Japão começaria uma nova Era, a Era Meiji, que foi a maior e mais impressionante mudança para a modernização.

Infelizmente, os adversários dessa ideia eram muitos, não aceitavam mudanças, apegados às suas ideias medievais. E não aceitaram essa abertura para o mundo, tão acalentado pelo Riyoma e seus parceiros. Não queriam progresso nem tecnologia. E uma noite, ele e seu companheiro Nakaoka Shintaro foram emboscados e assassinados  num Hotel em Kiyoto.

Riyoma tinha apenas 33 anos de idade.

E não chegou a ver as mudanças que tanto acalentou...

Ele é considerado a

” Jovem Estrela do Fim do Xogunato”

 “Pai da Marinha Imperial Japonesa”

Graças a Otome, que transformou o irmão chorão num dos homens mais venerados do Japão

Mirandópolis, abril triste de 2010.

Revisado em abril de 2022.

kimie oku in

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sábado, 26 de março de 2022

            Amor Filial /親孝行 (oya koukou)

    Recentemente tenho assistido a tantas desavenças entre membros de famílias, que se recusam a cuidar dos pais idosos.

E é tão triste constatar que os filhos tratam seus velhos genitores como lixo para ser descartado. Os mesmos pais que cuidaram dos filhos com tanto carinho e dedicação.

Tá certo que alguns idosos ficam difíceis de lidar, são teimosos e irritam os filhos que não têm muito tempo para cuidar deles. Só que os pais tiveram toda a paciência de Jó para encaminhar cada filho na vida. Mas tudo isso acaba esquecido e a realidade é uma mãe idosa, senil que ainda quer impôr sua vontade como antigamente. E aí, as desavenças...

Eu sou idosa quase senil, e me contento com telefonemas dos filhos dizendo: Oi, tudo bem aí? Tá precisando de alguma coisa? E ocasionais visitas do filho trazendo uns pastéis, uma refeição, uma fruta, um doce... E me socorrendo na hora da revisão do carro, no reajuste de uma tevê que pifou, ou ainda me levando ao médico quando necessário. E da filha, do genro e da neta sempre atenciosos comigo e com meu esposo.

Tudo isso se chama Amor Filial ou Oya Koukou, como escrevi no começo dessa crônica.

Hoje existem casas de repouso e asilos para internar pessoas que precisam de cuidados por causa da idade e não têm quem as cuide. Só que isso virou moda e ninguém quer mais cuidar de seus velhinhos... E os asilos viraram depósitos de gente abandonada e esquecida... Grande parte de gente internada lá não recebe visitas, porque seus familiares nem se importam com eles... Esqueceram...

Tive uma amiga que dizia: "Deus fez tudo certinho e bonito. O ser nasce para a alegria dos pais, que se empenham em ajudá-lo a crescer, ir pra escola, formar-se... Depois vem o trabalho e o casamento... Mas os anos passam, a saúde se deteriora com a velhice, que alguns teimam em chamar de melhor idade. E aí vem o fim. E o fim não tem nada de bonito. No fim há muitas dores, doenças inimagináveis, despesas não previstas. Entram em colapso a audição, a visão, as mãos ficam trêmulas, as pernas bambas, sem contar a confusão mental... E é justamente nessa fase que o idoso precisa de ajuda. Ajuda para não esquecer de tomar os remédios, ajuda para se alimentar, se banhar, apoio para não cair... O fim da vida não é bonito. Deus se esqueceu do fim do ser humano...”

Mas os jovens não são capazes de entender essa fase porque eles são jovens, não sentem as dificuldades dos idosos, pois ainda funcionam muito bem... Só perceberão quando estiverem passando por isso mais tarde. É um ciclo.

Se percebessem, dariam mais atenção, com amor filial.

Tenho uma sobrinha brasileira que, ao perceber que sua mãe estava indo embora, lhe perguntou que sonho ela não conseguira realizar. E gentilmente ela tornou realidade esse sonho. E recentemente, ela realizou o sonho de seu sogro, que é meu irmão. Fiquei encantada. Não é por acaso que ela é psicóloga!

Demonstrar amor ou gratidão aos pais não é dando presentes caros no dia das Mães e dos Pais. Presente material é bonito e representa alguma coisa, mas a atenção, a paciência e os cuidados falam mais alto. Muitos filhos levam presentes para os pais e pensam que já provaram seu amor e sua gratidão.

Um filho deve ser tão responsável pelos pais na velhice, tanto quanto uma filha. Então, por quê jogam a responsabilidade só para as filhas?  Mas tem famílias que se revezam nos cuidados e eu acho isso legal. Todos têm que assumir sua responsabilidade.

親孝行 oya koukou/Amor filial é uma paga, um 恩返ongaeshi/Gratidão pela vida recebida. Por ter sido gerado pelos pais e ter nascido em determinada família.

Vamos praticar o oya koukou, para que nossos filhos e netos aprendam que devemos agradecer e muito, o maior presente que recebemos. A vida.

Então, que tal começar agora?

Uma visita...

Um telefonema...

É tão simples e tão pouco pela bênção da vida.

Mirandópolis, abril de 2022.

kimie oku in

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quinta-feira, 24 de março de 2022

 

 Eeja naika  

   ええじゃないか


Depois de Nobunaga e Hideyoshi, Ieyasu assumiu o Governo do Japão e estabeleceu o Xogunato Tokugawa que duraria por 260 anos.

A Era da Guerras já era coisa do passado, mas os velhos hábitos ainda perduravam. Os Daimyos/Suseranos exigiam subserviência do povo, que devia postar a cabeça no chão à sua passagem em sinal de reverência... Quem não o fizesse tinha a cabeça decepada pelas espadas dos terríveis samurais. Muitas cabeças rolaram ... O povo aterrorizado estava cansado de ser humilhado.

Nessa época, o Palácio Imperial não dispunha de um exército e ficava à mercê dos Xoguns e seus caprichos. O Imperador era mera figura decorativa.

Diante das atrocidades cometidas pelo Xogunato contra o povo, muitos intelectuais planejavam devolver o poder de governo ao Imperador. E só havia dois Feudos com Exércitos que pudessem enfrentar o Xogun. Eram os Exércitos de Satsuma liderado por Saigo Takamori e Okubo Toshimichi; e o de Chosu liderado por Takasugi Shinsaku. Mas os dois grupos estavam sempre se confrontando e se tornaram arqui-inimigos...

Enquanto isso, um famoso espadachim que havia assistido a humilhações inomináveis começou a acalentar um sonho, que era  libertar o povo da opressão. Os opressores eram os Daimyos e o Xogun seu líder supremo. Sakamoto Riyoma de Chosu era esse jovem.

Então, de repente apareceu no Japão uma poderosa frota de navios negros, dirigida pelo Comodoro Perry. Vinha trazer uma carta do Presidente dos Estados Unidos, intimando o Japão a abrir os Portos para o Comércio exterior. O Japão era um país isolado e não admitia estrangeiros em suas terras. Na mente dos japoneses o Imperador era de origem divina, e o país não precisava de estranhos em suas terras. Só comerciavam com os chineses e holandeses.

Quando o teor da carta americana foi revelado, o povo se dividiu em dois grupos: os conservadores que não aceitavam a abertura dos portos, e queriam expulsar todos os estrangeiros que aparecessem; e o grupo dos modernistas que pretendiam se relacionar com outros povos. Muitos adeptos desse último grupo foram assassinados pelos fanáticos conservadores.

E aí ocorreu a questão de um turista inglês, que ignorava a obrigatoriedade de reverências, e tentou passar a cavalo pela comitiva de um Daimyo. Foi acusado de desrespeito e morto ali mesmo, pelos samurais do Suserano. Por essa morte, o Japão teve que pagar uma altíssima reparação, para não enfrentar uma guerra com os britânicos...

Com isso, recrudesceram os movimentos contra estrangeiros. Quando o Comodoro voltou um ano depois para saber da abertura dos portos, mostrou o poder destrutivo dos canhões. O que podiam as espadas diante de canhões? Então, Ii Naosuke representante do Xogun abriu os Portos de Shimoda e Hakodate, e assinou um Tratado de Paz e Amizade com os Estados Unidos, prometendo abrir cinco portos.

Isso despertou a fúria dos conservadores que numa emboscada executaram Naosuke.

Sakamoto Riyoma percebeu que chegara o momento de intervir. Parlamentou com Saigo Takamori e seu adversário Takasugi Shinsaku, apontando o Xogunato como o inimigo comum. E já era tempo de acabar com ele. Diante do inimigo maior, os dois Exércitos se uniram para derrubar o Xogun. Com apoio da Casa Imperial. Houve algumas batalhas, mas os oponentes venceram. E o 15º Xogun Tokugawa  Yoshinobu deixou o cargo e devolveu a Administração do país à Casa Imperial, em 1867.

A Corte baixou um Decreto extinguindo o Sistema Feudal no país e o governo foi centralizado no Imperador. Os Daimyos foram intimados a sair da capital para irem morar em seus domínios distantes.

Essas mudanças custaram a vida do paladino da Restauração do país, Sakamoto Riyoma que foi assassinado junto com um companheiro, pelos radicais extremos. Não chegaram a assistir ao advento da Era Meiji.

Por essa época, ocorreu um movimento em Nagasaki. Era uma espécie de festival, onde as pessoas dançavam e cantavam e refrão Ee já naika (いいじゃないか) que traduzido seria “ Quem se importa? Por que não?” A onda cresceu e tomou conta de todo o Japão.

Muitos historiadores acreditam que seria uma espécie de protesto contra a situação caótica reinante, sem um governo forte que desse segurança ao povo. Entretanto, protestos sociais e políticos eram terminantemente proibidos. Então, o movimento assumiu um aspecto religioso e carnavalesco, para burlar os fiscais. De verdade, era um grande desabafo do povo miúdo que fora humilhado e anulado por gerações, acredito eu. Era como uma grande brincadeira, onde verdades estavam sendo lançadas para o povo despertar.

Ainda houve o Boshin war, uma guerra civil entre os que apoiavam o Xogunato e os que se opunham a ele. Muita gente perdeu a vida inutilmente...

Porém, o Xogunato foi extinto e começou a Era Meiji.

E foram introduzidas mudanças: A capital foi transferida de Kyoto para Edo, que foi renomeado Tóquio. Os hans/feudos passaram a ser denominados Ken/Prefeitura. E cada Ken teve governadores nomeados pelo Palácio. O novo governo aboliu o sistema de classes, declarando a igualdade dos homens. E os trabalhadores foram chamados Hemin.

Dentre as mudanças importantes destacam-se: O Sistema Educacional, que obrigava crianças a partir de seis anos de idade a frequentarem escolas fundamentais; a Reforma da Taxa sobre os territórios que passou a cobrar 3% sobre os produtos colhidos; e a Reforma Militar, que obrigava homens acima vinte anos de idade a se submeterem ao serviço militar, para a defesa da Pátria.

O Imperador que assumiu a Era Meiji/Iluminação foi o Príncipe Mutsuhito, que seria o 122º Imperador a assumir o trono e governaria o Japão por quarenta e cinco anos.

Outras grandes mudanças foram introduzidas, com a instalação de muitas indústrias que transformariam totalmente o Japão.

A Era Meiji foi realmente de iluminação, porque resgatou um Japão mergulhado na obscuridade de ideias conservadoras, que o mantinham isolado e fechado para o mundo para um país moderno, e uma das grandes potências que se destacam no cenário mundial. 

Mirandópolis, março de 2022.

kimie oku in

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domingo, 20 de março de 2022

 



         Wabi Sabi

   Não sei quando foi que a humanidade começou a valorizar apenas o que é belo, perfeito... Quando a nossa geração veio ao mundo, o ideal já estava estabelecido: todos tinham que ser belos, admiráveis e competentes.

     Já existiam Concursos de Beleza para escolher a Mulher mais bela do mundo. Competições para escolher quem corre mais, quem salta mais alto, quem é mais forte na luta corporal... Quem sabe mais...

     Eu nunca gostei dessas competições. Eu nunca poderia competir com ninguém em nenhuma categoria... Nunca fui modelo de nada. E assim como eu, existem bilhões de pessoas que não se encaixam nessas formas inventadas pelo homem. Se o ser humano tivesse que ser perfeito, Deus o teria criado assim. No entanto, há tanta gente com partes faltando, sofrendo por alguma deficiência... E foi Deus que os criou.

     Então, pra quê esses Concursos? Pra provar o quê? Para selecionar o que Deus nunca selecionou?

     Acredito que todas as pessoas têm uma missão neste mundo. Viver em prol de alguém, de alguma causa, de algum objetivo, de algum propósito que só Deus sabe. Ninguém veio a este mundo para ostentar o belo sorriso, nem medir forças com outros, nem exibir a sua sabedoria. Então, todos esses concursos não têm sentido. Pura bobagem inventada por mentes sem equilíbrio.

     Felizmente, em contrapartida existe uma Filosofia japonesa chamada Wabi Sabi, que valoriza as imperfeições e a impermanência da vida. Sabemos por experiência própria que nem tudo é perfeito, nem tudo é excelente, nem tudo é o máximo. E temos que conviver com essas imperfeições, com a fugacidade do tempo e a fragilidade do ser humano. Todos os dias.

     Então, selecionar os melhores, os mais fortes, os mais competentes não tem sentido. Seria o mesmo que condenar 99% da humanidade como escória... E sabemos também que esses 99% somos nós os imperfeitos, os frágeis, os inseguros, os que pelejam diariamente para sobreviver nesse mundo de gente tola, que elegeu coisas absurdas como padrões ideais.

     Esqueçamos todos esses ideais para viver e usufruir das coisas boas. Não importa se a casa é velha e imperfeita, pensemos que ela é o nosso canto, que nos protege do mundo e das tempestades; não importa se o parceiro tem manias, mas pensemos que ele é o companheiro de todas as horas; não importa se somos limitados em nossas ações, mas continuemos a dar o máximo para dar conta da existência... Isso não é entreguismo, é a verdadeira postura diante da vida que sempre será imperfeita.

     Vamos observar o mundo com outros olhos. E reparar na beleza das coisas rústicas, imperfeitas, naturais... Reparar nas folhas secas dos caminhos, no sorriso tímido de um trabalhador, na insegurança das crianças que voltaram às aulas... Porque diante de Deus somos todos essas folhas secas, somos o sorriso tímido pedindo a bênção e somos a total insegurança de humanos imperfeitos...

 侘 寂。。。 para uma vida sem estresse, uma vida leve e boa.


Mirandópolis março de 2022.

kimie oku in

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terça-feira, 15 de março de 2022


Takeda Shingen 武田信玄

“Veloz como o vento.

Tranquilo como um bosque,

Destruidor como o fogo,

Inabalável como uma montanha”.

Esse foi o slogan do exército de Takeda Shingen senhor de Kai em Yamanashi ken, que utilizou as imagens do Vento, Bosque, Fogo e Montanha em suas flâmulas e bandeiras nos combates. Foi um sábio samurai da Era das Guerras(1467 a 1573) no Japão Medieval. O maior e mais temido de todos os guerreiros! Foi contemporâneo de Nobunaga, Hideyoshi e Ieyasu.

Época do Feudalismo em que os poderosos senhores feudais só pensavam em expandir seus territórios e aumentar o seu poder, para dominar regiões inteiras. E todos tinham a meta de ir para a capital Kiyoto e se tornar o próximo Xogun.

O pai de Shingen, Takeda Nobutora foi um suserano feroz, que  avançava sobre territórios vizinhos para dominar toda a região de Kai, Sagami, Izu, Suruga, Shinano em Nagano ken, Yamanashi ken e Niigata ken. Guerreou com todos os seus vizinhos, tomando posse de seus castelos. Só parou ao ser desterrado pelo próprio filho Shingen, para os domínios de seu genro Imagawa Yoshimoto, que era o senhor dos territórios de Suruga, Tootoumi e Mikawa (Aichi ken). Ao se livrar do autoritarismo do pai, Shingen que na época tinha apenas vinte e um anos explicou aos membros do Feudo a razão de desterrar o pai, que não cuidava de plantar e colher para o povo sobreviver. Todos os lavradores estavam sempre nos campos de batalha. O jovem Shingen tinha outra forma de administrar um Feudo. Tomou medidas para conter as inundações nos campos de arroz na época das chuvas. E prometeu que as guerras só seriam após a colheita, para deixar as famílias abastecidas. Retirou os impostos. Todos os lavradores, os militares e os serviçais ficaram muito contentes com isso. Nobutora o pai nunca atendera as necessidades dos trabalhadores. Então, os operários se empenharam com entusiasmo na construção de diques para controlar as cheias. Alguns rios foram até desviados de seus cursos normais, para proteger os arrozais. Foi uma obra monumental que ficou para a posteridade. Até hoje há na região ruinas das famosas barragens de Shingen.

Kai era uma região cercada por montanhas e de poucas terras cultiváveis, então era necessário aumentar o território. Shingen preparou o seu exército e após um ano partiu para novas conquistas. O objetivo era incorporar as terras de Suwa, que pertenciam ao cunhado Suwa Yorishige, casado com sua irmã Nene. Suwa foi dominado e forçado a praticar o haraquiri... E um tempo depois, a viúva Nene desolada com a morte do esposo ficou doente e acabou falecendo. Essas tragédias aconteciam com frequência, porque era um tempo de guerra, e os sentimentos eram outros. Era matar ou ser morto... E assim, invadindo pequenos Feudos e tomando castelos, os domínios de Takeda Shingen foram se alargando... Estava seguindo exatamente os mesmos passos do terrível pai...

Por essa época, na Ilha de Tanega chegaram umas armas nunca vistas. Eram os fuzis conhecidos como teppo, que com um tiro derrubavam o inimigo mortalmente. Diante desses fuzis, o arco e a flecha pareciam armas de brinquedo... Logo, esses fuzis foram adotados e produzidos em série. Isso mudaria drasticamente a duração de uma guerra.

Um dia, alguém apresentou um homem muito esquisito para Shingen. Chamava-se Yamamoto Kansuke. Era cego de um olho e deficiente de uma perna e ninguém dava nada por ele. Mas, se revelou ser um grande estrategista militar. Sabia como ninguém organizar ataques e,  também a hora exata de se retirar de um campo de batalha, ganhando ou perdendo. Kansuke fez de Shingen um guerreiro forte, autoconfiante e temido por todos. Shingen o nomeou Instrutor de Guerra, porque era muito inteligente. Ele dizia que mesmo os inimigos mereciam respeito, e quando a pressão é demais, ao invés de conquistá-los, comprava o seu rancor.  “Gentileza conquista parceiros, e injúria compra inimigos!” Essas ideias fizeram de Shingen um guerreiro bem mais humano.

Shingen também criou um Regulamento para governar o seu Feudo. Esse Regulamento estabelecia direitos e deveres dos cidadãos, leis sobre Segurança e sobre o Comércio. Elaborado após consultar longamente seus assessores, esse Regulamento foi utilizado mais tarde pelo Xogun Tokugawa Ieyasu, para consolidar o Xogunato Tokugawa que governaria o Japão por mais de 260 anos.

Ao longo de sua carreira de guerreiro, Shingen teve dezenas de adversários, mas o mais difícil foi sem dúvida Kagetora de Echigo (Niigata ken). Kagetora que mais tarde se nomearia Uesugi Kenshin era um senhor feudal muito poderoso, que ao ver seus territórios ameaçados por Shingen, organizou-se para combatê-lo. Shingen se aliou a Imagawa Yoshimoto de Mikawa e Owari, a Houjo Ujiyasu de Sagami, formando a poderosa Triplice Aliança. Com essa poderosa união, parecia fácil vencer Kagetora(Kenshin). Por essa época, a barragem de Kamanashi ficou pronta após quinze anos de monumental trabalho não interrompido mesmo durante as guerras, e foi uma obra ímpar daqueles tempos. Foi uma alegria geral para os lavradores ver a obra pronta e, mais ainda para Shingen.

Shingen e seus aliados Imagawa e Ujiyasu se posicionaram pela quinta vez junto a Kawanaka, para combater o exército de Kenshin, que estava posicionado a quinhentos metros de altura na montanha. Além do íngreme acesso, chegou o Inverno com densas nevascas e tudo se complicou. Após dez dias de combate, ambos os lados deixaram o campo de batalha, que ficara coberto com cerca de setecentos cadáveres  dos dois exércitos. Foi a última vez que Kenshin e Shingen se confrontaram, mas até hoje ninguém pode dizer quem ganhou essa batalha.

Tem um fato curioso que prova a coragem desses dois inimigos. Shingen que historicamente foi chamado o “Tigre de Kai” estava descansando sentado num banquinho e assistindo ao desenrolar da batalha. De repente, surgiu à sua frente um soldado montado num cavalo e brandiu a espada para matá-lo. Shingen não se abalou, simplesmente afastou a espada com seu abano de bambu e não ficou ferido. O agressor era o adversário Kenshin ou o “Dragão de Echigo”...

Tigre e Dragão: Guerreiros insuperáveis.

A certa altura, Shingen resolveu atacar o Feudo de Imagawa, que havia se voltado contra ele. Mas encontrou oposição no próprio filho que era casado com a filha de Yoshimoto Imagawa. Shingen o obrigou a cometer suicídio por haraquiri... Ao próprio filho!

Parceiros de ontem se tornaram inimigos de agora. Imagawa e Houjou fecharam o caminho de Kai. De repente, Kai não tinha acesso ao mar. Isso significava que ficariam sem sal que é muito precioso para a culinária. Mas, Shingen nem se abalou, atacou Imagawa e tomou posse do território, assim como seu aliado Ieyasu se apoderou de Tootoumi. Mas, Kenshin se aliou a Houjou e a Imagawa. E Shingen sem condições de enfrentá-los voltou para Kai...

Houve um momento em sua vida, que Shingen quis ser um monge. Percebeu que fora cruel com a família obrigando as filhas a se casarem com filhos de adversários, só para manter a segurança de seu Feudo. Isso era costume na época, os filhos eram moedas de troca. E depois invadiu as terras onde elas moravam arrasando tudo e executando os genros. Além disso, obrigou dois filhos seus a praticarem o haraquiri, por terem se rebelado às suas ordens. E mais ainda desterrou o próprio pai... Tudo isso deve ter pesado muito... Mas... Não havia tempo para lamentações! Os inimigos que eram muitos vinham de todos os lados e urgia sair para o combate. Então, não parou para meditações...

 Nessa época, o Xogun era Ashikaga, que fora guindado ao posto por  Nobunaga, que tinha intenções de tomar-lhe o lugar. De repente, o Xogun Ashikaga Yoshiaki mandou um emissário para Shingen eliminar o Nobunaga. E de todos os lados chegaram pedidos semelhantes...

Shingen sentiu que estava com força suficiente para ir a Kioto e se tornar Xogun. Decidiu ir a Kioto ao mesmo tempo em que atacaria Nobunaga. Nessa empreitada Ieyasu, agora adversário atravessou o seu caminho, mas foi vencido. Shingen queria chegar a Kioto, mas um câncer no pulmão o impediria de realizar o seu mais acalentado sonho. Teve que voltar para recuperar as forças. Mesmo doente, mandou atacar o Castelo de Noda em Mikawa. Shingen mandou cortar a água e como as provisões já estavam no fim, Noda se rendeu... Shingen usava esses ataques para que todos acreditassem que ele estava forte e saudável. Entretanto, sua saúde piorou e teve que voltar a Kai.

Ele pediu ao filho Katsuyori que mantivesse sua morte em segredo durante três anos. Após três anos, seu corpo deveria ser colocado no Lago Suwa para repousar... Shingem faleceu em 12 de abril de 1573.

Como era difícil disfarçar essa morte tão chorada pelos seus vassalos, Katsuyori e seus Generais contrataram um sósia de Shingen para provar que estava vivo. Mas, três dias depois a notícia da morte já era conhecida de todos. Nobunaga ficou feliz, mas Ieyasu comentou que “Guerreiro como ele nunca mais irá aparecer!”

Sobre esse fato, o Diretor e Cinegrafista Akira Kurosawa produziu um filme chamado “Kagemusha, a Sombra do Samurai” que tive a oportunidade de ver. Kagemusha recebeu o Oscar de Melhor filme estrangeiro e Palma de Ouro, e foi magistralmente interpretado por Nakadai Tatsuya no papel de Shingen e seu sósia.

Mesmo com a recomendação de ficar isolado em Kai por um bom tempo, Katsuyori, o filho de Shingen partiu para um combate em Nagashino, para atacar um aliado de Ieyasu. E foi totalmente derrotado, porque Nobunaga e Ieyasu usaram armas de fogo, os famosos teppo, pela primeira vez. Foi em 1582. Derrotado, Katsuyori foi obrigado a cometer suicídio por haraquiri.

Foi o fim do Clã Takeda...

Gente é castelo,/人は城

Gente é muralha,/人は石垣

Gente é fosso/.人は堀

Gentileza conquista parceiros, /情けは味方

Injúria compra inimigos./仇は敵なり

Takeda Shingen..........武田信玄  1521 – 1573

Mirandópolis, junho triste de 2020.

kimie oku きみえ in

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domingo, 13 de março de 2022

 

                Kizuná 

Quando moramos por anos num determinado lugar ou cidade, acabamos mesmo inconscientemente, estabelecendo domínios sobre os locais que mais frequentamos. A padaria, a farmácia, a mercearia, a igreja, a livraria, o bar, a praça, o mercado e até mesmo as ruas vão ao longo do tempo, se transformando em extensão de nossas casas.

Esses locais se tornam pontos de referência, onde pisamos como chãos a nós pertences.  E é tão confortável saber que o médico estará sempre lá, que o merceeiro oferecerá frutas e verduras frescas, que haverá sempre um banco na Praça para acolher o transeunte cansado, que as dores físicas poderão ser aliviadas logo ali na farmácia.

Quando o sítio que nos pertenceu por trinta e sete anos foi ocupado pelos novos donos, eu tive a sensação de que eles eram invasores. Parecia que eles estavam violando um lugar sagrado. Quando  o amigo Sérgio vendeu a Livraria que eu frequentava, eu me senti traída... (E agora? Com quem vou conversar sobre os livros?)

"Kizuná"/ é um vocábulo japonês que significa laço, relação, elo, ligação de afeto, bem querer, apego...

O ideograma de kizuná tem como radical  linha, como se amarrasse os

 sentimentos para não rompê-los. Kizuná é um sentimento que

 desenvolvemos para com coisas, pessoas e lugares que amamos.

Todos nós temos vários e maravilhosos kizunás, porque isso tem a ver com a alma, a ponto de considerarmos sagrados os lugares onde passamos a infância, e a casa que pertenceu a nossos pais... São apenas lugares, mas que traduzem algo que só a gente é capaz de sentir... Porque representam a infância, a juventude, anos de contato com a terra, com os campos, com as árvores, com a habitação, com o poço, com os fatos que ali ocorreram.

A sensação de perda, de ter sido traída pela vida quando perdemos lugares, relíquias e pessoas, só sentimos por causa dos kizunás.

É bem verdade que os sentimentos não morrem com a distância, nem com o tempo. Mas gente como eu, que viveu  oito décadas, se torna egoísta e não gosta de abrir mão de certas comodidades. E nada é mais confortável que ter amigos por perto, e lugares que amamos sempre à disposição.

Daí a dolorosa sensação de traição quando os perdemos...

Mesmo assim, vale a pena passar por tudo isso, porque é nesses momentos que podemos avaliar a força de nossos sentimentos. Somos puros sentimentos.

Quando perdemos um kizuná, o círculo da existência vai se fechando, porque um kizuná  nunca substitui outro.

Kizuná........ 絆

Por isso é tão doloroso viver.

Mirandópolis, fevereiro de 2022.

Texto de 2011, atualizado.

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