quinta-feira, 30 de maio de 2019



                                             Aconteceu comigo!
           O ano era 1970.
       Minha sede de trabalho era em Amandaba, a seis quilômetros de casa, mas a pretensão de todo Professor é lecionar na cidade para evitar as despesas de viagem. Então fiz a inscrição para o Concurso de Remoção dos Professores Primários do Estado, esperando que aparecesse alguma vaga para mim na cidade.
       A inscrição era feita na Delegacia de Ensino de Andradina. Constava de um requerimento oficial preenchido pelo candidato e uma lista de vagas de sua preferência. Essa lista era feita de próprio punho em duplicata, e a via carbonada ficava com o requerente, para sua garantia.
  A inscrição era feita no ano anterior e em janeiro ocorriam as trocas. Naquela época eu estava gestante da minha filha, que havia nascido há uns dias. Então, passou uma amiga e me perguntou “porquê eu havia feito a burrada de ir para a 3ª Aliança”. Levei um choque! Como eu teria feito isso? 3ª Aliança dista mais de 20 quilômetros da cidade! Teria eu me enganado nas minhas indicações? Atarantada conferi no Diário Oficial e lá estava “removida para o 3° Grupo Escolar de Roteiro (3ª Aliança)”. Fui conferir a minha lista, mas lá não constava a Escola da Aliança, mas o “3º Grupo Escolar de Mirandópolis”, que mais tarde receberia o nome de Ebe Aurora Fernandes Marcos. Ebe Aurora era uma Escola nova na cidade.
E o mais inacreditável é que a professora da 3ª Aliança tinha sido transferida para a minha vaga em Amandaba, como se tivéssemos feito uma permuta consensual. Permutas aconteciam de fato, mas os Professores interessados deveriam estar de acordo e fazer uma inscrição à parte. E eu nem havia cogitado isso.
Minha vida virou de cabeça para baixo! Com um bebezinho, ainda convalescendo do parto, quase tive um ataque! E nesse ínterim, veio uma colega que trabalhava em Tabajara perguntar-me se de fato eu havia indicado a 3ª Aliança... Porque de direito e pela classificação, ela deveria ir para Amandaba, cuja vaga fora usurpada pela professora da Aliança... E ela dizia que entraria com recurso exigindo seus direitos. Foi o diabo na casa do terço! A moça da Aliança alegava inocência e muito incomodada me perguntou se também entraria com recurso...
Então, no meio daquele dizque dizque, o meu esposo se lembrou do cartão que um Deputado daqui havia lhe oferecido, para alguma necessidade. E aí, ele passou um dia inteiro ligando para o homem que estava em São Paulo, mas nada conseguiu. Naquele tempo não havia Informática... No outro dia o homem estava na cidade. E o Nori foi falar com ele. Depois de tudo exposto, o homem não deu importância ao caso e só disse que se fora publicado no D.O. não havia solução, e nada mais poderia ser feito e que eu aceitasse os fatos...
Mas o pessoal da Escola e os amigos do Nori não concordavam. Munido de todos os documentos necessários, ele foi pra São Paulo para reivindicar a correção. O Processo de Remoção de Professores Primários do Estado estava acontecendo na Secretaria da Educação, na Praça da República ao vivo, porque havia professores presentes fazendo suas escolhas. Quando o Nori apresentou os documentos e a publicação no Diário, a Comissão interrompeu imediatamente os trabalhos, e anunciou a correção de viva voz e ato contínuo, garantiu que a retificação seria publicada no D.O do dia seguinte. E assim foi. Retornei para a minha querida Escola de Amandaba. E a outra para a Aliança.
Mas, até hoje não entendi o que aconteceu.
Ninguém me explicou direito como foi possível isso...
Por quê o Deputado não quis me ajudar?
Havia algum jogo sujo por trás?

      Mirandópolis, maio de 2019.
kimie oku in
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quarta-feira, 29 de maio de 2019


                 Amandaba

       Fiquei um ano e meio no Grupo Escolar de Tabajara. E em 1966 me transferi para Amandaba, que dista apenas seis quilômetros daqui.
    Amandaba é um distrito do nosso município, mas já teve um comércio mais forte que Mirandópolis. É que esse lugar floresceu entre fazendas de café, que movimentava toda a economia do país. Havia até uma estação ferroviária conhecida como Machado de Mello, que despachava a produção de café para Santas. O Distrito tem esse nome de um guerreiro indígena, que a senhora Maria Trindade homenageou ao doar as terras onde se formou o povoado, inclusive da Escola. Amandaba era um parente seu. 
      Logo na Rua que dá acesso ao povoado tem uma pracinha, onde há um monumento aos Imigrantes Japoneses que vieram, derrubaram as matas virgens e plantaram suas roças de café. Nesse obelisco construído em 1958, para comemorar o Cinquentenário da Imigração Japonesa, constam os nomes dos pioneiros japoneses, que ajudaram bastante no desenvolvimento local. Escrito com ideogramas japoneses. O remanescente desse grupo é o senhor Kaoru Hattori, que é filho de um desses precursores, e ainda mora num sítio lá.
Pois bem, me transferi para Amandaba ou Machado de Mello em 1966. Era um lugarejo muito pobre, mas cheio de crianças, que até sobravam na Escola. Havia os Brito, os Garcia, os Bispo dos Santos, os Pereira, os Sugimoto, os Quaresma Xavier, os Santos, os de Sá, os Bezerra de Amorim, os Ataíde, os Hattori, os Shirahawa, os Onishi, os Cabeça, os Junqueira, os Sekine, os Ribeiro, os Marques, os Ohi, os Kanamaru, os Assis, os Almeida.... As classes eram de 35 a 40 alunos. E a Escola funcionava de manhã e à tarde. A maioria era composta de crianças paupérrimas que iam descalças à Escola. Mas, tinham uma energia sem par. Mesmo pobres eram fortes e saudáveis.
Fui para lá porque só distava seis quilômetros de Mirandópolis, e eu estava cansada de pegar caronas na estrada de Tabajara. Mas a estradinha era poeirenta no Verão e barrenta nos dias de chuva. Como fiquei 13 anos lá, atolei dezenas de vezes com o meu Fusca, e minhas companheiras se escorregavam no barro para empurrar o carro...
Tive como colegas a Aurelinda Lima Ferreira, a Deise Teixeira, a Alzira di Bernardi, a Dinéia Sílvia Leister... Depois a Hilda Pereira dos Santos Barroso, a Luzia Cunha dos Santos, a Aparecida Cunha, a Antonia Girotto Terenci, a Clair Lopes Cardoso, a Evanir Rossato, a Akemi Osaki minha irmã, a Darcy Rossato, a Maria Teresa Dias Marcos, a Maria Zuleika Dias, a Yukuko Yokoyama, o Yussuf Hsain Alaby, a Neuza Marques e Itelvina Ferreira, cujo nome seria dado à Escola, por ter atuado muitos anos lá... Diretores Amazílio Abrão, que era tão gentil e cuidadoso com as crianças, o José Domingos Paschoal, que me ensinou tudo sobre como planejar e avaliar aulas, e foi meu colega como Supervisor de Ensino na Delegacia de Ensino em Andradina e o Milton Pazin. Serventes: Antonio Marques e Alceu Ribeiro e a Merendeira era a dona Maria Moreira de Assis. Foi um tempo muito bom, o pátio ficava lotado de molecada arteira e mal dávamos conta do nosso recado. Eram muitas crianças que vinham do Bairro e dos sítios e fazendas próximas.
Como tinha um bosque junto da Escola, era um lugar povoado de pássaros e sempre as paineiras floresciam, forrando o chão com suas flores róseas em abril/maio e os flamboyants com flores vermelhas em novembro/ dezembro. A escola era pobre, mas a natureza em volta era muito bela.  E pássaros cantavam o dia todo.
Para mim sempre foi um lugar encantado.
Mirandópolis, maio de 2019.
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terça-feira, 28 de maio de 2019


             As curvas do caminho...
       Professora era uma das funções mais respeitadas e invejadas na época que eu estudei.
       Pareciam  pessoas de outra casta, que pertenciam a outra sociedade. Eram  tratadas com dignidade e  respeito. Respeito era a palavra. Eu tive uma Professora,  a dona Geralda de Almeida que era mulata, mas a cor de sua pele não diminuía  a respeitabilidade que recebia dos alunos e principalmente da comunidade. Era Professora de alta categoria e levava muito a sério a missão de ensinar e educar. Nunca, ninguém se referiu a ela como professora de cor. E isso foi nos anos 50, há quase setenta anos, quando  o preconceito e a discriminação racial predominavam fortemente em qualquer lugar do mundo.
       E acabei me formando professora e, por um capricho do destino voltei à escola onde estudei. Para dar aulas no  Grupo Escolar de Tabajara, em  Lavínia. E eu morava e  moro ainda em Mirandópolis, que dista seis quilômetros de Lavínia e esta fica a dezoito quilômetros de Tabajara... E toda manhã tinha que tomar o ônibus que ia a Lucélia para chegar ao trabalho.  O sacrifício de levantar cedo e amanhecer em Tabajara não era nada comparado ao problema da volta. Não havia ônibus, ninguém tinha carro, e carona era uma coisa de muita sorte.
       Ser professora era um luxo na minha cabeça inocente...  Mas desses percalços ninguém havia me falado. Depender  da  boa vontade de gente desconhecida,  para poder chegar em casa todos os dias. Como os colegas Rubens Donalonso e o José Gomes Moreno eram muito animados, a gente  esperava um tempinho no bar do Maciel para ver se algum caminhão local ia para a cidade...  Sem paciência mais para esperar, a gente se punha a caminhar... Era um areião bravo que enchia os sapatos e nos atolava...  e não havia esses tênis confortáveis que hoje usamos. E o sol impiedoso queimava a cuca... A Hilda é quem mais reclamava que estava com sede, que doíam as pernas, que tinha bolhas nos pés... O Rubens fazia  piada de tudo e passo a passo caminhávamos.... A conversa era sempre agradável e dávamos muita risada, enquanto íamos vencendo as curvas, porque a estrada tinha curvas e curvas que nunca acabavam.
       Depois de termos camelado uns seis, sete quilômetros, aparecia uma criatura de Deus de caminhão, que nos salvava. As mulheres iam amontoadas na boléia e os homens na carroceria... Descíamos em Lavínia, mas  a Hilda e eu  tínhamos que chegar em Mirandópolis. Às vezes pegávamos um ônibus, mas muitas vezes era só carona. Nessa época, o pai da Cristina Pesci, o seu Djalma  trabalhava na Coletoria  e sempre nos dava carona no seu Fusca branquinho. Era um senhor simpático, de boa conversa, que muitas e muitas vezes nos salvou. Nunca lhe esqueci o nome pela sua gentileza. E descobri sua filha Cristina no face, mas não me lembro de tê-la visto um dia. E percebo que ela como o pai é uma pessoa de bem.
        Seu Djalma...
       Algumas vezes vínhamos de caminhão de transportar bois, que eram altos como quê. Entrar na boléia (cabine) era um grande sacrifício para mim que sou muito baixinha. Imaginem os homens subirem na elevada carroceria, forrada de excrementos de boiada... 
       Saíamos às seis horas da manhã e geralmente só voltávamos às 15, 16 horas. e não tínhamos vale/transporte, dedicação exclusiva nem vale/alimentação. E não éramos revoltados. E nunca limitamos nossas aulas para os alunos que lá estavam para aprender.
        Apesar de  todos esses contratempos SOBREVIVEMOS.    
        E cumprimos a nossa missão!
        Com muito orgulho!

       Mirandópolis, maio de 2019.
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segunda-feira, 27 de maio de 2019


              De volta a Tabajara
         

        Apanhando e aprendendo andei por outras escolas rurais, até  prestar o Concurso do Magistério Publico do Estado de São Paulo, para me efetivar no cargo de Professora. Fiz a inscrição e prestei o Concurso, sem ter a mínima ideia do que iam me cobrar e sem ter estudado nada. Mas passei! Quase raspando mas passei com 55.36 pontos.
       Lembro–me que a escolha foi na Sala Marina Cintra na Praça da República, onde estava instalada a Secretaria da Educação. Fui sozinha com a cara e a coragem para escolher. Tinha apenas duas vagas no Grupo Escolar de Tabajara, onde eu havia feito o Primário. Para fugir das escolas rurais em que teria que dar aulas para três séries diferentes ao mesmo tempo, escolhi Tabajara. Assumi em agosto de 1964, e foi uma emoção muito forte voltar ao lugar onde havia estudado uma década atrás...
       A vantagem de dar aulas para uma série apenas foi descompensada pela distância, pois eu morava em Mirandópolis e tinha que tomar o ônibus que ia para Lucélia e saia às seis horas da matina...  Chegava às sete e meia e ficava esperando o início das aulas...
       Mas tive colegas excelentes para trabalhar. O Diretor era o senhor José Corral Clemente, por sinal muito competente. E os colegas eram o Rubens Alves Donalonso de Lins, o José Gomes Moreno de Guararapes e a amiga Hilda Pereira dos Santos. Tivemos excelente convivência. O Servente ainda era o amigo Joaquim quiri ri quim quim... Naquela época dávamos aulas aos sábados também e ninguém reclamava. E o comércio funcionava o dia todo.
       Um dia eu me encontrei com o senhor Emílio de Leão, morador local antigo e padrinho de um dos meus irmãos. Morava perto da Escola e me pediu que fosse almoçar com ele de vez em quando, porque se sentia muito sozinho. A dona Pascoalina tinha falecido e os filhos ido embora...  Fui algumas vezes almoçar com ele e, nos lembramos das caronas que ele havia nos dado volta para casa, quando éramos crianças... Enquanto almoçávamos ele pedia para a moça cozinheira apanhar cachos de uva para eu repartir com os professores...
      Seu Emílio de Leão... O povo local lhe homenageou dando seu nome ao Grupo Escolar, mas até a escola já foi fechada por falta de alunos...  Saudades daqueles tempos.
       Em 1965 consegui formar um grupo de trinta e oito alunos da 4ª série.  Havia mais, mas tive que reprovar três. Dentre os formandos, destacava-se o Santo Pacheco que era levado da breca, mas muito esperto. Havia o Estêvão que fazia as contas falando assim: “Três vezes cinco, quinze, fica cinco, vai um, três vezes nove vinte e sete mais um vinte e oito. Muito bem, Estevão! Fica oito e vão dois, três vezes sete vinte e um mais dois vinte e três. Muito bem, Estêvão, vamos pra outra!” Assim era o tempo todo, eu achava uma graça. Tinha os irmãos Valdemar e Sebastão Pereira Nunes, os Santaterra, o João Marega que é um comerciante bem sucedido aqui em Mirandópolis. e tantos outros...
      Recentemente tive notícias do Sebastião que se tornou um grande empresário e mora em El Salvador na América Central. Ele disse que está prestes a lançar um livro, acho que autobiográfico. Ele domina o Inglês, o Espanhol e o Português. "De Tabajara para o Mundo" é o título do livro, e eu estou ansiosa para ler... Para mim foi muito gratificante saber que aquele menino que morava num lugarzinho perdido no fim do mundo como Tabajara conseguiu vencer os obstáculos da vida e realizar seus sonhos. Volta e meia tenho gratas surpresas de ex alunos que me abraçam e cumprimentam relembrando o tempo das carteiras escolares. Geralmente nem reconheço as pessoas, que se tornaram adultas e se transformaram, mas me reconhecem apesar dos anos que passaram.
       É muito gratificante receber notícias e abraços de ex alunos que passaram por nossas mãos. O Governo nunca reconhece o valor do nosso trabalho, e menos ainda a sociedade. mas um abraço de um cidadão honrado que, de repente vem agradecer o nosso trabalho é mais que todo a fortuna do mundo.
         Nesses momentos  percebemos que não pelejamos em vão...

          Mirandópolis, maio de 2019.
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domingo, 26 de maio de 2019


                Gente de valor
       Nas minhas andanças pelas  Escolas rurais, conheci muitas pessoas valentes labutando no anonimato. E outras que tornaram minha missão de professora menos espinhosa. Nunca vou me esquecer do casal José João e Valdete, a eles devo muito. Outras pessoas ficaram na minha memória.
       Uma senhora que lhe esqueci o nome,  sempre me servia um café ao passar por sua porta a caminho da escola, quando descia do ônibus. Eram três quilômetros de caminhada e eu me cansava e dava uma paradinha em sua casa. Além do café, me servia pipoca feita na hora, porque era a única coisa que tinha para servir... Nunca esqueci esse carinho.
       Uma pessoa estranha foi a dona Romana, que fazia umas rezas em voz alta toda vez que se formava um temporal, e as nuvens escuras se tornavam ameaçadoras. Ela ia lá fora e rezando em voz alta jogava sal grosso para o alto para espalhar as nuvens. E de fato, as nuvens  se desfaziam e o temporal não vinha. Até hoje não entendo o poder que ela tinha...
       Mas de todas as pessoas quem  mais marcou foi o Tomo san.
Era um arrendatário de origem japonesa, que morava com a família nas terras onde queria plantar algodão. Para isso ele ajeitou 13 famílias de  trabalhadores que iam ajudá-lo na empreitada.  A escola era para as crianças desses peões.  Durante sete meses, a partir de fevereiro, eles prepararam a terra para semear algodão. A partir de  agosto, eles começaram a olhar o céu à espera da chuva para molhar a terra para a semeadura. Mas, todos os dias, o sol vermelho e quente não dava tréguas. A chuva não vinha.
E aos sábados, Tomo san levava os chefes de família à cidade para as compras... Arroz, feijão, farinha, uma linguiça, banha, café e açúcar... Tudo patrocinado por ele, porque os homens não tinham um centavo. E ainda, ele trazia duas ou três melancias, que mandava  cortar e servir a toda comunidade. Era uma imagem bonita de se ver: Todos felizes  comendo a melancia vermelha e sorrindo de prazer...  E no final servia uns goles de cachaça aos homens para animá-los... Durante sete meses e alguns dias foi assim.
   Todo mundo desesperado pela chuva que não vinha. Não havia nem mais jeito de arar aquela terra seca e vermelha, que formava redemoinhos ao menor vento.  Araram na horizontal, na vertical... Só faltava fazê-lo em diagonal. E a chuva não vinha. O calor era intenso e a bola de fogo no céu, indiferente ao sofrimento do japonês, cuja conta no Banco estava só comendo juros... E ele sempre alegre dizia: "Amanhã ela vem!"
      Numa noite em outubro de repente, desceu um temporal como nunca havíamos visto. Eram trovões ribombando e estremecendo a terra, relâmpagos que iluminavam a casa inteira por segundos... E eu assustada acordei com o choro do Tomo san gritando: "Mulher, crianças, acordem! Está chovendo! Deus se lembrou de nós!  Vamos agradecer!" 
      Eu me levantei e fui até a sala. E o que vi lá no cantinho  do chão batido me estremeceu o coração. A família toda ajoelhada no chão batido chorando e agradecendo a Deus... Em altos brados: "Obrigado, Deus! O Senhor se lembrou de nós! Muito obrigado!"
      Chorei ao ver a cena, que os relâmpagos iluminavam como se alguém estivesse fotografando uma coisa do céu...
        No outro dia não teve aula.
        Toda a molecada estava na roça tampando com os pés as covas, onde os pais depositavam as sementes de algodão com as máquinas manuais de lata...
       O fim do ano chegou e eu vim embora. mas soube depois, que a colheita tinha sido excelente.
      (Já contei esta história várias vezes, mas nunca me canso de  recontá-la)

       Mirandópolis, maio de 2019.
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sábado, 25 de maio de 2019


      
             José João e Valdete
           A escolinha cheia de cabritos e meninos chucros me desanimou de fato. Achei que havia escolhido a profissão errada.
         Fui tomar pensão na única casa que havia no local. Era do retireiro  de leite. Eram pessoas boas, mas não sabiam nada sobre higiene.  Acho que a mulher nunca tomou banho! E lavava os três filhos pequenos numa bacia grande, um após outro sem trocar a água!  A água ficava barrenta no final. Os cabelos desgrenhados dela eram um amontoado de poeira velha... E leitões circulavam na cozinha sorvendo o soro que caia dos queijos que ela fazia...  Tudo era muito relaxado e sujo, nada era controlado.
       Passei uns dias só me alimentando de laranjas inteiras para matar a fome, só eliminando a casca e as sementes.  E chorei, chorei, chorei... De pena de mim mesma! Quem me salvou foi o senhor Roberto Dias da Farmácia que foi um dia à fazenda, e lhe contei a minha triste situação. Ele avisou meu irmão Minoru, que logo comprou um fogão e panelas para mim. Aí, passei a cozinhar no quarto. Muitas mulheres foram ao meu quarto conhecer o fogão de chama azul. Nunca haviam visto um fogão a gás...
       Não havia jeito de voltar para casa nos finais de semana, porque  tinha aula aos sábados também.  Eu dependia de carona. E muitas vezes ficava de castigo lá no quartinho...
       Mas, o homem propõe e Deus dispõe. Ele colocou no meu caminho um casal arretado de bom, que eram da Paraíba...  Ou do Ceará? Eram o José João e a Valdete, que administravam uma fazenda a quatro quilômetros da Escola. Todos os Sábados que eu ficava na Fazenda, a dona Valdete mandava uma carroça me buscar para ficar na sua casa, que era muito limpa e arejada.
       Passava o fim de sábado e o domingo inteiro com eles e suas três crianças. Ela fazia uma comidinha caseira muito gostosa e passávamos horas conversando. Ela me contava de sua vida lá no Norte, cheia de saudades. Eu ajudava nos afazeres de casa fazendo bolos e pães. Foi o céu para mim!  Na segunda feira ia de carroça com as crianças para a Escola.
       O José João era um caboclo firme, trabalhador e muito gentil. Um dia ele me deu o cachorro Jack, que estava mordendo as canelas dos bezerros da Fazenda. O bicho estava revoltado porque o patrão não voltava. O dono da Fazenda era um sírio libanês, que havia ido lá no Oriente rever os parentes e acabara falecendo... 
     Mas o cão não aceitou a mudança e correu de volta seguramente uns quarenta quilômetros para retornar à Fazenda. E eu não tive coragem de levá-lo de novo...
       Valdete e José João foram a minha fortaleza.
       Eles não me deixaram desistir do Magistério! Anjos no meu caminho...
       Por onde andarão?

Mirandópolis, maio de 2019.
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sexta-feira, 24 de maio de 2019


                      Professora?????
       Em 1961, com menos de dezoito anos eu fui dar aulas numa Fazenda do Doutor Rafael Franco de Mello, em Lavínia.
       Era distante da cidade uns 15 quilômetros e a escolinha de tábua ficava na beira da estrada, onde não passava ninguém. Lugar ermo, perdido num fim de mundo, cercado de pastagens sem fim. Até hoje ouço o choro triste dos cabritos que rondavam a escola todos os dias...  Era um rebanho de uns vinte cabritos que berravam o dia todo bé, bé, bé, bé... Todas as manhãs, os meninos maiores e eu éramos obrigados a limpar o calçamento da escola, para retirar todo o cocô que deixavam em forma de bolinhas. Por sorte não cheiravam forte...
       Quando abri a escola, começaram a aparecer os alunos e seus pais. Fui anotando os nomes que totalizaram 62 crianças! Ao tentar registrá-las no livro de Matrículas, constatei que eram de famílias provenientes do Nordeste do Brasil, recém chegadas para plantar algodão. Enfim, eram retirantes da seca de lá. De Limoeiro, da Porteira Amarela e de outros lugares estranhos que nunca tinha ouvido falar. E descobri que nenhuma criança tinha uma Certidão de Nascimento. Nenhuma! Elas nem sabiam seus próprios nomes, pois eram chamadas por apelidos como Zominho,Diadorio, Nena...Zeca...Tida...
       Fiquei desnorteada e convoquei uma reunião com os pais à noite. Todos compareceram e eu lhes disse que, se uma daquelas crianças chegasse a falecer, eles não poderiam enterrá-la no Cemitério de Lavínia, porque legalmente não existiam... Eles ficaram chocados e foi um grande bafafá! Eu lhes disse que nem poderia matriculá-los sem uma certidão de nascimento... Que urgia regularizar os documentos para elas poderem estudar.
No dia seguinte não apareceu nenhuma criança! Fiquei esperando com o coração apertado, pensando se eu havia cometido uma grande besteira. Mas, daí a pouco passou um caminhão lotado de crianças e seus pais indo para a cidade. O motorista parou e me disse que a mando do arrendatário, iam registrar as crianças. E passado um tempo, todas elas tiveram sua situação legalizada. E eu tenho muito orgulho disso! Porque fiz a diferença na vida de sessenta e duas crianças para sempre! E eu tinha apenas dezessete anos! Isso o Curso Normal não havia me ensinado...
Mas, ensinar as crianças era tarefa muito difícil!  A sala lotada  de molecada, de  idades diversas, todas chucras de tudo, que não obedeciam, por mais que lhes pedisse... Percebi que nada sabia, que não tinha jeito, que nem sabia por onde começar! A maioria nunca havia visto um giz, um lápis, um livro! E eram irreverentes, andavam o tempo todo, falavam alto e brigavam uns com outros, aos socos...  Levei um bom tempo para domá-las... Muitas vezes eu tinha que gritar bem alto para me impor. Eram como os cabritos soltos lá fora que cabriolavam sem controle! Levei um bom tempo para torná-las mais dóceis e obedientes, e mantê-las sentadas nas carteiras... Teve até um garoto que, revoltado com a minha repreensão foi lá fora e ficava andando a cavalo, espiando pelas janelas e ameaçando me bater...
Nesse dia, tive vontade de sentar no chão daquela estrada erma e chorar, chorar, chorar...
Mirandópolis, maio de 2019.
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quinta-feira, 23 de maio de 2019


                       O Curso Normal

         Ao concluir o Ginásio resolvi estudar o Curso Normal de Formação de Professores Primários, o atual Magistério.
       Na época havia o Colegial Clássico e o Científico, mas eu queria ser Professora.  Esse Curso funcionava no novo prédio do Ginásio, que é onde está até hoje o CENE, que mais tarde receberia o nome da Professora Noêmia Dias Perotti. Dona Noêmia era a esposa do Diretor da Escola Pedro Perotti Neto. E faleceu quando era professora lá.
   Fiz o Vestibular em Valparaíso e passei.
       O Currículo do Curso Normal era diferente de tudo que eu havia estudado até então. Tinha a Psicologia para entender o comportamento do ser humano, mais ainda das crianças com quem lidaríamos - Freud e todos os famosos estudiosos da mente humana passaram desfilando diante de nossos olhos...  Pedagogia ensinava a lidar com a criança, para despertar seu interesse pelos conhecimentos; Sociologia para entender as relações humanas; a História da Educação para entender como a Educação havia evoluído ao longo dos tempos; Educação Comparada para conhecer as diferentes formas de Educação; Didática para o Professor saber as melhores formas de  passar certos conhecimentos. Havia ainda a Matemática, o Português, a Biologia para reforçar a educação básica pra o futuro professor não escrever e nem ensinar errado. E havia Canto Orfeônico, e Economia Doméstica com dona Sílvia Golmia, que nos ensinou a bordar com capricho.
        Nos primeiros anos era só Teoria, mas no terceiro ano tivemos que preparar e dar aulas verdadeiras para os alunos das Escolas. Como éramos jovens e inseguros tremíamos muito ao enfrentar a sala de aula cheia de alunos.
 Nossa turma que se manteve quase inalterada desde o primeiro ano era composta de 26 moças e dois moços, Alexandre Galvani e Joaquim Pompílio. Era uma turma barulhenta, e volta e meia o Secretário Wilson Monteiro chegava à porta para acalmar a moçada. O grupo se compunha de Ivone Junqueira, que era terrível, Ildete de Brito, Evanir Rossato, Geny Marcos, Gercy Clemente, Odirce Farizato, Idenilde dos Santos, essa também era da pá virada, Carmen de Sylos, Hilda Ribeiro, Hilda Pereira dos Santos, Irene Maria Leão, Rosalinda Cury Costa, Fusako Hombo, Yoshimi Miyamoto, Irene Félix, Laura Porto, Kimiko Sakiyama, Terezinha Ataíde, Neide Aparecida Bini, Therezinha de Lourdes Mendonça, Luliko Ohara, Yuka Fujimoto, e de Lavínia Beatriz Pereira Calças, Yasuko Nakamura, Leonilde Fontana e eu Kimie Osaki,
        Como éramos de Lavínia, não convivemos com essas meninas, mas  era uma geração forte, bonita, cheia de energia, que marcou época. Elas aprontavam o tempo todo, comandadas por Alexandre e Pompílio.
      Mas, um fato doloroso aconteceu com a Laura Porto logo no ano seguinte à formatura. Ela, o esposo Ricardo e seus filhos morreram num acidente de um ônibus que caiu num rio em Mato Grosso. Acho que eram três ou quatro meninos, que acharam abraçados aos pais... E dessa bela turma não mais terei chance de rever a Ildete, o Alexandre, a Yoshimi e a Evanir, que também se foram...
 Conseguimos comemorar os 25 anos de formatura em 1985 na antiga Churrascaria Gaúcha da Família Carrara, a que compareceu parte da turma. Pena que nem todos vieram...
 Essa fase de minha vida foi a mais feliz, porque a turma era boa e eu estava aprendendo a ser Professora...
       Ah! Se pudesse voltar àquela última sala no piso superior da Escola  com toda a moçada da época!
       Mirandópolis, maio de 2019.
       kimieoku in 
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A imagem pode conter: 15 pessoas, pessoas a sorrir


quarta-feira, 22 de maio de 2019


  Mamãe

 Mamãe Torá Tsutsumi viera criança do Japão, e quando era mocinha, sua mãe faleceu porque não suportou o clima do Brasil. Então, mamãe teve que assumir o serviço de casa, cuidando de tudo, dos irmãos, do pai, da cozinha, da roupa. Sua vida foi muito difícil desde criança. Teve doze filhos que cuidou com muito zelo, costurando os uniformes, as roupas de roça, sem nunca ter aprendido a costurar. Era muito caprichosa em tudo que fazia e, era sobretudo muito trabalhadeira. Trabalhou nos cafezais, nos arrozais, nos algodoais, na granja que fornecia ovos às centenas, e também na colheita de banana maçã.
Ela fazia pão uma vez por semana, torrava café na torradeira, cuidava dos animais domésticos, cuidava da horta perto de casa, além de cozinhar e lavar a roupa de toda a família. Com ela aprendemos a fazer tudo sem reclamar. Todo mundo tinha que trabalhar, sem choro, nem vela. Era pequena mas de uma fortaleza sem par.
Um dia ela descobriu o crochê, e sua vida se transformou. Como não tinha dinheiro para comprar a linha apropriada, ela fez peças lindas e finíssimas de renda com linha de carretel, que era muito fina. Mais tarde, ela faria muitas rendas de crochê para as jovens casadoiras da cidade. Peças que muitas amigas minhas ainda possuem...
Um dia, quado tinha mais de 60 anos,ela descobriu o Curso de Alfabetização de Adultos MOBRAL e lá foi à noite estudar, porque queria aprender a ler e escrever.  Até então não sabia ler e escrever nem em Japonês porque nunca estudara, por falta de oportunidade. E todas as noites foi à escola, onde aprendeu a escrever e ler com a amiga Professora Luiza Marchi. Ficou feliz por conseguir ler os livros sagrados e copiar as orações... 
Quando meu irmão Hideo ia se casar, ela ficou bastante preocupada porque sentia muitas dores nas pernas, e imaginou que não poderia participar da cerimônia. Mas, alguém lhe dissera que havia uma reza que curava todo tipo de dores... Quando ela descobriu isso, me pediu para levá-la até Lavínia, na casa de um conhecido japonês. E lá ela recebeu o Johrei. Depois, outros amigos começaram a frequentar sua casa para lhe ministrar essas orações, que eram feitas com a mão estendida sobre a parte que doía. Depois de um tempo, ela realmente ficou curada e foi ao casamento do filho.  E aí, ela se tornou um membro da Igreja Messiânica, onde evoluiu muito e ministrou orações às pessoas doentes. Era incansável, e percorreu a pé toda a cidade por mais de trinta anos, orando, orando e consolando os doentes. Ficou  conhecida como a Dona Aurora da Igreja Messiânica...
Até um mês antes de partir, ela fez um bico de crochê num pano de prato... Ela amava crochetar.  E a herança mais preciosa que nós suas filhas e netas temos dela, são as peças finíssimas de crochê, que ela fez ao longo de seus últimos anos de vida.
Eu as uso com reverência e muita gratidão.
Mamãe tinha 90 anos quando faleceu. Tive o privilégio de cuidar dela nos últimos anos de sua vida.
 Deve estar lá junto de Deus como uma filha amada, que só bem fez no mundo.

Mirandópolis, maio de 2019.
kimie oku in










terça-feira, 21 de maio de 2019


               Meu Pai
 Mesmo que passem mil anos, um filho não esquece seu pai, sua mãe.Além do cordão umbilical que um dia fez a ligação estreita com a mãe, há o sangue, que passou o DNA, que só Deus sabe como determinou.
Meus pais eram japoneses do Japão. Papai de Hiroshima, a mesma Hiroshima que foi incendiada na Segunda Guerra. Mamãe de Gunma ken. Se não tivessem se emigrado para o Brasil, jamais seus caminhos teriam se cruzado, porque lá no Japão da época, quem nascia num lugar, vivia lá até morrer. E entre Hiroshima e Gunma há uma considerável distância, que não seria vencida por nenhum dos dois.
Papai Jitsutaro Osaki veio ao Brasil  em 1913, tendo apenas 13 anos. Veio agregado a uma família de parentes chamada Kadoo, de quem se apartou ao completar os dezoito anos. Trabalhou como motorista de táxi em São Paulo, como intérprete entre os fazendeiros que contratavam mão de obra japonesa e os imigrantes que chegavam para trabalhar nas lavouras de café. Volta e meia era contratado para ir a Santos receber os japoneses. Mais tarde trabalhou com um médico de Araçatuba, doutor Kihachi Dayan, que viera ao Brasil como imigrante ilegal através do Peru. Dr. Dayan era Clínico Geral e curou muita gente de feridas bravas que grassavam na época, de graves ferimentos ocasionados por derrubada de matas, de picadas de cobras, de febres como a gripe espanhola, além de partos... Era de origem japonesa e bem requisitado pelos imigrantes, além de muitos brasileiros que não podiam pagar os tratamentos. Ele não cobrava dos pobres. Então a sua clientela crescia mais e mais, e isso despertou o rancor de outros médicos da região de Araçatuba. Contrataram um capanga, que acabou matando Dr. Dayan.  Uns meses após usa morte, veio do Japão a autorização para exercer Medicina, porque era Médico de fato, de que duvidavam os médicos daqui.Eu me lembro que papai possuía um grosso livro, todo ilustrado sobre o corpo humano em cores (Naquela época! Anos 50!) que ele consultava volta e meia, e acredito que deva pertencido ao Dr. Dayan, comprovando que ele estudara Medicina.
Papai aprendeu muito com Dr. Dayan. Eu me lembro que de manhãzinha, formava-se uma fila de pobres lavradores da redondeza para que papai os curasse de tracoma. Tracoma era uma infecção brava que atacava os olhos, cegando-os com grossas camadas de pus. Diziam que foram os imigrantes espanhóis que trouxeram essa doença... Havia muitos espanhóis que vinham em nossa casa com tracoma. Papai não lhes cobrava nada, mas os pobrezinhos curados traziam sempre ovos e frangos para demonstrar sua gratidão. Papai sempre foi muito generoso, e muitas vezes mamãe se aborrecia com ele. Quando alguém ficava encantado com alguma coisa como fotos, ou outros apetrechos ele lhe dava gratuitamente, mesmo sendo a única peça em casa... Assim perdemos muitas coisas preciosas pela sua generosidade.
Naqueles tempos remotos, mesmo sendo muito, muito pobres, papai nunca deixou de comprar o jornal São Paulo Shimbum, escrito em japonês. Depois da leitura, ele nos contava as novidades que corriam pelo mundo.
Quando a Guerra terminou, papai ficou do lado dos Shindo Renmei, que pregavam que o Japão havia ganho a 2ª Guerra, mas como ele lia muito, percebeu que não era assim.
Após um período sofrido pós guerra, um dia ele declarou que como morávamos no Brasil, tínhamos que ser brasileiros, mandou nos batizar na Religião Católica e passou a falar em Português com todos nós.
Papai era um homem sábio.
Mirandópolis, maio de 2019.

kimie oku in

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segunda-feira, 20 de maio de 2019


                  No Ginásio

       No Ginásio fui aluna dos maravilhosos Professores: de Latim Francisco de Assis Neves, de Português Dirce Jodas Gardel, de Francês  Dona Florinda, de História  dona Ernestina esposa do Professor de Latim,  de Ciências dona Zena que chamávamos de dona Maisena, de Matemática  seu Osvaldo,  de Inglês uma senhora super fina que  chegava todos os  dias dizendo Good afternoon!, de Geografia Dalva Monteiro Colaferro, que veio a falecer quando eu estava na 3ª série. Era uma moça bonita, alta, elegante e muito competente no ensino da Geografia. Fomos ao seu enterro em Araçatuba e a família ficou muito comovida com aquele bando de alunos, todos uniformizados no velório...  Hoje uma das ruas de nossa cidade leva o seu nome Rua Profª Dalva Monteiro Colaferro.
       Um dia, apareceu um Professor muito elegante e bonito chamado Carlos Roberto Pádua de Assis. Acho que todas as Professoras se apaixonaram por ele, especialmente a dona Dirce. Não só era bonito como muito competente. Viera de Mococa e ensinava Desenho. Ensinava Desenho à mão livre, não o desenho estereotipado. Entendia tudo de Artes. Um dia levou a terceira série à nossa Igreja Matriz para explicar a beleza da construção. Comentou sobre a Arte Sacra, sobre Arte Romana, sobre colunas, mosaicos,  arcos e volutas. Até então ninguém sabia que a nossa Igreja era tão bela. Foi nesse dia que descobri a beleza da Arquitetura. E nunca soube de outros Professores ensinando in loco sobre Artes. Um desperdício!
       No Ginásio tinha pavor de Matemática. Fiquei duas vezes para a Segunda Época, que era a chance para vencer uma matéria, depois de dois meses de estudos nas férias. Tive um Professor que me gritou para baixar noutro centro! E eu nem sabia porquê ele estava tão bravo! E menos ainda o que era um centro!
       Estudei com afinco até a 3ª série no Ginásio Estadual de Mirandópolis. Muitas vezes o trem se atrasava de três a quatro horas para nos levar de volta para Lavínia.  A solução era ir a pé os seis quilômetros... E o bando todo de quarenta alunos se punha a caminhar... Era uma turma barulhenta, sempre uns tirando sarro nos outros... Às vezes conseguíamos caronas nas carrocerias de caminhões, que eram mais baixos que os de hoje. Não havia ônibus para transportar estudantes. A gente tinha que se virar. Às vezes subíamos no barranco quando trombávamos com boiadas... Os bois eram conduzidos pelas estradas, não havia caminhões para transportá-los...
       A quarta série fiz em Lavínia no recém inaugurado Ginásio, que hoje é uma Escola Municipal para os  miúdos.
       Foi no Ginásio, com a Professora Dirce Jodas Gardel que tomei gosto pela Leitura e Redação. Também  só tinha que gostar de escrever pelo tanto de leitura que fazia. Pegava sempre três livros emprestados  para o final de semana, e os devolvia na segunda feira, tendo devorado todos. Conforme fui crescendo aprendi a selecionar as leituras. Infelizmente, a Bibliotecária não sabia orientar nem indicar leituras apropriadas. Então, li de tudo. Cheguei a ler autores estrangeiros tudo misturado com os nacionais.
       Leitura seletiva foi só depois de adulta.
       Mas a descoberta da Biblioteca foi para mim como achar a arca do tesouro.
       Ainda hoje leio muito, mas atualmente mais livros japoneses.

      Mirandópolis, maio de 2019.
      kimie oku in
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domingo, 19 de maio de 2019


                  As Bibliotecas!

         Terminei o Curso Primário em 1952, e sonhava em estudar mais.
       A família era grande e pobre, por isso nunca pedi isso para o papai. Porque todos estavam labutando na roça.
       Mas meu pai era um homem perspicaz e percebeu que eu só ficava lendo os livros de leitura repetidas vezes, os almanaques de Farmácias...  E um dia em 1953, decidiu que eu devia continuar os estudos. Meus irmãos mais velhos não tiveram essa chance, porque tinham que trabalhar e não havia Escola nas redondezas. Só mal e mal frequentaram o Primário, enquanto havia escolas...
Resultado de imagem para Admissão ao Ginásio       Fui para a cidade de Lavínia e fiquei uns meses na casa de uns amigos de papai, os Yuwahara, um casal de idosos e dois netos. Ali tomei pensão enquanto estudava o Curso Preparatório de Admissão ao Ginásio, que era uma espécie de Vestibular para selecionar os alunos que as vagas eram reduzidas.
       Após ter passado no exame de Admissão, em 1954 passei a estudar no Ginásio  Estadual de Mirandópolis, que ficava na Rua, hoje Avenida Dr. Raul da Cunha Bueno, a duas quadras da Estação Ferroviária. Isso era bem conveniente, porque passamos a viajar de trem de Lavínia a Mirandópolis todos os dias, no trem das 10.40 h que chegava em Mirandópolis às 11.00 horas. As aulas só começavam às 12.30 horas. Ficávamos no pátio da Estação esperando o tempo passar...
Mas um dia aconteceu um milagre!
       Descobri a Biblioteca do Ginásio!
Era uma sala repleta de livros, de coleções juvenis e infantis. Fiquei fascinada. Nunca sonhara ver tantos livros enfileirados nas prateleiras! Como era uma meninota bobinha de 12 anos li todos os contos de Carochinha. Qual não foi a minha felicidade quando descobri que podia levar livros emprestados para ler em casa! Pegava de três a quatro livros emprestados, para ler nos finais de semana. Foi um tempo de sonhos, de intensa felicidade. Não queria mais nada, só ficava num canto lendo, lendo. Nem brincava com outras crianças. Só queria ler. Mas o livro que me encantou chamava-se MAJUPIRA, um livrinho em que alunos contavam a história de sua amada professora Maria Julia Pimentel Ramos. Amei tanto essa leitura, que cheguei a pensar em escrever um livro, um dia... Andei procurando esse livro, mas não achei.  Nem no Google... Majupira...
Na Biblioteca não procurava livros didáticos. Só queria ler sobre aventuras, sobre curiosidades, sobre as grandes descobertas e os grandes feitos da humanidade. Como ninguém me orientava, lia tudo que caia nas mãos.  E nunca mais parei de ler!
Fui Professora, Coordenadora Pedagógica e Supervisora de Ensino e ao longo dos anos, percebi um fato muito triste! Quem frequenta as Bibliotecas são os alunos, exclusivamente! Raríssimos Professores leem. Ao longo dos meus 32 anos de trabalho como Educadora posso contar nos dedos das mãos, os Professores que realmente liam, pesquisavam, estudavam...  Havia até Professores que mandavam alunos de castigo na Biblioteca!  Lugar de felicidade e prazer transformado em lugar de tortura! Acho que esses Professores achavam a leitura uma tortura realmente!!!
Minha amizade e meu respeito pelo Professor Gabriel Tarcizzo Carbello estão ligados à importância que ele sempre deu à leitura. Onde quer que trabalhasse, orientava os alunos sobre a necessidade de se informar, de procurar livros, de comentar o que se lia para tirar conclusões. Foi até agora para mim, o maior exemplo de Professor  orientador da boa leitura, e acredito que ele deva ter formado muitos, muitos bons leitores.
Infelizmente, a era digital está acabando com as Bibliotecas. Ninguém mais lê, ninguém mais frequenta Bibliotecas. Todo mundo só quer saber de  sínteses de livros e se limita à pesquisa no Google. Pesquisa que ainda é muito superficial...
No meu tempo de jovem ter uma Coleção Mirador ou Delta Larousse era o supra sumo da glória. Sonhei tanto ter essas coleções, que era como ter uma Biblioteca inteira em casa, para esclarecer todas as dúvidas de Português, História, Geografia, Ciências do mundo inteiro! Felizmente, com o salário de Professora consegui adquirir essas Enciclopédias. Como pesquisei neles! E continuo ainda procurando informações que o Google não oferece!
Para mim, livro continua sendo um Tesouro!
E a Educação só vai melhorar quando os Professores passarem a ler mais, a pesquisar mais, a se informarem mais.
     Porque isso sim, significa crescimento!







    Mirandópolis, maio de 2019.
    kimie oku in

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