segunda-feira, 28 de janeiro de 2019



       Por quê Brumadinho?
      
       Tive um Diretor de Escola que, tinha o capricho de, a cada semestre letivo chamar um chaveiro, para consertar as chaves dos armários dos professores. Armários esses, onde eles guardavam suas cadernetas e outros materiais pedagógicos para ministrar aulas.
      A primeira vez que ele chamou o chaveiro lhe perguntei a razão. E ele me disse que, os professores na pressa de pegar seus materiais forçavam demais as chaves e as fechaduras, danificando-as. E depois diziam para ele que tinha que consertar ou trocar as chaves... E ele me disse que seria muito chato ensinar um professor a usar as chaves corretamente... Então, ele preferia fazer a manutenção quando eles estavam ausentes. Fiquei admirada de sua humildade e perspicácia...
      Ale mandava consertar e pagava com o dinheiro da Associação de Pais e Mestres. Deixava tudo em ordem, mas daí mais uns meses tinha que chamar o chaveiro de novo. E de novo...
      Então, comecei a observar as pessoas que abriam os armários e as portas. Era tudo na pressa, sem prestar atenção no ato, conversando com alguém e forçando as chaves, sem cuidado algum. É verdade que havia professores mais cuidadosos que faziam isso com calma, com extremo cuidado e nunca estragavam os armários...
      Esse mesmo diretor era “crica” como diziam os funcionários, porque chamava a atenção dos servidores, que deixaram as luzes de várias salas de aula acesas a noite toda. E às vezes, deixavam também todos os ventiladores ligados a noite toda...
      Antes eu havia conhecido um outro Diretor que, no final do semestre, aproveitando a ausência dos professores e alunos, consertava armários de madeira e gavetas de mesas das salas de aula. É verdade que ele pedia ajuda dos Serventes para a limpeza final, mas quando o novo Semestre começava, estava tudo em ordem.
      Eram apenas funcionários públicos e não eram marceneiros nem ferreiros, mas gostavam de zelar de sua Escola. Acho que nunca os professores repararam que tudo funcionava normalmente, porque havia alguém que garantia isso.
      Eu sou de uma geração que se dedicava de corpo e alma ao mister da Educação. E muitos professores e diretores primavam pelo capricho em exercer suas funções. Cuidavam de detalhes que nunca apareciam, mas que garantiam o bom funcionamento, a economia e a duração do mobiliário... E não era para receber prêmios, porque o Estado não pagava e nem paga bem o pessoal da Educação.
      A troco de quê eles faziam esse trabalho extra curricular?
      Eles tinham orgulho de suas funções e de suas escolas, que encaminhavam centenas de crianças na vida. Tudo tinha que caminhar na mais perfeita ordem, para que o ensino acontecesse.
      E hoje constato que o mundo mudou e gente daquele calibre não existe mais... Gente que tinha dedicação total ao trabalho que exercia. Que podiam ser cricas, que podiam ser superexigentes, que eram criticados mas que possibilitavam que os dias letivos ocorressem sem incidentes.
      Hoje, funcionários nas repartições públicas e até nas empresas privadas fazem de conta que trabalham. Passam horas e horas olhando na telinha de seus celulares, e nem percebem que à volta existe gente que precisa ser atendida porque está passando mal, porque precisa amamentar o bebê que ficou em casa, porque precisa voltar logo para bater o ponto no trabalho... Esses funcionários só querem garantir as horas no local de trabalho e nem estão preocupados com o sofrimento alheio. E geralmente são especialistas em falar mal do governo, da sogra, do marido, da empregada...
      Então, é por isso que aconteceu a tragédia de Mariana, de Brumadinho, do Viaduto que se rebaixou na Marginal Pinheiros... Para todas essas obras deve haver uma equipe encarregada de fiscalização e manutenção, que periodicamente tem que vistoriar para garantir a segurança da população. Mas, não! Fingem que trabalham, não fiscalizam nada, não conferem nada e deixam tudo ao Deus dará!
     Tragédias podem e devem ser evitadas!
      Mas no Brasil agora é preciso nomear fiscais para fiscalizar o trabalho dos fiscais!
      Porque muitos estão tão fissurados nos seus Whatsapps, que não têm tempo para cumprir suas tarefas.
      É por isso que aconteceu Mariana.
      É por isso que aconteceu Brumadinho.
E sabe Deus o que mais vai acontecer!
Será que Itaipu é segura?

Mirandópolis, janeiro de 2019.
kimie oku in


domingo, 27 de janeiro de 2019





            Idolatria


Toda vez que leio essa palavra, vem à minha mente a pintura de Rembrandt que mostra Jesus expulsando os vendilhões do Templo de Jerusalém.
Jesus foi ao Templo e vendo aquela feira armada na escadaria, se revoltou e pegando um chicote espantou os bois, os carneiros e as pombas que ali estavam, para serem vendidos pelos comerciantes locais.
E disse “A casa de meu Pai será a casa de oração e não um covil de mercadores.”
Sei que é esquisito associar idolatria à essa passagem da Bíblia. Mas para mim, Jesus estava revoltado com o apego ao materialismo, à moeda, que movia esse mercado improvisado. Todos estavam ali para negociar, para ganhar uns trocados, para encher os bolsos. E não para orar. Idolatria da moeda.
Antigamente, a humanidade movida pelo medo idolatrou fenômenos da natureza como o Sol, a Lua, o Trovão, a Chuva, a Terra, a Água... Depois, passou a idolatrar animais e mais tarde os humanos que se sobressaiam em suas tribos. Sempre houve necessidade de se eleger um Mito, um Ser que julgavam poderoso e que viria em seu socorro nas horas de perigo...
O Homem de hoje também tem necessidade de um modelo, de uma imagem que sirva de exemplo para copiar e não se perder nesse mundo.
E assim ao longo dos tempos os Xamãs, os Sacerdotes, os heróis locais passaram a ser os Mitos a serem copiados.
Na era moderna, muitos mitos foram criados e copiados. Atores de cinema, heróis de guerra, Reis e Rainhas, Santos da Igreja e Pensadores famosos. Assim Marilyn Monroe, Ayrton Sena, Santo  Agostinho, Papa João Paulo II, Tiradentes, Elvis Presley, Pelé, a Princesa Grace de Mônaco, Madre Teresa de Calcutá e John Lennon são alguns dos modelos adotados pela humanidade para serem copiados. Porque todos eles se sobressaíram de alguma forma em seu mister.
Ainda hoje na Índia, a vaca é considerada sagrada, e a respeitam como a um Deus. A vaca lá é intocável.
Desde sempre, o homem sentiu necessidade de um modelo, de um herói, para servir de exemplo em suas ações do cotidiano. Felizmente, sempre elegeram modelos bons e não os párias da sociedade.
Mas o tempo de idolatria já passou. E todo herói tem suas virtudes e seus defeitos. Nenhum mito é perfeito. Nenhum, porque todos são humanos e humanos erram em algum momento da vida. Mesmo que procurem a perfeição.
Então não entendo essa mania de idolatria que tomou posse de certos eleitores, que publicam tantas bobagens nas redes sociais. Postam fotos e atribuem falas não faladas por seus ídolos, como se fossem pessoas perfeitíssimas, que tudo vêm, que tudo podem, que tudo ouvem. Que vão fazer isso e aquilo... Que nunca passou pela imaginação deles. Como se eles fossem videntes que enxergam os passos que os próprios ditos heróis ignoram...
Ora, sabemos que os governantes por mais íntegros que sejam, são dolorosamente humanos e como tais podem cometer gafes, falar inconveniências, errar protocolos... Porque não são deuses, porque são humanos. Humanos. Apenas humanos, mesmo que firmemente bem intencionados.
Mas os idólatras querem endeusá-los e postam tantas inconveniências, que deixam com certeza as personagens citadas de saia justa. E isso é péssimo. Temos sempre que ter os pés no chão. E não criar fantasias e inventar expectativas que poderão nunca se realizar. Eleitores que assim agem, querem mandar nos seus eleitos para que seus sonhos se realizem. Isso demonstra falta de fé, de confiança. Porque os eleitos têm suas personalidades e acredito que tenham suas competências. Então é preciso acreditar. E confiar.
E não inventar um mundo de mentiras.
Porque isso só acirra mais a aversão dos adversários.
E isso é o que mais deploro no momento.
Porque agora é o momento de trabalho, de fé e de união.
Mirandópolis, janeiro de 2019.
kimie oku in


terça-feira, 22 de janeiro de 2019




A minha Rua São João

O amigo Ademar Bispo postou uma crônica no meu face em que a figura central é uma jaqueira. Sim, uma jaqueira que dá aqueles frutos enormes e espinhudos, que alguns amam e devoram e, outros não lhes suportam o cheiro adocicado e enjoativo, que atrai abelhas e moscas.
A jaqueira existiu há décadas nessa mesma rua que moro, a famosa Rua São João, que foi o play ground da molecada nos anos 50/60. Essa rua já teve outras crônicas, que a descreveram como a Rua da Delegacia de Polícia, a Rua da Feira de domingo em que se vendiam frutas e verduras. Foi a rua onde os moleques jogavam bola de tardezinha, em que se reuniam os companheiros do Bispo e do Ulisses Silva Lacerda planejando assaltos aos pomares vizinhos, para roubar bananas, laranjas e melancias...
Naquela época era uma rua de terra batida, cheia de buracos, sem guia, sem calçada e sem iluminação. Mas, com a urbanização, o aspecto foi melhorando e além das calçadas e do asfalto, ganhou algumas árvores, cujas sombras são disputadíssimas o ano inteiro, porque aqui sempre é Verão. Mas, jaqueira não há. Há sibipirunas, uma das quais bem em frente à minha casa, que produz uma sombra maravilhosa, que se eu cobrasse R$5.00 de cada carro que aproveita sua sombra, hoje estaria rica de verdade. Mas, há coqueiros, chapéu de sol, patas de vaca e algumas outras árvores.
O que chama atenção na minha rua São João de agora é a população que aqui mora. Daquela molecada de cinquenta, sessenta anos atrás, não resta ninguém. A maioria das construções sofreu reformas e o aspecto geral mudou bastante. Ficou com um aspecto mais urbano. E todo mundo que mora aqui tem mais de mais de sessenta, setenta anos. Alguns com mais de oitenta. Todos idosos e aposentados... Em geral cada casa abriga um casal apenas e, em algumas mora apenas uma pessoa. A população envelheceu e muitos já partiram para o céu... Não há crianças na minha rua! Só gente idosa. Então é uma rua silenciosa e muito parada. Aqui no meu pedaço felizmente há uma jovem adolescente, a Bruna. É a única. Que dá um toque primaveril ao local.
Outro detalhe: a Rua está se tornando comercial. Nas cinco quadras pra cima e pra baixo instalaram-se bares, oficinas mecânicas, Sapataria do Zagato (desde outras eras), uma loja de produtos para a Agropecuária, Salões de Cabeleireiras, Pet Shops ou Veterinárias, Clínicas Médicas, Odontológicas, Psicológicas, Escritórios de Advocacia, Empresa de ônibus, Loja de roupas e calçados, além de uma Loja de materiais de construção. Devagarinho está perdendo o aspecto de moradia para se tornar mais comercial.
A Rua São João começa lá no pontilhão para Amandaba e termina na Rua que vai para o Cemitério local. Era considerada a rua mais longa, mas perdeu para a Rafael Pereira que acabou se emendando com a Vicinal para Lavínia.
Durante o dia, enquanto funciona o comércio, não há vaga para estacionar carros. Às vezes, até fico irritada porque tem gente que fecha a saída de minha garagem, impedindo-me de guardar ou sair com o carro, tal é o movimento nessa rua. É que a São João é paralela à rua Nove de Julho, que é totalmente comercial.
A vantagem de se morar nessa rua, entre a Praça Manoel Alves de Ataíde e o Clube Nipo é que dispomos de tudo à mão:  a Igreja, os Bancos, Farmácias, Mercearias, Mercados, Lojas de Calçados, de vestuários, de móveis, as Pernambucanas, os Escritórios e os Cartórios... Tudo pode ser alcançado indo a pé, sem precisar usar o carro. Mesmo porque está difícil achar uma vaga no horário comercial. Acho que hoje há dois carros para cada habitante local....
Mas, o que mais eu sinto é o silêncio nos fins de semana. Tudo quieto e silencioso. Às vezes, um cão que late, um carro que passa. E é só. A rua vazia, completamente vazia de carros e de gentes...
Então, para espantar o silêncio, vou ao piano e dedilho algumas valsas e sonatas. Acho que sou a única barulhenta do pedaço.
Mirandópolis, janeiro de 2019.
kimie oku in


     


quinta-feira, 17 de janeiro de 2019





         Sobre armamento
       
        Toda essa polêmica sobre a flexibilização do armamento me fez lembrar de um fato, que um cidadão me contou.
      Ele era Agente de Segurança de uma Penitenciária e certo dia, foi designado para acompanhar um preso ao velório de sua mãe em outra cidade. Eram apenas ele, o motorista da viatura e o presidiário. A viagem foi tranquila, sem incidentes.
 Mas, ao chegar na rua em que ocorria o velório havia uma multidão aguardando... O dito cujo foi recebido como um herói para o espanto dos seguranças. Todos gritavam para liberá-lo e deixá-lo ficar para o enterro... Não havia autorização para isso. A multidão formou um corredor estreito para a passagem dos visitantes. Enquanto os três adentravam no recinto, os familiares choravam e gritavam... E os dois seguranças temendo pelas próprias vidas e tremendo de fato,  acompanharam o indivíduo para se despedir da mãe. Foi só nesse momento que a multidão se aquietou. Mas, o amigo me disse que nunca havia sentido tanto medo diante de uma turba. Se estava armado? Não! Só portava uma caneta Bic no bolso do uniforme... Agentes não podiam portar arma... Felizmente, tudo terminou bem, devido à natureza do presidiário, que devia ser de paz.
Mas, aí ficou a pergunta? E se a multidão quisesse resgatá-lo? E não o entregassem aos Agentes? O que teria acontecido? E o que os Agentes poderiam fazer?
Quando os Imigrantes japoneses vieram para o Brasil, foram encaminhados para as imensas florestas, que tiveram que derrubar para iniciar a lavoura do café. Como era mata fechada, havia muitas onças e outros bichos perigosos rondando suas taperas à noite. E para garantir a segurança de todos, os chefes compraram armas de fogo, que conservavam guardadas para uma emergência. Com certeza, essas armas foram usadas para espantar os animais ferozes, mas nunca para abater vizinhos ou desconhecidos.
E quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial, em que o Japão era um dos participantes, o Governo de Getúlio Vargas, temendo uma reação dos imigrantes japoneses, mandou confiscar todas essas armas. Meu pai que era um dos líderes numa Colônia de Japoneses em Lavínia, foi com um amigo de casa em casa recolher as armas. Encheram quatro sacos de armamento e levaram-nos a cavalo à Delegacia de Polícia de Lavínia. Se bem que as melhores armas eles enterraram no chão para não serem confiscadas. E para garantir a segurança da Colônia. As demais  armas nunca foram devolvidas... Mesmo com o fim da guerra.
Todos possuíam armas de fogo porque era necessário, mas ninguém as usou para resolver questões, que sempre houve entre os imigrantes e seus patrões brasileiros. As armas eram para sua defesa e de suas famílias. Para nada mais.
Houve sim, uma questão em que japoneses mataram japoneses aqui no Brasil, porque não aceitavam a derrota do Japão na Segunda Guerra. Mas, isso foi ordenado pelo grupo Shindo Renme, que tinha o alto comando lá na Capital e era uma facção criminosa, que aterrorizou os imigrantes, que reconheceram a derrota do Japão. Entre os imigrantes que vieram para trabalhar não houve questões mais sérias envolvendo armamento de fogo.
E essa questão da flexibilização da posse de armas tem um regulamento que deverá ser obedecido.
Em resumo, concluí que a permissão é para o maior de 25 anos, que tenha ocupação lícita e residência fixa, sem antecedentes criminais; com comprovada capacidade psicológica e técnica; e comprove a necessidade efetiva de arma, que é o caso dos Agentes Penitenciários e demais funcionários que atuam na área de segurança. E tudo isso deve ser conferido de cinco em cinco anos.
Para finalizar, acho que todas as pessoas são de paz e ninguém pretende matar ninguém. Quem se sente mais seguro e quer uma arma deverá obedecer ao critério acima, quem não quer não precisa se preocupar.
Nos anos 1930, 40, 50 os imigrantes tinham armas de fogo e não saíram matando por aí. Será que a humanidade mudou tanto?
Será que devo temer o vizinho que possua armas?
Mirandópolis, janeiro de 2019.
kimie oku in

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019





            Juro que não entendo!
       
       Durante a última Campanha eleitoral, o meu Professor de Piano Gustavo Ordine me perguntou: Como foi viver na Ditadura Militar?
       O Gustavo é um jovem que nasceu pós Ditadura e, como gosta de ler sobre a História do Mundo e mais ainda sobre o Brasil estava realmente interessado em saber se, durante a Ditadura que durou 21 anos (de 1964 a 1985) nós os cidadãos comuns havíamos sofrido repressão por parte do Governo, se fomos proibidos de exercer nosso direito de ir e vir e de falar.
       A pergunta me pegou de surpresa e até hoje não consegui respondê-la direito. E hoje já passados alguns meses vou tentar responder, Gustavo.
       Naquela época eu havia passado no primeiro Concurso para o Magistério do Estado de São Paulo. E fui nomeada para trabalhar efetivamente no Grupo Escolar de Tabajara, no Município de Lavínia. Naqueles tempos bravios, só havia rádio e costumávamos ouvir novelas mexicanas (O Direito de Nascer) e o Repórter Esso, que dava as últimas notícias do Brasil e do mundo. E à noitinha era transmitida A Voz do Brasil, que era o noticiário oficial.
       Televisão não havia, e só o vozerio grave dos locutores ao som do Guarani de Carlos Gomes não atraia os nossos jovens ouvidos. Nem sabíamos o que se passava nos bastidores do Governo, por ignorância pura. Nem seria ignorância, seria mais alienação, porque morávamos no sítio e tínhamos poucas informações. No mais, ia à escola cumprir minha tarefa de segunda a sábado, recebia o pagamento no mês seguinte, tinha férias e era só. Nunca alguém me impediu de trabalhar, nem de ir e vir onde quisesse.
       Um dia, um esquadrão da Polícia Federal baixou na casa de um japonês em Lavínia, atrás de um moça universitária. Foi o maior fuzuê, pois estavam atrás de uma terrorista, que diziam ter assaltado Bancos usando fuzis metralhadoras. Foi um imenso choque para a família de granjeiros, que mandara a filha estudar em São Paulo. Mais tarde, soubemos que seria a atual esposa do político José Genoíno, que também era estudante e também participava do grupo de assaltos. Em termos de repressão foi só o que eu soube na época. Mas, ninguém entendeu nada... eu menos ainda.
       Havia sim, canções que foram censuradas como Proibido proibir de  Caetano Veloso; Aquele abraço de Gilberto Gil, que foi escrito no camburão quando foi preso; O bêbado e o equilibrista de Aldir Blanc e João Bosco; Cálice de Chico Buarque e Gilberto Gil; Mosca na sopa de Raul Seixas e Pra não dizer que não falei das flores de Geraldo Vandré que se tornaria o Hino da Resistência ao Regime Militar, e foi por muito tempo proibida de ser entoada pelo Exército Brasileiro.
       A perseguição a esses músicos e cantores aconteceu porque eles inseriam suas críticas ao Regime Militar, com versos para despertar o povo. Assim, “Pai, afasta de mim esse cálice/ pai, afasta de mim esse cálice/ pai, afasta de mim esse cálice/ De vinho tinto de sangue!” a palavra cálice foi interpretada pela sua homófona Cale-se, que o Regime gritava aos poetas e jornalistas que protestavam...
       Raul Seixas que era um crítico sátiro por natureza cantava: “Eu sou a mosca/ Que pousou na sua sopa/ Eu sou a mosca / Que pintou /Pra lhe abusar/ Eu sou a mosca que caiu na sua sopa/ E não adianta vir me dedetizar/ Pois nem o DDT pode assim me exterminar/ Porque você mata uma/ E vem outra em meu lugar!” era pura provocação aos policiais que o perseguiam.
       Elis Regina cantou O bêbado e o equilibrista de Aldir Blanc e João Bosco: ...” Que sonha com a volta do irmão de Henfil/ Com tanta gente que partiu num rabo de foguete/ Chora! A nossa Pátria mãe gentil/ Choram Marias e Clarisses no solo do Brasil!”  Irmão de Henfil, o sociólogo Herbert de Sousa que se exilou no México para fugir da prisão... Maria e Clarisse eram as mulheres do metalúrgico Manoel Fiel Filho e do jornalista Vladimir Herzog torturados e mortos no DOI CODI, São Paulo.
       Mas o que pegou mesmo foi Pra não dizer que não falei das flores ou Caminhando, de Geraldo Vandré: “Há soldados armados/ amados ou não/ quase todos perdidos/ de armas na mão/ Nos quartéis lhes ensinam/ uma antiga lição/ de morrer pela Pátria/ E viver sem razão.”
       Todas essas interpretações ficamos conhecendo bem depois dos acontecimentos, porque nada disso era noticiado. Não havia tevê nos primeiros anos, e o noticiário era publicado em jornais de papel, inacessíveis para a maioria do povo.
Essas canções utilizando metáforas ou não, eram um claro protesto contra os desmandos dos militares que perseguiam os jovens artistas, cantores, poetas e jornalistas... milhares de intelectuais foram presos e exilados. Muitos se mandaram para outros países para fugirem da Repressão. Políticos famosos que aí estão agora no cenário brasileiro tiveram que se refugiar no Chile, nos Estados Unidos, na Argentina, no México, para fugir da perseguição da Polícia Militar do Brasil. Dentre eles, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, José Dirceu e tantos outros que mais tarde foram anistiados com a Abertura política para a Democracia, no final do Governo Militar.
Houve repressão, sim! Só que a maioria das pessoas nem ficou sabendo. Nós estávamos ocupados demais trabalhando, tentando melhorar nossas condições de vida. As revoltas, as críticas à opressão ficaram por conta de intelectuais, jornalistas e políticos que assistiam a tudo e viam o DOPS –Departamento de Ordem Política e Social e o DOI-CODI –Destacamento de Operações de Informação e Centro de Operações de Defesa Interna do Exército cometendo excessos sobre os ditos subversivos (cidadãos que denunciavam os abusos das autoridades). E os militares exerceram sua prepotência com excessivo rigor, escudados numa ordem de punição sem limite jurídico, ético e moral. Mais de seis mil pessoas foram torturadas e 434 civis mortos... Página mais negra de nossa História, após a Escravidão.
Pois bem, nesse período de rigorosa repressão do governo, nossos artistas mais famosos produziram peças lindas como as canções acima citadas, que cantavam a Liberdade e o desejo de ser feliz... Políticos inconformados com a situação de sua Pátria, sendo governada por militares duros e tacanhos se opuseram com vigor contra as medidas do governo Militar. E para fugirem da perseguição e da prisão se auto exilaram em outros países. Como o Chico Buarque, o Gil, o Betinho irmão do Henfil, o FHC, o José Serra, o Dirceu, o Genoíno, o Caetano e tantos outros menos conhecidos.
Quando a tevê se popularizou, Dias Gomes mandou para os lares a novela O Bem Amado, que era uma sátira aos governantes sempre tão poderosos. Paulo Gracindo encarnou bem a figura de Odorico Paraguassu, que celebrizou a expressão “imprensa marronzista” se referindo ao noticiário verdadeiro publicado pelos jornais contrários ao Governo...
Durante os anos duros de Ditadura, os chamados “anos de chumbo” os intelectuais brasileiros criaram peças lindas, canções que ficaram para fazer história. E todos os brasileiros passaram a idolatrar o Chico Buarque, o Caetano, o Henfil, o jornalista Vladimir Herzog, o músico e compositor Geraldo Vandré, a Elis Regina, a Rita Lee... E a paixão por eles foi fortalecida quando foram anistiados. Fizeram carreira, ficaram ricos porque venderam muitos CDs e shows.
Pois bem, mas o que eu não entendo é isso!
Como essa gente que produziu tanta coisa linda, que um dia amamos de verdade pode nos trair e se bandear para o outro lado?
Estavam anistiados, circulando felizes, vendendo a rodo...
Por quê tiveram que meter as mãos nos tesouros da Nação, dilapidando as nossas mais caras Instituições? Por conta do que sofreram na Ditadura se julgaram no direito de roubar a própria Pátria? Nunca tiveram empatia pelo povo, que madruga todos os dias por um mísero salário, e labuta o dia todo para fazer esse país funcionar? Nunca pensaram como é dura a vida de quem depende dos Hospitais Públicos? Hospitais que se transformaram em depósitos de doentes sem tratamento, sem esperança por falta de recursos que foram desviados? Nunca pensaram que a juventude se perderia irremediavelmente sem uma boa escola, sem uma boa Educação? E esses jovens zumbis que vagam pelas ruas sem destino, não são o resultado direto de suas roubalheiras? Que roubaram o que era destinado para melhorar a qualidade de nossas Escolas, de nossa Educação? Que roubaram todo o dinheiro destinado para combater o tráfico de drogas? Vocês beneficiários da Lei Rouanet e vocês políticos corruptos, que se apossaram de milhões e milhões que não lhes pertenciam, não percebem como vocês são mais perdidos que esses zumbis? Por que vocês estudaram nas melhores Escolas, tiveram a glória do sucesso, lutaram contra a opressão e tiveram a chance de dar a volta por cima.
Mas se perderam totalmente e irremediavelmente por uma única razão:
Ganância.
       E isso eu não entendo!
Decididamente não consigo entender...
Mirandópolis, janeiro de 2019.
kimie oku in



terça-feira, 8 de janeiro de 2019




 Casa de Música   
             
             
            Sempre sentia muita tristeza quando via as casas vazias de seus moradores, que haviam partido para sempre...


     Durante muito tempo passei diante da casa da minha primeira Professora de Piano Dona Maria das Dores Kamla Bruzadin, com um misto de tristeza, reverência e saudade. Também diante da casa dos Braga, dos Abud, dos Conrado, dos Bonadio... As pessoas são recolhidas por Deus, mas suas casas continuam aqui na terra, vazias de suas presenças... E para mim, era inevitável pensar nessas pessoas e relembrar seus rostos amigos.
     E tantos amigos já partiram, e deixaram suas moradias recheadas de seus pertences, de suas coisas mais preciosas, porque nada se leva desta vida. Dinheiro, joias, livros, coleções de objetos raros, trajes de luxo, calçados finos acabam empilhados sem que seus donos voltem a usá-los. Só terão serventia se doados a alguém, que possa usufrui-los...
   Um amigo comprou uma casa recentemente, com todos os pertences do antigo morador. Como era Médico, havia uma Biblioteca inteira de livros de Medicina... Ao consultar os herdeiros sobre o que fazer com eles, disseram: “Queime-os!” E ele não teve coragem de fazer isso. Doou-os a um jovem estudante, para que possa aproveitá-los. E havia um carro na garagem também, que ele vendeu porque a família não o queria mais... Não era um carro muito novo mas funcionava perfeitamente. Estou contando isso, porque ele ficou muito indignado com a indiferença da esposa e dos filhos em relação às coisas do falecido. Mas, o pior ainda estava por vir. Como havia muitas fotografias da família, ele pediu para que fossem buscá-las. Mas a resposta foi: “Pode queimá-las!”
     Estranho mundo, onde sentimentos morrem junto com as pessoas que falecem. Enterram junto e se esquecem de tudo que foi vivido, compartilhado, chorado e festejado. Mundo cruel demais.
     Um dia conheci uma amiga de mamãe, dona Maria Ito que faleceu há uns anos. Eu a conheci num Cursinho de Japonês, que um Professor resolveu dar uma vez por semana no Clube Nipo. Éramos em seis mulheres interessadas em aprender a Língua Japonesa. Eu era a mais analfabeta de todas, mas aprendi muito nesse curso. Durou pouco, mas me deu a iniciação para estudar sozinha em casa. Dona Maria era a senhora mais simpática, sempre sorrindo, sempre disposta em me ajudar nas dificuldades, porque eu não entendia absolutamente nada do que o Professor falava. Às vezes, ele contava algo engraçado e todas riam e eu abobada...
     Pois bem, dona Maria morava numa casa grande cercada de flores e era uma mulher feliz. Seu marido havia falecido há um tempo, mas ela continuou na mesma casa, com a mesma alegria de sempre. Era participante ativa de todos os eventos do Clube Nipo. Mas, um dia, ela faleceu...
 E a casa ficou vazia.
    
Seus filhos moram em São Paulo e não quiseram se desfazer da casa. Passaram a alugá-la.
E por um feliz acaso para lá se mudou o Conservatório Musical de Gustavo Ordine. E com ele, lá fui eu tocar piano.
E ontem ao retornar às aulas, percebi que o pé de ixora vermelha está toda florida. ixora que ela deve ter plantado um dia. Já virou quase uma árvore, e está deslumbrante coberta de flores. Não resisti e tirei umas fotos!
Mas, o mais interessante é que a sua casa, dona Maria virou uma casa de Música! Lá tocamos valsas e sonatas ao piano, e canções ao teclado; os meninos tocam guitarra, violão, bateria... Enfim virou a casa do barulho!
Tenho certeza dona Maria que, deve estar encantada porque a sua casa virou uma casa feliz! Uma casa recheada de sons, do, re, mi, fa, sol... de sustenidos de bemóis, de staccatos. Todos os dias, é um desfilar de alunos que querem encher de som seus aposentos... E as canções vão vibrando de sala em sala, e se derramam pelas portas e janelas. E invadem as ruas e deliciam alguns passantes... A felicidade se derramando para alegrar o mundo.
Dona Maria, a sua casa é a única vazia que me deixou feliz!

Mirandópolis, janeiro de 2019.
kimie oku in