terça-feira, 28 de agosto de 2012




4. História de Mirandópolis
dos anos 40/50
 Relato de Elídio Ramires

CAPÍTULO IV – Com a força de seu povo a cidade se reconstrói

Felizmente, tudo passou e a cidade continuou progredindo. Além do Bradesco, outros Bancos já haviam se instalado, como o Banco América do Sul, Banco Noroeste e o Banco Bandeirantes. O comércio se desenvolvia com lojas mais modernas como o Bazar Kosmos, a Casa Ombo e a Casa Motomia, onde se encontravam os produtos mais variáveis. Surgiram também novas alfaiatarias, posto que na época, não se encontrava ternos prontos. Era necessário fazer sob medida, e a preferência era por ternos de linho e de casemira tropical.
O fato mais importante, no final da década de 40,  entretanto foi a primeira eleição para prefeito e vereadores do município em 1947.
Com a destituição de Getúlio em 1945, e a elaboração da Constituição de 1946 pelo Congresso eleito democraticamente, chegou a vez da eleição dos governadores do Estado, prefeitos e vereadores, o que ocorreu no ano seguinte.
 O primeiro Prefeito eleito no município, após a volta da democracia, foi Delmiro Luiz Rigolon, juntamente com a Câmara Municipal composta de 13 vereadores, entre os quais o meu irmão José, que foi reeleito para um segundo mandato em 1951 e em 1954 foi eleito pelos seus pares vice-presidente da Casa.
 No final da década, ou seja, em 1949, o único acontecimento relevante que me lembro, posto que participei da reunião de sua criação,foi a fundação do Clube Atlético Mirandópolis , entidade sócio-esportiva, que funcionou inicialmente junto à Praça Manoel Alves  Athaíde,  posteriormente  transferida para a Rua Floresta, em prédio de dois pavimentos, exclusivamente construído  para esse fim,  por Antonio Ferreira dos Santos e alugado para a entidade. O CAM contou também, de início, com um campo de futebol próprio, chegando a formar um esquadrão de jogadores profissionais, para disputar campeonatos regionais. Acumulando dívidas em razão do ousado voo, foi obrigado a vender o estádio para a Prefeitura, mantendo a partir de então, somente com a  parte social semi-esportiva com a construção , mais tarde, da sede atual, em campanha encabeçada pelo então gerente do Banco Brasileiro de Descontos, Widelson de Faria Lacerda. 
 
     A fase de maior progresso

  Acredito, todavia, que a fase mais expressiva do progresso de Mirandópolis ocorreu na década de 1950. Foi nessa década que aconteceram na cidade os fatos mais relevantes, como a  inauguração da construção da sede  sócio-esportiva do CAM,  da inauguração finalmente, da Igreja- Matriz, após quatro  de construção, e onde passou a ser incrementada anualmente, em setembro, nos sábados e domingos daquele mês, a animada Festa da Primavera, que já vinha sendo realizada sob a direção do Padre Epifânio  Ibanez,com a realização de  leilões em barracas montadas para esse fim, com venda de bebidas, de prendas oferecidas pelas famílias católicas  da cidade, escaladas pelo próprio sacerdote, em Programa impresso distribuído com antecedência à população.
Nessa festas, a diversão dos jovens era circular em volta das barracas, “paquerando” e mandando “correio elegante”, às pretensas namoradas e namorados, ou oferecendo músicas através do serviço de alto–falantes, aos seus pretendidos. Era também a oportunidade  de mandar bilhetes com propostas safadas para garotas  namoradeiras, para um encontro a sós nos cantinhos escuros atrás da igreja.
Enfim, resumindo, e sem entrar em maiores detalhes, vamos relacionar, sem uma certeza abrangente, os acontecimentos relevantes ocorridos na década de 50, destacando, sobretudo, a chegada em 1951, da energia elétrica provinda de usina construída com aproveitamento de queda d’agua do Salto de Itapura pelo industrial Eloy Chaves, substituída poucos anos depois pela energia fornecida Cia. Paulista de Força e Luz, que estava parada em Aguapeí, e que por razões desconhecidas não se interessou em avançar até Mirandópolis e outras cidades à frente.
Talvez impulsionada pela chegada da energia elétrica, foi na década de 50 que Mirandópolis conquistou as mais importantes obras coroando seu progresso com, praticamente, todos os melhoramentos  necessários para uma vida confortável nos setores mais importantes para a convivência humana, como: saúde, educação, assistência social, independência política, judiciária e administrativa, associações de classe e esportivas, imprensa,  urbanização, saneamento básico etc.
No plano da saúde, por exemplo, passou a contar com o Hospital Regional do Estado,com a aquisição pelo Serviço de Medicina Social da Secretaria de Saúde, da Casa de Saúde do Dr. Macoto Ono, além da Casa de Saúde  e Maternidade S.  José,  construída pelo  Dr. Aldo Genovez Giberti, posteriormente vendida  à família Brandi Faria e  Dr.  Jorge Maluly Neto.
A cidade passou a contar também, na década, com vários médicos e dentistas e com um Posto de Saúde do  Estado, inaugurado sob a direção do Dr. Edgar Raimundo da Costa, acontecimento, aliás, que jamais esquecerei, uma vez que estive presente e o Dr. Edgar me brindou com a expedição da carteira de saúde nº 1.
No plano educacional, foram inaugurados nos anos 50 o Ginásio Estadual, a Escola Normal Municipal e a Escola Técnica de Comércio, que representaram grande impulso na formação escolar da juventude mirandopolense, até então, desamparada totalmente de cursos médios, que para famílias de maior poder econômico, eram feitos em outras cidade.
No plano de independência política, judiciária e Administrativa, destaca-se, sobretudo, a elevação de Mirandópolis à categoria de Comarca em 1953, e a solenidade de sua instalação  e posse do primeiro juiz de direito, Dr. Aguinaldo dos Santos e primeiro promotor público, Dr. João José Ramaciotti, com a presença do governador Lucas Nogueira Garcez, e  do Secretário de Justiça, Prof. José  Lourenço Júnior, vários deputados estaduais e federais, além de autoridades locais e pessoas da sociedade.
O fórum nos primeiros anos, funcionou no mesmo prédio em que funcionava a Câmara Municipal até a construção, do prédio da Prefeitura em conjunto com Câmara Municipal e mais tarde, a construção pelo Estado, do atual prédio exclusivo do judiciário.
Além dos clubes esportivos, surgiram também, na época, Associações de Classe como o Rotary Clube, o Lions Clube, a Associação Comercial, o grêmio teatral GATAM, o Clube dos 21, criado pelo professor Júlio Herculano Mazzei, congregando apenas professores, e a imprensa, primeiramente, em fins dos anos 40, com o semanário “O Mirandópolis”, com duração efêmera e posteriormente com a “A Cidade”, do qual fui cofundador e redator-secretário.
Foi na década de 50que se urbanizou também a faixa de terreno situada entre a estação ferroviária e a av. Rafael Pereira. Foi concluída a urbanização do jardim da cidade, brindado mais tarde pela construção do moderno cinema em dois pavimentos, com apartamentos para hotel na parte superior, pelo Jorge Nars, ex-sócio de Assad Abud da Casa S. Jorge.
Apesar de inaugurado no inicio de 1960, foi também nos últimos anos de 1950, que foi implantado na cidade, o mais desejado melhoramento esperado pela população, após a energia elétrica, o serviço de água e esgoto.

Ainda no final dos anos 50, há que destacar-se, em termos de transporte e locomoção, a melhoria das estradas municipais e a construção pelo governo do Estado, embora sem asfaltamento, da rodovia Mal. Rondon, a partir de Bauru, beneficiando todas as cidades da Alta Noroeste até a barranca do Rio Paraná.
Tudo que relatei até aqui, foi o que vivi e vi acontecer em Mirandópolis, em sua evolução, até o ano de 1960. Os demais melhoramentos, inclusive o asfaltamento vieram depois, quando já não morava mais na cidade. (continua na próxima semana)

sábado, 18 de agosto de 2012



3 História de Mirandópolis
dos anos 40/50
 
Relato de Elídio Ramires

      CAPÍTULO III - Nossa vida em Mirandópolis

      Os primeiros anos de vida da minha família em Mirandópolis foram os mais difíceis. Logo que assumiu o funcionamento da Padaria, que se resumia a um pequeno salão, meu pai alugou um salão anexo ampliando o local com a montagem também de um bar. O grande problema logo no inicio, foi a falta de energia para mover o equipamento para fabricar o pão.  Tanto a “masseira” como o “cilindro” tinham que ser movidos manualmente, o que tornava o trabalho cansativo, e o pior, sobrava para meus irmãos mais velhos e até para mim, que apesar de garoto franzino, também ajudava na panificação. Lembro-me que levantava às 4 hs da manhã, para ajudar  para que o pão estivesse pronto às 6 hs, uma vez que era costume, na época, que o pão quente estivesse na casa da freguesia a partir desse horário.
Outro problema no início foi o fraco movimento de venda dos pães. Apesar da padaria desmanchar, no começo da atividade, apenas duas sacas de farinha de trigo, sobrava muito pão, o que obrigava o meu pai a sair a cavalo com dois pequenos balaios, vendendo o pão na zona rural enquanto isso, meu mano mais velho, José, saía, as 4 horas da manhã, com um ajudante, em um carrinho de padeiro,  vendendo o pão nas ruas  e entregando nas casas dos fregueses mensalistas, que geralmente era colocado na janela do domicílio e pago no final do mês.
        No domicílio, a iluminação era feita com pequenos lampiões à querosene, velas ou lanternas a pilhas, que também eram muito utilizadas pela população, para circulação à noite pelas ruas da cidade. Rádio, somente à bateria e com registro na Agência dos Correios, em função da guerra e do regime ditatorial então vigente, que exigia também, o "salvo-conduto" expedido pela polícia para se empreender qualquer  viagem fora da cidade.
 
    A água para utilização da Padaria e no domicílio, como sóe acontecer até hoje em pequenas cidades, que não possuem o Serviço de água encanada, era sacada do poço, através de sarilhos manuais, inclusive para banhos em banheiros improvisados construídos pelos moradores no fundo do quintal, onde eram construídas geralmente pequenas casinhas de madeira em cima de fossa destinadas às necessidades sanitárias. Os moradores de mais posses instalavam  sobre o poço bomba  acionada por motor a gasolina e através de caixa d'água elevada e  encanamentos levavam a água ao domicílio.
     Os anos de 43 e 44, até o fim da 2ª guerra mundial em 1945 também foi um período difícil para a padaria, devido ao racionamento da farinha de trigo e outros produtos de consumo básico, imposto pelo governo Vargas e submetido a cotas, obrigando a padaria, na fabricação de pão, utilizar uma porcentagem de fubá. elaborando, então, o chamado pão mixto, de pouca aceitação pelos consumidores, o que reduziu o faturamento da panificadora. 
     Felizmente, a guerra acabou e a coisa foi melhorando com o tempo e pudemos comprar também  um motor para mover o maquinário. A iluminação continuou a ser, entretanto de lampião de gaz mesmo, o famoso “Petromax”, que era utilizado à noite no salão de vendas da Padaria. É certo  que existia na cidade um gerador de energia instalado pelo seu fundador Manoel Alves de Athaíde, movido por caldeira,  com queima de lenha, mais atendia muito mal, apenas parte da cidade, não chegando até a região da padaria e que deixou de funcionar em 1946. 
       Os negócios da família, apesar de todas as deficiências próprias da pequena cidade nos primeiros anos de seu nascimento, estavam indo bem, quando infelizmente, em 1944, novas dificuldades sobrevieram com o falecimento de meu pai, vítima de um surto de paratifo, doença  infecciosa, que causou a morte de 8 pessoas da cidade, tragédia que sempre  debitei à falta de saneamento urbano, e evidentemente, à assistência precária médica, embora acabasse de ser inaugurada na cidade, uma Casa de Saúde de propriedade do Dr. Macoto Ono, (hoje o Hospital Regional do Estado) onde meu pai esteve  internado, porém sem sucesso.
   Além da perda dolorosa  e sentimental do patriarca da família, com apenas 43 anos de idade, a situação da família economicamente, também se agravou   pelo fato de ter sido , em face do inventário pela existência de herdeiros menores, bloqueada na agência do Banco  Brasileiro de Descontos, então recentemente inaugurada na cidade, a única economia que meu pai possuía, para movimentação dos negócios da Padaria, no valor de dez mil cruzeiros, causando à minha mãe e ao meu irmão mais velho José, com  apenas 20 anos de idade, muitas dificuldades financeiras para tocar o negócio. 
 Mas, os dias passaram, as coisas melhoraram e Mirandópolis progredia rapidamente. Em novembro de 1944, foi    elevado à categoria de Município, se desmembrando de Valparaíso e como vigia a ditadura de Getúlio Vargas, teve como 1º Prefeito, nomeado pelo Interventor do Estado, o senhor João Batista do Amaral, que tomou posse em 1º  de janeiro de 1945, e que não conheci pessoalmente, cujo governo durou apenas 1o meses,  sendo substituído em 7 de novembro de 1945, por Manoel Flausino Correa, também nomeado pelo Interventor da ocasião, que não me lembro se era Fernando Costa ou Adhemar de Barros. Sei apenas que, o Prefeito que sucedeu provisoriamente o senhor Flausino Correa, de 23.04.47a a 31.12.47, Benedito Julindo Abakerlli, era Presidente local do Partido Social Progressista, fundado por Adhemar  e participou da campanha de Adhemar a governador naquele período, sendo sucedido por Delmiro Luiz Rigolon em 01.011948, eleito pelo partido juntamente com Adhemar.
 
           A explosão de 1946 - uma tragédia para a nossa família
 
  Tudo ia muito bem até que, infelizmente, pouco mais de dois anos depois, nova tragédia atingiu  duramente a família. Desta vez não só a família, como toda a cidade de Mirandópolis. 
 
 Foi a grande tragédia, certamente do conhecimento mesmo da atual população de Mirandópolis, da explosão de um vagão  de inflamáveis, (tubos de oxigênio, bananas de dinamite, formicida à base de sulfureto de carbono) por ocasião do  descarregamento, ocorrida no dia 14 de dezembro de 1946, que  destruiu parcialmente a cidade. 
Tal tragédia que vitimou fatalmente um garoto, filho de um funcionário da Estação, e deixou dezenas de feridos, muitos em estado grave, atingidos por destroços do vagão e de sua carga, está muito bem descrito em detalhes no livro “Mirandópolis- sua Evolução no século XX” , escrito por Dr. Alcides Falleiros.
 
Mais uma vez, por obra do destino, economicamente, a maior vítima foi  minha família. A explosão que ocorreu no desvio ferroviário, a cem metros da padaria destruiu totalmente o prédio fronteiriço e a área residencial. Só não ocorreu uma  tragédia maior, com a morte de minha mãe e meus irmãos, porque  a parte residencial era de madeira e em um dos quartos encontravam-se dormindo apenas  meus dois irmãos, ainda crianças, Adelino e Helio, que por milagre, não foram atingidos pala parede de taboas que vergou , em parte, sobre a cama. 
    Eram 21 horas de um sábado. Minha mãe e  meus outros irmãos que ainda moravam na casa, haviam saído. Eu tinha 16 anos e encontrava-me no cinema novo, construído naquele ano pelo sr. João Ferratone, onde a explosão foi sentida como um abalo, rompendo a projeção do filme e assustando os expectadores, que saíram pânico, reunindo atônitos em frente do cinema, se perguntando do que se tratava.
Quando a notícia de que tinha  havido uma  explosão de um vagão da estrada de ferro, saí correndo para minha casa, encontrando pelo caminho muitas pessoas feridas, e fiquei aterrorizado quando constatei que ela estava totalmente destruída e ao mesmo tempo alegre por ter encontrado minha mãe viva e meus irmãos sem nenhum ferimento. Apenas o cavalo que puxava o carrinho de entrega de pão e  que pastava em terreno baldio próximo ao evento, não resistiu aos ferimento recebidos.
 As casas comerciais localizadas na área mais próxima do local onde ocorreu a  explosão ficaram parcialmente destruídas, porém a única casa totalmente  destruída foi a casa da  padaria e a nossa residência nos fundos. Praticamente todas as casas da cidade foram de certa forma danificadas.
Aquela noite, com exceção de meus dois  irmãos menores, que foram dormir na casa de minha irmã Aparecida, em local pouco atingido, passamos desabrigados  cuidando dos pertences que ficaram expostos pela explosão. No dia seguinte, conseguimos alugar uma pequena casa de taboas nas proximidades do CAM, onde moramos por quatro meses, até reconstruir o prédio destruído.
A tragédia foi focalizada por todos os jornais da Capital. Lembro-me que três dias depois da tragédia, quando a cidade ainda exalava o cheiro  forte dos resíduos do material  espalhado pela explosão, acompanhei um repórter do Diário de São Paulo, levando-o aos locais mais atingidos pelo evento e fornecendo-lhe informações, que dispunha e que certamente foram ampliadas também por outras pessoas. 
A reportagem feita pelo jornalista foi  publicada no dia 19, estampando a seguinte manchete: “DESTRUÍDA PARCIALMENTE A CIDADE DE MIRANDÓPOLIS EM CONSEQUÊNCIA DA EXPLOSÃO DE UM VAGÃO DE INFLAMÁVEIS”, descrevendo a  seguir, a tragédia, acompanhada de várias fotografias da destruição, reportagem que guardo até hoje em meu arquivo.
O que mais  me causa indignação até hoje, entretanto, é o fato de saber que a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, responsável por lei pela ocorrência de  tamanha catástrofe, não indenizou nenhum dos proprietários dos imóveis atingidos, pelos prejuízos causados, e tampouco  pelos danos morais  e econômicos dos que foram feridos, bem como dos lucros cessantes cabíveis aos comerciantes, que tiveram seu comércio paralisado, durante a reforma  ou  construção de novo prédio, como foi o caso da Padaria de minha família. 
Apesar da postulação dos prejudicados,  limitou-se a Diretoria da NOB por interferência  pessoal do Engenheiro Dr. Almeida de seu  Departamento Administrativo de Araçatuba, a ceder alguns pedreiros e carpinteiros, para auxiliar nos reparos de alguns imóveis de necessidade mais urgente e a doar a alguns prejudicados, telhas para reparos de telhados.
No caso do prédio de nossa propriedade que foi totalmente destruído, que me lembro, foram doadas penas algumas centenas de telhas de telhas. Nada mais.
Como Mirandópolis ainda  não era Comarca e não contava com nenhum advogado, e como, segundo consta, os advogados de Valparaíso não se interessaram pela questão, tudo   acabou ficando  por isso mesmo. Cada um cuidando de reparar seus  próprios bens e  arcando com os seus  prejuízos, contando apenas com a ajuda da população da cidade, que mais  do que nunca demonstrou o espírito de mútua solidariedade, companheirismo e amizade, unindo-se espontaneamente numa luta laboriosa, para recolocar a cidade em ordem. (continua na próxima semana)

quinta-feira, 16 de agosto de 2012


CAMPANHA ELEITORAL


Estamos em plena campanha eleitoral.
Campanha eleitoral que mais agita a cidade é a das autoridades locais, porque envolve todos os cidadãos, que irão escolher os seus representantes.
A eleição de representantes do povo numa verdadeira Democracia, no início, era feita por escolha em aberto, numa reunião de toda a comunidade, que nomeava oralmente, os mais competentes para dirigi-la.
Daqueles tempos remotos, em que se escolhiam realmente os mais competentes, só restou o processo de eleição, que hoje é feito via máquinas eletrônicas, que podem ser manipuladas, como foi comprovado até dentro do próprio Congresso.
Costuma-se dizer que, a Democracia Representativa é a melhor forma de governo. Eu acredito que já foi a melhor forma, porque hoje a Democracia  está corrompida  e apodrecida irremediavelmente. Virou um sistema que tudo permite, tudo releva, e tudo aceita, alegando que isso é democracia. A começar pela própria campanha. Virou “dá cá, toma lá”, infelizmente.
É preciso com urgência, criar uma forma de campanha saudável, limpa e inteligente. Campanha que não irrite os eleitores e, que seja realmente uma forma de mostrar para todos, os pleiteantes a um cargo público.
Em Mirandópolis, o cidadão Mauri Vieira Alves costuma colocar na calçada, uma tabuleta com os santinhos dos candidatos, de todos os Partidos Políticos, durante o período pré-eleitoral. E após a eleição, ele expõe só os santinhos dos eleitos. Acho formidável essa ação cidadã, que participa do processo político de forma respeitosa e democrática.
Ora, por que não copiar esse modelo? Como? Fácil! É só colocar em lugares estratégicos, telões eletrônicos com as fotos e os nomes e números de todos os candidatos, de todos os Partidos. Todos os candidatos seriam tratados igualmente, sem privilegiar uns mais que outros.
Não haveria necessidade de se gastar com panfletos e santinhos, que só servem para sujar a cidade e entupir bueiros. Além do mais, não se gastaria tanto papel, poupando milhares de árvores da maltratada Mãe-Terra. Seria ecologicamente correto. E todo mundo respiraria melhor.
É claro que os candidatos poderiam ainda percorrer as casas dos amigos, pedindo o voto. Mas, os que já estão engajados na sociedade, prestando serviços voluntários à comunidade nem precisariam fazê-lo. Haveria economia de tempo, de cansaço, de sofrimento da parte dos candidatos, e também dos eleitores, que muitas vezes, não estão a fim de escutar a lengalenga de certos candidatos.
Seria uma forma única de anúncio de candidaturas, que funcionaria durante todo o tempo anterior à eleição. O benefício imediato seria a extinção da poluição nos muros, que só enfeiam a cidade. E não haveria carros de som anunciando tanta bobagem, que chega ao despropósito de endeusar candidatos, até então desconhecidos da comunidade.
Mas, se os telões estiverem fora de cogitação devido aos custos, pode-se adotar os painéis eletrônicos, como os que há no Velório Municipal, anunciando a hora dos féretros.
Daí, o candidato pergunta: “E onde coloco o que já fiz pela comunidade?” Bom, se ele fez algo pela comunidade, esta saberá de alguma forma e retribuirá votando nele, sem que precise ficar “cobrando pela obra”. E então, ele, candidato perceberá que de mãos vazias, ninguém irá escolhê-lo, porque como alguém vai depositar sua confiança em alguém que nunca, jamais se interessou pela comunidade?
Nesses tempos modernos, há que se pensar em outra forma de campanhas eleitorais. Essa forma de pintar os carros, colocar tabuletas nas esquinas que só atrapalham os transeuntes, sujar os muros das casas, distribuir “santinhos” já está ultrapassado. E mais ainda, as pregações sonoras, que ninguém escuta e não servem para nada.
Já está passando da hora de inovar as campanhas eleitorais, porque todo mundo sabe que, tudo que se fez até agora para “dobrar” eleitores é muito chato e inconveniente.
Todos nós estamos enjoados e cansados dessa forma de ser cerceados por “amigos”, que de repente, se tornam gentis e atenciosos só para nos empurrar seus “santinhos”.
Haja PACIÊNCIA!
Gostaria, de verdade, ver algum candidato adotar os painéis eletrônicos, ou outra forma inovadora de propaganda eleitoral, que seja limpa, simples e politicamente correta.
Acho que, todos nós eleitores, merecemos.

Mirandópolis, 13 de agosto de 2012.
Kimie oku in cronicasdekimie.blogspot.com


terça-feira, 14 de agosto de 2012



           2  História de Mirandópolis
dos anos 40/50

           Relato de Elídio Ramires

       CAPÍTULO II - Como era Mirandópolis em 1942

      Quando chegamos de mudança em 42, Mirandópolis, mesmo possuindo uma estação ferroviária desde 36, era ainda uma pequena cidade, carente do mínimo de conforto e condições necessárias para se viver.
        Já contava com uma Agência de Correio e Serviço de Telégrafo na Estação da NOB, que desempenhava função  importante de comunicação, através de telegramas, prática muito  utilizada pelos moradores. Havia um pequeno Cinema e vários estabelecimentos comerciais, como Bares, Armazéns de Secos e Molhados, Açougues, Sorveterias, duas grandes Serrarias e outros ramos de atividades, que garantiam o suprimento básico das necessidades de seu povo, graças aos trens que transportavam as mercadorias necessárias. Mesmo assim, não havia estrutura para uma vida confortável e satisfatória.

      Evidentemente, não era deficiência exclusiva da pequena cidade que nascia. Como todos os Patrimônios recém fundados, era um pequeno vilarejo de ruas nuas e descuidadas, sem calçadas, sem guias de sarjetas, com muita poeira nos dias de sol e muito barro em tempos de chuva.  Não dispunha de energia elétrica e as indústrias funcionavam com a força do vapor-caldeira, e o Cinema e as casas comerciais que dependiam de energia usavam geradores movidos a gasolina ou óleo diesel. Apenas uma pequena parcela das residências dispunha de precária iluminação no período noturno, fornecida por um gerador movido por vapor à lenha, pelo fundador Ataíde, mas que deixou de funcionar em 1946. Não havia nem telefone, nem assistência social.
     Se bem me lembro, quando chegamos, havia apenas a Farmácia do senhor Delfino Silveira Pinto; como médicos Dr. Edgar Raimundo da Costa, Dr. Olímpio de Macedo e o médico dos ferroviários, Dr. Hermes Bruzadin; como Dentistas o Dr. Alcides Falleiros e o Dr. Caio de Macedo. Nenhum Posto Médico ou Hospitalar.
   Os recursos no campo da Saúde se faziam mais prementes, porque na época, na região grassavam muitas moléstias tropicais por causa da densa floresta e por falta de saneamento básico. Doenças como maleita, paratifo, catapora, varicela, ferida brava, a chamada “úlcera de Bauru”, além de picadas de cobras venenosas e doenças de olhos eram muito comuns. O Distrito estava incrustado no meio da selva, e dia e noite respirava-se a fumaça das queimadas das árvores derrubadas, para preparar os terrenos para o plantio. A fumaça causava muita ardência nos olhos.
   O silêncio dos dias, lembro bem, era quebrado pelo barulho incessante dos martelos dos carpinteiros, pregando o madeiramento das construções de tábuas, que estavam surgindo, insufladas pela chegada de novos moradores, principalmente japoneses, que começaram a chegar a partir de 1925, e que constituíam praticamente 40% da população. Os japoneses se dedicavam ao Comércio e à Agricultura, especificamente à criação do bicho-da-seda, cujos casulos eram vendidos a uma filial das Indústrias Matarazzo, que se instalara na cidade, e embarcados para São Paulo pelos trens.  A colônia japonesa, que era muito unida, promovia as principais festas da cidade, especialmente teatrais e esportivas
     As toras de madeira das árvores derrubadas eram trazidas por caminhões apropriados e, depositadas na faixa de terreno entre a ferrovia e a Avenida Internacional, que chamávamos de  Esplanada. Dali, eram embarcadas junto com as madeiras em pranchas, tábuas, vigotas e caibros, produzidos pela Serrarias, em gôndolas especiais da NOB, que ficavam num desvio da linha. Eram despachados para diversos destinos, para São Paulo principalmente. Nessa chamada Esplanada, onde brinquei quando criança e em outros terrenos baldios, era comum ver animais pastando, mas sempre amarrados, face ao perigo dos trens. Um pouco acima dos trilhos, à esquerda da passagem de nível, havia outro desvio e um piquete, onde se colocava o gado, que seria despachado para os frigoríficos da região, para abate.

           O progresso rápido e principais diversões

    A cidade, porém, progredia rapidamente. A cada dia aparecia uma nova casa. Hoje comparando, me faz lembrar o progresso de Marília cognominada “A cidade das mil e uma noites”.  Em 1946, já se instalara na cidade a Rede Telefônica, com aparelhos movidos à bateria, e ligações à manivela, com intervenção de telefonista, pela Companhia Telefônica de Araçatuba, que mesmo precária, funcionou até 1949. A partir daí, vieram os telefones automáticos pela companhia Telefônica de São José do Rio Preto, que conforme foi comentado, foi uma das instalações pioneiras no país.


     Ainda na década de 40, mesmo sem energia elétrica, a cidade crescia em todos os setores. O grande foco desse progresso era a linha férrea, única forma de comunicação e ligação com os núcleos vizinhos e o resto do país. Por isso, a principal diversão aos domingos era passear na plataforma da Estação. Outra diversão era assistir filmes no cinema, com energia gerada por motor a gasolina, que muitas vezes enguiçava, e deixava o filme pela metade. Parques e circos apareciam com freqüência, e suas tendas eram armadas no espaço ocupado hoje, pela praça principal da cidade.
      Quanto a diversões, a situação melhorou com a construção pelo senhor Ferratone de um novo Cinema, com aparelhos mais modernos, palco para apresentação de shows e teatro; e com a instalação do Serviço de Alto Falante Marajá, tendo como locutor o senhor Décio Quírico, que animava o quarteirão da Rua do Comércio, em frente ao Cinema, com as melhores músicas nacionais da época. As músicas eram gravadas em pequenos discos de acetato pelos cantores em evidência, como Dalva de Oliveira, Nelson Gonçalves, Carlos Galhardo, Sílvio Caldas, Orlando silva, Luiz Gonzaga, Ângela Maria, Ivon Cury e outros. Na rua diante do cinema, se instalou o “footing” dos jovens da cidade – os moços bem vestidos de paletó e gravata, como era costume na época, apesar do calor, ficavam  plantados nas laterais da rua, flertando as moças, que desfilavam pelo centro. Geralmente era ali que se iniciava um namoro, que muitas vezes acabava em casamento.
      Outra forma de distração era ouvir durante a semana, novelas transmitidas pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro. E aos domingos, os programas mais famosos eram do cantor Francisco Alves ás 12 horas em ponto, à tarde era “A Hora do Pato”, com o apresentador Jorge Cury, e à noite “Balança, mas não cai”, com destaque para o quadro “ Primo Rico” com Paulo Gracindo e Brandão Filho. Também tinham boa audiência os programas dos animadores César de Alencar e Chacrinha. As cantoras mais famosas, pela rivalidade estabelecida, eram Emilinha Borba e Marlene, que apresentavam muitos shows musicais através do rádio. 
  O noticiário mais ouvido era o “Repórter Esso”, também pela Rádio Nacional, apresentado por Heron Domingues, que se gabava de nunca ter cometido um erro durante as locuções, que duravam apenas cinco minutos, e que dizia ser o “Primeiro a dar as Últimas”. 
 Havia também os jogos de futebol, para os apreciadores desse esporte, e o campo situava-se onde hoje está instalada a Cadeia Pública da cidade. As festas promovidas pela Colônia Japonesa aconteciam em campo especial de sua sede, que possuía próximo ao Hospital das Clínicas. Essas festas duravam o dia todo, e as pessoas que assistiam acomodavam-se em barracas improvisadas, onde faziam suas refeições assistindo às partidas de beisebol ou competições esportivas.

Os meios de Transporte

A opção de transporte, que se limitava à Estrada de ferro e às precárias estradas municipais e vicinais passou, entretanto, a contar a partir de 1947, com um Aero Clube e um Campo de Aviação. Foi construído pelo empresário Belmiro de Jesus, Presidente da Empresa Jesus S/A, que possuía a maior Serraria, e necessitava de transporte rápido para Presidente Prudente, sede da empresa. O Aero Clube chegou a manter uma Escola de Pilotagem, e era usado pelos moradores em situações de emergência, como ocorreu com o José, meu irmão - fretou o avião do piloto Edgar Vilela, para buscar no Instituto Pasteur, em São Paulo, vacina anti-rábica, para outro irmão que havia sido mordido por um cachorro com hidrofobia.
A locomoção para lugares mais distantes dentro do Distrito, assim como para embarque e desembarque dos trens, apesar de haver dois ou três automóveis de aluguel, se fazia de longa data através de charretes, com ponto na própria estação e em mais dois ou três locais, na Avenida Internacional.
Os moradores da zona rural geralmente vinham para a cidade aos sábados, em carroças ou a cavalo, que amarravam diante dos estabelecimentos, em que faziam as compras dos produtos básicos para o consumo da semana. Os sábados eram os dias mais movimentados no comércio da cidade, que vivia seus melhores dias nas safras agrícolas, uma vez que  a agricultura era o único meio gerador de riqueza.
O transporte para outros pontos do Distrito era feito por jardineiras, veículo tipo bonde, com bancos inteiriços e laterais abertas,nas quais os passageiros aproveitavam para levar suas compras. Para viajar para as cidades vizinhas havia ônibus melhores, mas as estradas continuavam muito precárias. (continua na próxima semana)

sexta-feira, 10 de agosto de 2012



            As Primaveras da Vida

      Agora que estamos no meio do Inverno brasileiro, percebemos quantas árvores estão desfolhadas, com aparência de mortas, apresentando imagens tristes de figuras esqueléticas.
         As árvores, porém, irão renascer quando vier a Primavera, e se cobrirão de folhas verdes e flores coloridas.
         Nós temos o costume de comparar a nossa vida com as estações do ano: Primavera significando a infância até a juventude, Verão significando a formação completa e o amadurecimento, Outono como um tempo de produção e de trabalho, e Inverno como o ocaso da vida.
 Sendo assim, é como se na Primavera da nossa vida, o botão se formasse e florescesse, no Verão preparasse os frutos, no Outono sazonasse os frutos e formasse sementes, para garantir o futuro da espécie, e no Inverno se despojasse dos galhos e folhas secas, para recomeçar tudo de novo.
 Entretanto, não é assim. Isso só ocorre com as árvores. As árvores de beira de estrada, no meio das pastagens, nos pomares, nas matas, que ainda sobreviveram à ganância do homem, se transmudam conforme o tempo vai passando: todas elas, independente de nossa vontade, sentem as mudanças que o tempo impõe, ou seja, despindo-se totalmente, rebrotando com folhas verdes, cobrindo-se de lindas e perfumadas flores, apresentando frutos e sementes... e ... voltando ao novo ciclo.
         Os animais e os humanos não procedem assim. Quando o inverno chega é o fim da vida, e não há retorno. O ciclo não se repete. E é uma pena. Para nós, diferentemente das árvores, a Primavera é só uma vez, assim como o Verão, o Outono e o Inverno. Quem está no ocaso da vida, não terá a Primavera de volta. Não há outra chance de rebrotar, de renascer, de florescer, e de frutificar.
É certo que a nossa Primavera tem longa duração: é a fase que vai do instante que, nascemos como seres totalmente dependentes e incapazes, e descobrimos aos poucos a utilidade das pernas, dos braços e do próprio corpo, até sermos capazes de nos conduzir sozinhos.
O Verão já é o tempo da adolescência, da formação, do amadurecimento, da aprendizagem para sobreviver.
O Outono é mais longo. É o tempo de produção, de trabalho,  de cuidar da prole.
E o Inverno que, deveria ser uma preparação para recomeçar o ciclo, para nós é apenas uma preparação para encerrar o ciclo, para sempre.
Então, quando vejo árvores secas e esqueléticas penso sempre em nós, seres humanos, que ao chegar nessa fase só vai perdendo a vitalidade, até fechar o ciclo. E penso: Como seria se a gente tivesse a oportunidade de repetir as primaveras, os verões e os outonos?
É certo que os animais e os humanos têm a capacidade de procriar várias vezes, de viver uma boa fase de produção, mas a Primavera só dura uma vez, assim como as outras estações.
Que felicidade seria se, ao chegar ao Outono da vida, a gente pudesse retornar à juventude! Sonho de tantas gerações, que já provocou a busca incessante da fonte da juventude, que nunca se concretizou.
Há árvores seculares, que já viram tantas transformações ocorrerem ao seu redor, e continuam firmes, presas ao chão, repetindo, repetindo as mudanças que o tempo impõe: desfolhando-se, rebrotando em galhos e folhas verdíssimas, florindo e alegrando  os insetos e enfeitando o lugar, frutificando para saciar a fome dos bichos e dos homens e novamente, se descobrindo da cobertura verde.
Por outro lado, as árvores podem até se cansar de existência tão interminável, como as existências de seres que pensam no absurdo da vida. Essa questão foi profundamente estudada, pelo moderno pensador francês Jean Paul Sartre (1905/1980).
Sartre levantou a questão da existência inconsciente, em que os seres vivem por viver, sem nenhuma consciência de seu próprio EU nesse mundo, sem nunca atinar com o significado de viver. E propôs que, o pensar é que torna o homem consciente de sua existência. Quem não pensa não tem consciência de seu existir. É como as árvores que repetem os ciclos interminavelmente, por séculos e séculos. Ele considerava a existência de uma árvore gratuita e absurda, sem lógica.
Esse sentimento doentio sobre a Existência foi dissecado dolorosamente em A Náusea, em que o pensador ateu coloca todo o pessimismo diante da vida, considerando-a absurda, sem sentido.
Com ou sem razão, o certo é que suas idéias agitaram os meios filosóficos e, provocaram mais questionamentos sobre o significado da vida, em todo o mundo.
E sem querer, vendo as árvores se vestindo deslumbrantemente outra vez de flores, vem à minha mente, o desejo inconsciente de querer retornar à Primavera.
O que não deixa de ser um desejo absurdo, para quem já chegou à última estação.

Mirandópolis, 10 de agosto de 2012.
kimie oku in “cronicasdekimie.blogspot.com”

terça-feira, 7 de agosto de 2012




               História de Mirandópolis
dos anos 40/50

        Há um tempo atrás, fiz contatos com alguns ex- moradores de nossa cidade, ao empreender uma pesquisa a respeito de “Uma foto histórica de Mirandópolis”, cuja crônica publiquei em maio deste ano no Diário de Fato.
        O propósito da pesquisa era descobrir quem era quem na foto  e no final constatei ter sido tirada em 1950, na despedida do Professor Júlio Mazzei, que mais tarde seria famoso como Treinador do Palmeiras e do Santos Futebol Clube. Sua passagem por Mirandópolis foi como Professor de Educação Física, do antigo Ginásio.
      Conversando com o senhor Hélio Ramirez, de Pirapozinho obtive informações preciosas, que publiquei. E conversando com o seu irmão Elídio Ramires de 81 anos, de Valinhos, percebi que tinha muitas lembranças de como era Mirandópolis daqueles tempos heróicos.  Solicitei, pois, ao senhor Elídio que, fizesse um relato pessoal de tudo que vivenciou na época.
     E recentemente, recebi esse Relato, que considero de grande valor histórico, pois nele há detalhes que a maioria da população desconhece, e que merecem ser preservadas para as gerações futuras. Com a anuência do seu Elídio resolvi publicá-lo, mas como é muito extenso, vou fazê-lo em capítulos.
                Mirandópolis, agosto de 2012.    Kimie oku
        A seguir, então, o Relato.


              Relato de Elídio Ramires


        Capítulo I – Saudades de Mirandópolis

    Tenho muitas saudades de Mirandópolis, onde vivi parte de minha infância e minha juventude. Onde moldei a minha personalidade, convivendo com os melhores amigos, com pessoas honestas e trabalhadoras e participando durante os 18 anos de minha vida na cidade, de intensa atividade social e no desempenho de diversos cargos em entidades e agremiações, por puro idealismo e solidariedade ao seu povo acolhedor e amigo.
      Lembro-me, como se fosse hoje do dia 2 de setembro de 1942, em que aportamos em Mirandópolis com minha família, meus pais e mais 9 irmãos, vindos do pequeno município de Paraíso, perto de Catanduva, onde nasci, e onde tínhamos uma pequena chácara. Eu tinha na época, 11 anos de idade e estava no 4º ano primário, que terminei em Mirandópolis no recém inaugurado Grupo Escolar, construído a expensas do povo.

      
        Mirandópolis, uma escolha por acaso


  Atraído pela fama que corria sobre o progresso e o desenvolvimento, que estava ocorrendo na zona oeste do Estado, em função do avanço da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, rumo a Mato Grosso, meu pai, no afã  de conseguir meios seguros, para o futuro da família e trabalho para todos, em viagem que empreendeu à Região da Alta Noroeste, visitando Vários lugarejos, desembarcou em Mirandópolis, por ter sido informado que na cidade  existia uma padaria à venda, que era exatamente o que estava procurando. O estabelecimento era do senhor Antonio Cruz Sobrinho, uma pequena Padaria já em funcionamento, situada na Avenida Internacional, depois denominada Avenida Rafael Pereira, em homenagem ao pracinha mirandopolense, morto na 2ª Guerra, na Itália.
Meu pai batizou a Padaria de São João e, segundo consta, existe até hoje, mas com o nome de Padaria do Antonio.
       O nome Mirandópolis do então pequeno lugarejo, ainda Distrito de Araçatuba, criado em 1937, segundo histórico da cidade, foi dado pela Diretoria da Estrada de Ferro, quando foi inaugurada a Estação em 1936, em homenagem ao Senador Rodolfo Miranda, então colonizador e proprietário por posse concedida pelo Governo do Estado, de extensa gleba de terras na região.

      Lances de uma mudança rumo ao sertão

    Nossa mudança foi uma jornada de aventura para o desconhecido, com muito cansaço e desconforto. Com todos empoleirados, inclusive o padeiro, meu cunhado, em cima das tralhas de mudança na carroceria de um velho caminhão pertencente a um tio, pousamos em Penápolis e amanhecemos em Araçatuba, onde fizemos um lanche. A partir daí, enfrentamos as piores estradas municipais, esburacadas e cheias de curvas, subidas e descidas, que pareciam trilhas, cercadas em todo o trajeto de mata virgem, até chegarmos a Mirandópolis, na tarde do 2º dia.
        O vilarejo na época, mesmo com Estação Ferroviária desde 1936, e já Distrito de Valparaíso, era a configuração típica de uma cidade no meio da selva. A conotação parece exagerada, mas não é minha. O escritor norte-americano Desmond Hodridge num artigo publicado em “Seleções Biográficas” da Revista “Readers Digest”, ao descrever o nascimento de Andradina, que intitulou de ANDRADINA, A CIDADE NA SELVA, escreveu: “Um pequeno grupo de homens plantou uma cruz de madeira na terra vermelha e fecunda de uma clareira, numa das vastas florestas do Brasil e ali ficou de pé, em atitude reverente, enquanto um padre  invocava as bênçãos de Deus, para a Colônia que acabava de ser fundada. Porque aquele empreendimento fora o sonho  de um homem chamado Antonio J. de Moura Andrade, o lugar recebeu o nome de ANDRADINA”
A cena certamente parece ficção da imaginação do escritor, mas a história é verdadeira, e tem muito a ver com as demais cidades que nasceram na região, como Mirandópolis. Manoel Alves de Ataíde, seu fundador também ergueu uma cruz de madeira, em frente à pequena capela de tábuas, que construiu no terreno que adquirira, com o mesmo sonho de Moura Andrade, batizando-o     de “PATRIMÕNIO SÃO JOÃO DA SAUDADE”. Igrejinha, aliás, que freqüentei quando menino, antes da construção da atual Igreja- Matriz.
Sobre a região, escreveu ainda o escritor no mesmo artigo: “Aquelas terras do interior do Estado de São Paulo eram verdadeiro mar de vegetação hostil e ininterrupta, há poucos anos. Por mais de cem quilômetros em torno da cruz ali erguida, havia menos de mil seres humanos. A Estrada de Ferro Noroeste do Brasil atravessava o verde da selva, sem uma só parada”.

O Desbravamento das Cidades na Selva

De fato, a epopéia do desbravamento do sertão da zona noroeste do Estado não foi ficção. A História de Mirandópolis se escreve com as mesmas tintas fortes e arrojadas com que se escreveram as páginas da história da implantação de tantos outros núcleos de colonização desta região, nas quais se sobressaíram a coragem e a tenacidade de pioneiros denodados como Moura Andrade e Manoel Ataíde e seus abnegados companheiros. Estiveram expostos aos animais selvagens, incluindo onças, e peçonhentos de toda espécie, mas abriram clareiras na densa floresta para fundar as cidades de seus sonhos.
Muitos mirandopolenses que chegaram  à pequena cidade  a partir de 1940, por certo devem se lembrar com emoção como eu, dos primeiros  passos na conquista  deste solo, das dificuldades vencidas,  do trabalho estafante, da luta incessante de um povo laborioso na busca de um futuro melhor. ( continua na próxima semana)