domingo, 24 de abril de 2022

Macaco também cai da árvore

猿も木から落ちる

Saru mo ki kara ochiru

Ultimamente tenho assistido a tantas reviravoltas na vida das pessoas, que esse pequeno provérbio não me sai da cabeça...

Macaco é um dos bichos mais ágeis que existem. Ele tem a habilidade de trepar em árvores, descer delas, saltar de uma árvore a outra, balançar nos cipós sem perder o equilíbrio.

Assim como o macaco, há gente habilidosa que consegue se manter no prumo, mesmo que a corda da vida esteja bamba. Essa gente pula de um galho a outro, balança aqui e acolá, mas vai levando a vida no luxo para enganar olhos alheios...

E todo mundo fica encantado com o sucesso dele.

Mas... Um dia, um descuido, uma distração faz o corpo se desequilibrar e paft! Chão! Igualmente ao macaco que brincando, brincando leva tombos inesperados por confiar demais em suas habilidades.

Macaco cai ao chão, mas se levanta e salta de novo e de novo.  E o homem? Pode saltar, saltar, mas se não tiver uma boa estrutura não terá mais chão...

E a vida poderá se tornar um tormento...

Mirandópolis, abril de 2022.

kimie oku in

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quarta-feira, 20 de abril de 2022

 

Noguchi Hiideyo

 

Maneta! Aleijado!

Assim era recebido um garoto na Escola, todos os dias. Riam dele e o humilhavam como se tivesse culpa da sua deficiência... Eram os anos 1880 e já havia bullying no Japão.

Quando tinha apenas um ano e meio, Noguchi Hideyo caiu no braseiro de aquecimento que havia no meio da sala, e teve uma queimadura, que o deixaria aleijado da mão esquerda. Esse acidente ocorreu quando sua mãe estava trabalhando na roça perto de casa. Havia deixado o bebê na sala aquecida pelo fogareiro...

 Ao frequentar a escola primária, foi alvo de perseguição e humilhação por causa da mão preta e defeituosa que possuía. Apelidaram-no de Maneta e Aleijado.  Por isso começou a ficar triste e solitário. Sua mãe percebeu que ele estava ficando arisco, e o aconselhou a estudar bastante, para vencer os meninos que o perseguiam. E todos os dias o incentiva mais e mais.

Noguchi nasceu num vilarejo bem pobre da Província de Fukushima, Japão em 1876. Sua família era mais pobre que pobres, com a situação agravada pelo pai viciado em bebida alcoólica. Sua mãe é que dava duro, todos os dias nas roças dos vizinhos, para pôr a comida na mesa.

 Noguchi estudou tanto que se tornou o melhor aluno da classe, e passou a ser o Monitor de seus colegas, por ordem dos Mestres. Um Professor em especial ficou impressionado com o empenho do menino, e resolveu investir em sua educação. Patrocinou o prosseguimento dos estudos equivalentes ao Ginásio, porque a mãe não podia pagar as mensalidades, e nem comprar o material escolar.

Para ir a essa escola, tinha que andar 12 quilômetros diariamente, mas nunca faltou, mesmo em dias de nevasca...  Tinha apenas doze anos de idade. Um dia, ele escreveu uma redação, em que revelou o desejo de pegar uma faca e soltar cada um dos dedos da mão aleijada, para torná-la funcional, pois não podia segurar nada com ela. Com o acidente no braseiro, seu polegar estava grudado no pulso e, os demais dedos grudados na palma da mão. Todos os Professores que leram a redação ficaram bastante comovidos, e resolveram proporcionar-lhe uma cirurgia. Para isso, fizeram uma campanha na escola e na comunidade, e com a ajuda de todos foi feita a operação. Quando Noguchi conseguiu pegar um objeto com essa mão, chorou. E tomou uma decisão: Seria Médico. Para ajudar pessoas como ele que precisavam de cuidados.

Para conseguir esse objetivo, apelou para os Professores que o encaminharam a um Hospital, onde aprendeu o ofício vendo os procedimentos dos médicos e enfermeiros, e estudando como autodidata em livros de Medicina. Ao mesmo tempo, estudou com afinco a Língua Inglesa e a Alemã, além do Chinês. Naquela época não havia  Escolas de Medicina, aprendia-se na prática em hospitais.

Ao se formar, tentou cuidar de pacientes, mas estes não gostavam de ser tocados pela mão defeituosa do médico... Então, resolveu ser um pesquisador, para descobrir as causas das doenças. E foi designado para trabalhar no Centro de Pesquisas de Doenças Transmissíveis de Tóquio. Ali, conheceu o Professor Emérito James Thomas Flexner da Faculdade John Hopkins, dos Estados Unidos. Este ficou fascinado com os conhecimentos de Noguchi, e lhe recomendou que o procurasse quando fosse aos Estados Unidos.

A peste bubônica estava matando pessoas na China, e Noguchi foi designado para participar da Comissão de Médicos de vários países para deter a doença. Noguchi foi e realizou um bom trabalho. Ao retornar ao Japão, resolveu ir aos Estados Unidos para se dedicar às pesquisas. E lá, junto com o Professor Flexner pesquisou sobre venenos de cobras. Como era minucioso e muito dedicado, fez anotações que organizou numa tese que publicou. Sua tese sobre Venenos de Cobras deixou admirada a comunidade científica, e o nome de Noguchi Hideyo ficou conhecido em todo o mundo.

Quando o Professor Flexner foi designado para atuar como Diretor do famoso Rockfeller Center de Pesquisas, levou Noguchi consigo. Mas, antes o mandou para Dinamarca aperfeiçoar os estudos. E lá na Europa, ficou conhecido pelas palestras sobre venenos de cobras, que proferiu em vários países.

 Ao voltar para os Estados Unidos, pesquisou e separou a bactéria causadora da Sífilis, doença sexualmente transmissível, que matava muita gente na época. Com a descoberta da bactéria, foi possível organizar os procedimentos para prevenção e tratamento da sífilis.

Noguchi casou-se com americana Mary Loretta Dardis, que o apoiou totalmente em sua dedicação às pesquisas.

Após quinze anos ausente, ao receber uma foto da velha mãe, que implorava a sua volta, retornou ao Japão. E nessa visita, ele conseguiu demonstrar todo o amor filial que sentia pela genitora, que acreditara na sua inteligência e capacidade. Recebeu homenagens no vilarejo onde nascera e até do próprio Imperador. Foram homenagens para o famoso cientista, mas todos os convidados ficaram tocados pelo  carinho que ele tinha pela velha mãe.

Mas, a sua vida de pesquisador o levaria a várias partes do mundo, indo para o Equador onde conseguiu separar o agente causador da Febre Amarela, que estava dizimando populações inteiras de equatorianos. Após separar o agente causador da doença, a vacina era preparada no Rockfeller Center para controlar as epidemias. Depois, seria encaminhado para Merida no México, onde grassava a febre amarela. Por essa mesma razão, iria para o Peru, para a Bahia no Brasil. E em todos esses lugares por onde passou, conseguiu salvar a vida de milhares de pacientes atacados pela febre amarela. Esteve no Rio de Janeiro onde conheceu o nosso famoso  Dr. Osvaldo Cruz, que pesquisou sobre a malária e a febre amarela.

Por tudo isso, Noguchi recebeu as mais altas condecorações dos países por onde passou, e de outros países como a França, que lhe concedeu a Legião de Honra, a Espanha e a Suécia. O Japão lhe concedeu a Honra ao Mérito da Ordem do Sol Nascente.

Mas, a sua carreira de pesquisador de bactérias ainda o levaria para a África, onde havia uma modalidade mais violenta de febre amarela. Ali, ele se empenhou em separar o agente patogênico, que matava milhares de africanos todos os dias. E após duro combate, varando noites e dias, após cinco meses de trabalho fatigante conseguiu separar o vírus. Mas, com o corpo enfraquecido e maltratado pelas noites mal dormidas, e pelo calor sufocante da África, acabou contraindo essa terrível doença, que o mataria a caminho de Nova Iorque, para onde estava levando o causador da doença.  Tinha apenas 52 anos de idade...

Sua morte causou uma grande consternação no mundo científico, e muitas homenagens foram feitas. Foi velado no Rockfeller Center e enterrado no Cemitério de Woodlawn em Nova Iorque, como Benfeitor da Humanidade.

Além de ser o descobridor dos agentes causadores da Sífilis e da Febre Amarela, suas pesquisas contribuíram muito para deter essas doenças pela fabricação das vacinas. Também foram de muita importância suas pesquisas sobre venenos de cobras e sobre Tracoma, doença que atacava os olhos.

Em várias partes do mundo há hospitais e Centros de Pesquisas que levam o seu nome, tal a importância que teve para o progresso da Medicina. Em Ueno, Japão e em Gana na África há estátuas para eternizar o seu nome, e a casa onde Noguchi nasceu em Fukushima foi transformada em Museu. As homenagens foram justas porque em nome da ciência, ele dedicou totalmente a sua vida às pesquisas para vencer doenças. E foi vítima de uma das mais terríveis. Podemos até dizer que viveu e deu a vida pela Febre Amarela.

Observação: Pesquisei e escrevi esta história, atendendo a uma solicitação do amigo Dr. João Ohashi de Campinas, cujo pai venerava o Dr. Noguchi, porque era de Fukushima também..

Mirandópolis, dezembro de 2014.

Revisto em abril de 2022.

kimie oku in


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domingo, 10 de abril de 2022

80 anos!

Sou totalmente idosa!

Não tem como negar.

Tem gente que já me chama de batian...

E me sinto uma batian gasta e cansada.

Não tenho mais aquela força e coragem de antes.

Caminhar me cansa, mas caminho todos os dias.

Fazer alongamento me cansa, mas me alongo todos os dias.

Cozinhar me cansa, mas cozinho todos os dias.

Fazer compras me cansa, mas vou às compras.

Ir pro sítio me cansa, mas vou lá três vezes por semana.

E capino um pouco, mesmo me cansando deveras...

Cuidar das plantas me cansa, mas cuido delas sempre.

Irrigar minhas flores me cansa, mas as molho sem falta.

Consertar roupas não me cansa.

Tricotar e crochetar não me cansa.

Estudar japonês não me cansa.

Tocar piano não me cansa.

Cirandar não me cansa.

Telefonar não me cansa.

Ouvir música não me cansa.

Conversar com os amigos não me cansa.

Pesquisar sobre a História do Japão não me cansa.

Ler livros japoneses não me cansa.

Escrever crônicas não me cansa.

Assistir a documentários não me cansa.

Então 50% me cansa e 50% não me cansa.

Assim, vou me equilibrando na corda bamba.

Vivendo de teimosa.

E viva a Vida!

Mirandópolis, abril de 2022.

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sexta-feira, 8 de abril de 2022


Taça de saquê.

Homenagem do Império Japonês

aos primeiros cem imigrantes,

que vieram ao Brasil

e aqui laboraram como japoneses.

A figura no centro é o Selo Nacional do Japão.

Essa homenagem aconteceu em 1958, para comemorar o

Cinquentenário da Imigração japonesa.

Meu pai Jitsutaro Osaki foi um doshomenageados.

Mirandópolis, abril de 2022.

kimie oku in

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Provérbios

 “Sangue é mais denso que água”

Vertido para o japonês é: 血は水より濃い

É um dito popular mais profundo do que uma simples comparação. A referência é a família. Significa que os laços de sangue são mais fortes ao se comparar os membros de uma sociedade. É porque a família é a célula inicial do indivíduo ao nascer, e tem uma ligação profunda com ela. Mesmo entre os demais seres podemos notar a ligação que existe entre pais e filhos. Entre cães, entre gatos, entre galinhas... A mãe e o pai defendem a prole.

Nos seres humanos, percebem-se claramente os laços de afetividade que se desenvolvem ao longo do tempo. Mesmo os avós idosos e muitas vezes já sem boa memória, são amados pelos netos. É o sangue, essa torrente que passa de geração a geração que estabelece essa ligação.

Até os tempos atuais, as famílias têm mantido esse padrão. Os pais socorrem os filhos, e estes a eles nas horas de dificuldades. E isso é mais que justo porque os filhos foram cuidados ao nascerem até se tornarem adultos. E no limiar da vida, quando os pais já estão alquebrados com o peso dos anos, os filhos retribuem os cuidados recebidos, para que tenham um final digno. Bem, existem exceções lamentáveis nos dias de hoje...

Mas, pela lógica em geral as famílias priorizam seus membros numa situação de emergência. Porque o DNA fala mais alto. Não tem como negar. A família é o apoio, a segurança e a reserva com que se pode contar em momentos críticos.

“Estranho que mora perto que um parente distante”

Vertido para o japonês遠い親戚より他人

Família é fundamental, mas quando ela mora longe, os vizinhos é que servem de apoio. Normalmente, nos momentos críticos, os vizinhos é que socorrem uns e outros. Daí, esse ditado: Estranho que mora perto do que um parente distante. Vizinhos sabem mais dos problemas que os afligem, do que seus parentes distantes. Mesmo com o avanço dos meios de comunicação, muita coisa não é comunicada aos pais, aos filhos e outros parentes que moram longe. Mas, aos vizinhos, sim.

Então, um vizinho que não tem laço de sangue, que está ali ao alcance de um grito é que presta o socorro necessário em situações de emergência.

Concluindo: O sangue é mais denso que a água, mas um estranho próximo é mais útil que um parente distante. Então, procuremos viver em harmonia com os vizinhos. Porque viver não é fácil. Todos os dias, um desafio.

E a gente leva melhor a vida quando aprendemos a respeitar a todos. Parentes ou não.

Porque consanguinidade fala alto, mas amizade é fundamental.

Mirandópolis, maio de 2021.

kimie oku in

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sábado, 2 de abril de 2022

 


Miyamoto Musashi


No Sengoku Jidai (Era de Guerras internas do Japão de 1467 a 1615) ser samurai era a meta de todos os homens. Por cento e cinquenta anos, os japoneses pelejaram em guerras com seus vizinhos, irmãos e pais para aumentar suas propriedades. Quem era fraco perdia tudo e se tornava vassalo do usurpador. Isso ocorria também na Europa. Época do Feudalismo, onde os poderosos Suseranos é que mandavam. Cada Feudo tinha um Castelo fortificado por um exército de guerreiros. No Japão, os guerreiros eram os samurais ou espadachins, que saiam decepando a cabeça dos inimigos.

Neste cenário, há mais de 500 anos um jovem chamado Bennosuke voltava de uma pescaria com amigos, e se deparou com um cartaz. Bennosuke parou e leu. Um espadachim chamado Arima Kihei procurava adversários para medir forças... E o jovem resolveu enfrentá-lo. Os companheiros ficaram assustados. Mas, ele assinou a tabuleta aceitando o desafio. Era uma temeridade! Um menino de apenas treze anos lutar contra um adulto!

Bennosuke perdera a mãe ao nascer e fora criado pela madrasta, que preocupada com o seu futuro, o confiou aos cuidados de um parente o Monge Takuan para educá-lo. O garoto morava num Monastério. E lá enquanto rezava os Sutras, aprendeu a ler e a escrever. Quando o Monge soube do desafio ficou muito bravo. Foi ao local da contenda para pedir desculpas ao desafiante, e evitar o combate. Bennosuke, porém pulou na arena e com uma vara disse que aceitava o combate. O desafiante Arima achou graça, debochando dele. E partiu pro ataque com a espada na mão. Mas antes que ele pudesse descê-la, Bennosuke torceu-lhe a mão. E a espada caiu, assim como o portador dela. O garoto tinha uma força descomunal! O homem tentou levantar-se do chão, mas recebeu vários golpes do garoto. E ali mesmo acabou morrendo... Esse foi o primeiro combate de Bennosuke, que tinha apenas treze anos de idade. E ali nascia a lenda de Musashi.

Musashi nasceu em 1584 na Aldeia de Miyamoto, em Mimasaka, Okayama ken, Japão. Até hoje é considerado o símbolo do Bushidô,  exemplo máximo de samurai. Quando nasceu recebeu o nome de Shinmen Takezô, depois Bennosuke e outros nomes, mas adulto se nomeou Miyamoto Musashi, como é mundialmente conhecido.

O pai de Bennosuke, Shinmen Munisai, foi considerado o Primeiro Espadachim do Japão. Esse título lhe fora concedido pelo Xogum Ashikaga Yoshiaki... Com esse título, passou a ministrar aulas de esgrima aos jovens da comunidade, e levava uma vida bem tranquila. Mas... Um dia recebeu de seu amo Shinmen Igano Kami a ordem de executar um jovem... Esse jovem era forte, saudável e corretíssimo, a ponto de discordar de algumas ordens de Igano, que se irritou e decidiu executá-lo... Munisai ficou bastante incomodado mas, ordens são ordens (os Suseranos tinham poder de vida e morte sobre seus vassalos) e mesmo a contragosto, Munisai cumpriu a tarefa. Atendeu ao amo, mas acabou com a sua paz. A comunidade inteira se voltou contra ele e os alunos de esgrima foram se afastando e, Munisai não teve alternativa senão ir embora... O mesmo mal estar também cercou Bennosuke depois que matou Arima Kihei. Até os companheiros de infância se escondiam dele. Medo... Então, Bennosuke fugiu da aldeia em busca de seu destino.

Bem nessa época, o poderoso Xogum Hideyoshi acabara de falecer e o Japão estava entrou em convulsão. Tokugawa Ieyasu controlava o país, mas havia muitos querendo derrubá-lo. O mais ferrenho era Ishida Mitsunari, que fora bastante devotado ao falecido  Hideyoshi.

Musashi ao ouvir as notícias, foi para o campo para aprimorar a sua arte de esgrima. Queria estar preparado para uma guerra. No campo vivia como um selvagem, morando em cavernas, se alimentando de bichos que caçava e tomando banho em rios. Mas praticava todos os dias para aperfeiçoar-se na esgrima. Numa das escapadas para a cidade descobriu que, um esgrimista estava procurando alguém para medir forças. Procurou o desafiante Akiyama que o olhou com desprezo, porque Musashi estava imundo. Mas o jovem foi firme no propósito e a contenda foi firmada. E esta durou alguns segundos. Quando Akiyama avançou com a espada, Musashi saltou para o alto e desceu uma vara sobre a cabeça do oponente. Akiyama caiu no chão com a cabeça rachada... A força de Musashi era descomunal.

E assim, perambulando pelas montanhas e florestas, acabou indo para Osaka, onde o antigo amo Shinmen Igano Kami tinha uma mansão. Foi aceito como um criado, e tinha a tarefa de ensinar esgrima aos vassalos.

Enquanto isso, Mitsunari procurava parceiros para derrubar Ieyasu. E de repente a guerra. Musashi era vassalo de Shinmen Igano Kami, que por sua vez fora devotado ao Hideyoshi. E Musashi se viu de repente convocado para a guerra entre Ieyasu e Mitsunari, sem mesmo ter uma opinião formada sobre a situação.

 Na Guerra de Sekigahara, a mais famosa batalha que aconteceu no Japão. Exército do Sul de Mitsunari contra o Exército do Leste de Ieyasu. Quase vinte mil homens combatendo corpo a corpo às margens do Rio Nagara... Mitsunari tinha certeza da vitória. O combate durou apenas cinco horas e foi decidido com a traição de Kobayakawa, um General de Mitsunari, que de repente se juntou às forças de Ieyasu e, arrastou importantes comandantes. Vitória de Ieyasu. Um mês depois, Mitsunari foi pego e degolado...

E assim começou a Era Tokugawa, ou Edo Jidai.

Terminada a guerra, Musashi voltou para a sua aldeia. E o Monge Takuan preocupado com a selvageria do jovem, tomou o encargo de educá-lo. Percebeu que era muito descontrolado e então o amarrava numa árvore até que se acalmasse. Temia que saísse por aí a cometer atrocidades. E por quatro a cinco anos, o encerrou na Torre do Castelo de Hakurojo, onde lhe ministrou uma educação zen budista. Fê-lo ler antigos textos chineses, que poliram seu caráter.  Aos poucos, o jovem foi absorvendo a filosofia zen budista e, se transformou num refinado jovem de pouca fala, mas de profunda reflexão. Takuan lhe ensinou que não havia mérito nenhum em ser espadachim apenas para decepar cabeças. Musashi era um homem forte, e tinha aproximadamente um metro e oitenta de altura, mas se submetia ao Monge, porque o respeitava como Mestre e seu benfeitor. Quando tinha 21 anos, completada essa educação, saiu pelo mundo em busca de seu destino. Passando por Kiyoto, no afã de se tornar famoso, resolveu desafiar o líder da Academia de Esgrima Yoshioka. A Academia Yoshioka era a Escola mais famosa da época. Agregava cerca de mil discípulos praticando a arte da espada. A Academia  treinava os familiares e servidores do antigo Xogun Ashikaga, o homem que fora o mais poderoso do Japão.

O líder Seijiro Yoshioka que era o orgulho da Escola aceitou o desafio e teve seu braço esmagado por um golpe de Musashi, tornando-se inútil como espadachim... Foi um grande choque para a Escola. Todos os alunos começaram a procurar Musashi para matá-lo, e lavar a honra da Escola. Então Senshichiro, irmão de Seijiro resolveu pedir uma revanche. Infelizmente, foi derrotado também, morrendo no combate... Então, diante da desgraça que atingiu a Academia, os alunos armaram uma emboscada para Musashi. Desafiaram-no para combater o último da família Yoshioka, um garoto de apenas nove anos de idade, que fora nomeado Diretor Geral da Academia. Era uma armadilha! Musashi, porém desconfiou dessa contenda e chegou antes ao local combinado, e ficou no escuro da madrugada observando o que estavam tramando contra ele.

Como Musashi tinha o costume de atrasar-se, o grupo Yoshioka  com cem espadachins estava pronto para atacá-lo no momento em que aparecesse. Formaram um círculo e ficaram aguardando, todos olhando para fora. No centro colocaram o menino junto com o Instrutor. Mas, Musashi se antecipara e estava dentro do círculo, perto do garoto. Quando o Instrutor se afastou um pouco, Musashi atacou e degolou a inocente criança. Ato contínuo, saltou para fora do círculo e fugiu com dezenas de perseguidores arremessando flechas sobre ele. Uma lança cortou parte de suas vestes, mas saiu ileso, sem um ferimento. Foi o fim da Academia Yoshioka. Esse duelo tornaria Musashi famoso entre os samurais. Tinha apenas 21 anos de idade. Mas, estava sempre fugindo dos seguidores de Yoshioka. Escondia-se nas matas para despistar os perseguidores. Então, resolveu partir para Nara.

Em Nara havia a Academia Houzouin, onde se ensinava o uso de lanças em combates. Musashi queria aprender a usá-las. Houzouin era um anexo do famoso Koufuku, templo da família Fujiwara, construído em 710. Sua função era administrar o Templo, os Soldados/Monges e as capelas que compunham o conjunto.

Chegando lá, Musashi solicitou um duelo com o Orientador da Escola. Mas, o senhor In Ei já tinha mais de oitenta anos e não combatia mais. Porém, ao saber que Musashi vencera os Yoshioka de Kiyoto designou Ouzouin que era considerado o Número Um do Japão no manejo de lanças. Aceito o desafio, Musashi pensou, pensou em como vencer alguém com uma longa lança contra a sua pequena espada. Procurou manter pequena distância para a lança do adversário não atingi-lo. Ganhou o duelo e a admiração de todos. E foi convidado a ficar uns meses ali, para aprender e ensinar essas artes marciais.

Então resolveu partir para Edo, atual Tóquio. Era a capital do Japão, e queria conhecer como andavam as artes marciais por lá. Ao se despedir do Houzouin, recebeu uma bolsa recheada de moedas de prata.

No caminho, ao hospedar–se num lugarejo, descobriu que alguém estivera lá passando por ele, usando seu nome e dizendo bravatas sobre ter vencido os Yoshioka e os Houzouin. Para provar que era o próprio, teve que duelar com um tal de Shishido, que era imbatível na arte de atacar com uma foice presa numa corrente. Shishido era uma figura assustadora, portando uma corrente longa presa a uma foice de ferro na ponta, que ele lançava para todos os lados, sem chances de defesa do adversário. Mas, Musashi era inteligente e foi se desviando daquela perigosa arma, usando a espada longa e a curta, técnica que aprendera com Ouzouin. E num lance inteligente, se colocou diante do bambuzal que os cercava. Quando Shishido lançou a foice, Musashi se desviou e a foice se enroscou no bambu e o homem ficou desarmado. Com a espada longa, Musashi acabou com a vida do homem.

Quando chegou a Edo foi conhecer Yagiyu Munenori, criador do Estilo da Espada Oculta. Esse Mestre ensinou a Musashi que a espada não é apenas arma e força. Que é necessário usá-la com a serenidade de uma brisa de primavera, para então sentir a iluminação espiritual. Musashi pediu uma demonstração de suas habilidades num duelo. Mas, ele não acedeu ao pedido devido à idade. E lhe enviou uma flor cujo galho decepado mostrou para Musashi que um corte transversal daqueles o teria matado de fato.

Enquanto isso, Ieyasu venceu os oponentes e estabeleceu a era Edo. As guerras foram acabando, pois o país vivia um tempo de paz e prosperidade.  E os samurais ficaram desempregados. Musashi também ficara sem ocupação. Para sobreviver dava aulas de esgrima, fazia esculturas de madeira e praticava pintura e caligrafia japonesa. Deixou várias telas pintadas a carvão e esculturas em madeira que são verdadeiras obras de arte. Sua biografia conta com sessenta combates que teria vencido, mas o que o deixou famoso de fato foi o confronto com Sasaki Kojiro.

Sasaki Kojiro era o melhor espadachim da época, e fora nomeado Comandante de Armas do Feudo da família Hosokawa, ao Norte de Kiyushu. Sua técnica era usar uma espada longa, que assustava os adversários. Era capaz de cortar uma andorinha em pleno voo. Isso despertou o interesse de Musashi, que o desafiou para medir forças e provar quem era melhor. Aceito o duelo, Musashi se retirou para um lugar ermo a fim de concentrar-se. Enquanto pensava numa estratégia para vencer o oponente, achou um velho remo quebrado. Remo para mover canoas. Como ele gostava de esculpir, viu que o remo era de madeira boa e resistente. Faria uma espada com ela! Transformou o remo numa espada de mais de um metro de comprimento, para enfrentar a espada longa de aço de Kojiro, que media noventa e quatro centímetros.

13 de abril de 1612, Ilha de Funajima. O palco era a praia dessa minúscula Ilha, no Estreito entre Honshu e Kiyushu. Sasaki todo paramentado com roupas espalhafatosas o esperava impaciente, porque Musashi se atrasara de propósito por duas longas horas, só para irritá-lo. Musashi dizia que quem luta zangado já está meio derrotado. Os Juízes também impacientes o esperavam, junto com uma pequena plateia. Musashi chegou numa canoa e só portava aquela espada de madeira. Trajava uma roupa preta e velha. Amarrara as mangas largas e as bordas da calça para não atrapalharem nos movimentos. Na cabeça, uma faixa de pano para segurar os cabelos revoltos. Quando o viu, Kojiro correu ao seu encontro gritando por causa da demora. Tomado de raiva puxou a longa espada de aço e jogou a bainha na areia. Musashi disse: “Você acaba de perder a contenda. Quem joga a bainha fora, não embainhará a espada de novo!”

E Musashi como planejara, correu sobre a areia molhada e firme, enquanto Kojiro se afundava na areia seca... E Musashi se colocou de costas para o mar e para o sol, que cegava o adversário... Este nem percebeu que caíra numa armadilha. Kojiro levantou a longa espada ofuscante, e deu um rasante que cortou a faixa que segurava os cabelos de Musashi. Como este conhecia a técnica rasante do “voo da andorinha”, Musashi saltou bem alto para escapar desse ataque, e desceu com força a espada/remo de madeira, que atingiu e quebrou duas costelas de Kojiro.

Kojiro caiu morto. Os Juizes ficaram perplexos!

Musashi num ato de misericórdia fechou os olhos do morto, e lhe pediu perdão. Fez uma reverência aos assistentes e foi embora na canoa. Os discípulos de Kojiro queriam persegui-lo para vingar sua morte, mas foram impedidos pelos Juizes, que reconheceram a vitória de Musashi numa luta limpa e honesta.

A técnica do “voo da andorinha” que Kojiro usava fora minuciosamente estudada por Musashi observando as andorinhas numa cachoeira, e praticando onde costumava tomar banho.  Foi assim que o venceu. E Musashi se dirigiu para a capital, para não se confrontar com os espadachins de Kojiro, sedentos de vingança...  E mesmo satisfeito por tê-lo vencido, começou a questionar as próprias ações, porque volta e meia vinha à sua mente a expressão: “Espada não é só arma e força. É preciso usá-la com o coração puro como a brisa da primavera. Só assim é possível atingir a espiritualidade”

Essas palavras ditas pelo Mestre Yagyu Munenori iriam transformá-lo completamente. Pelos registros, parece que deixou de matar os parceiros de duelos. Procurava preservar-lhes a vida. E aceitava desafios, mas deixou de propô-los. E volta e meia se lembrava de Kojiro, cuja morte deve ter pesado muito pelo resto da vida. Alguns estudiosos afirmam que a maior transformação de Musashi se deve à morte de Sasaki Kojiro.

Entrementes, em Edo tudo respirava a guerra. Ieyasu queria a todo custo eliminar a família de Hideyoshi, mas seu filho Hideyori e sua mãe estavam instalados no Castelo de Osaka, onde estavam reunindo todos os Suseranos que deviam favores ao pai Hideyoshi. Reivindicavam o posto de Xogun, como  legítimo herdeiro de Hideyoshi.

E Musashi como ronin se alistou no Exército de Hideyoshi, com a intenção de realizar algum ato heroico, que o elevasse ao posto de General. Mas, foi ferido numa perna e teve baixa, sem alcançar nada. Ieyasu fez um cerco ao Castelo de Osaka, onde estavam Hideyori e sua mãe Yodo. Diante da derrota, os dois cometeram seppuku/ suicídio...

 Após essa rebelião de Osaka, Musashi se apagou do cenário. Durante dezenove anos seu paradeiro é ignorado. Não há registro de duelos. No cerco de Osaka, Musashi tinha trinta anos de idade, e só retornou à sociedade quando estava com cinquenta anos.

Já no final da vida, Musashi foi agraciado por Hosokawa Tadatoshi, que o recebeu em seu palacete como visita  permanente. Na paz desse lugar em Kumamoto, passou a desenhar e escrever as experiências de sua vida. Foi assim que produziu “Os cinco anéis”, sua obra máxima. Está dividida em cinco Rolos: da Terra, da Água, do Fogo, do Vento e do Céu. São relatos de experiências vivenciadas durante sua jornada como esgrimista.

Entretanto dois anos depois, seu benfeitor faleceu e ele resolveu levar uma vida de asceta. Em 1643 se retirou para a Caverna de Reigandu, onde viveu em completo recolhimento, meditando e apreciando a natureza, os pássaros e as florestas. Voltara à natureza como fizera quando jovem. Só que agora estava maduro e sabia o que era o zen ascetismo.

Faleceu com sessenta e dois anos em 1645, em Kumamoto.

A História Universal conta que houve um tempo de queimar bruxas, um tempo de escravizar gente diferente, um tempo de Jogos Olímpicos. E houve um tempo de degolar cabeças... E Musashi viveu nesse tempo.

É muito doloroso aceitar que espadas eram afiadas para cortar pescoços... Era o costume, era a ordem do dia. Ainda bem que esse costume bárbaro já passou. Mas a humanidade tem muito que se purificar ainda. Para alcançar a espiritualidade, como ensinou o Mestre Munenori.

Musashi era um garoto brutalizado, mas teve o Takuan que transformou a rocha bruta em uma joia rara. Quem dera que todos os Musashis desta vida encontrassem seus Takuans...

Musashi foi um herói de seu tempo. E nem tudo que se escreveu ou foi mostrado em telas, através de filmes e animês pode ter acontecido! Quando uma história é contada, sempre alguém acrescenta mais um detalhe, que nasce do imaginário popular, que sonha com um ídolo....

Musashi marcou uma época do Japão.

Felizmente a Era das Espadas já passou.

Mirandópolis, 17 de fevereiro de 2021.

Revisado e sintetizado em abril de 2022.

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