sábado, 31 de agosto de 2013



                                      Gente de fibra –
         Helena Floriano Barbosa


     Nunca imaginei entrevistar uma pessoa que vivenciou  episódios da Revolução de 32.
     Um dia desses, o professor Gabriel Tarcizzo Carbello, meu amigo de profissão e de Ciranda, me sugeriu entrevistar uma velha senhora, que fará cem anos de existência no próximo ano. E informou-me que ela tem memória extraordinária.
         E lá fui eu, para conhecer a senhora Helena Floriano Barbosa, mãe da dona Rosa, esposa de seu Jesuíno Fagnani, o popular Zuim Gás.
         Dona Helena nasceu em Sales de Oliveira, perto de Orlândia em 25 de junho de 1914, isto é há quase, quase um século. Filha de dona Rosa e  Jaco Floriano.
      Seus pais eram de origem italiana e tiveram 14 filhos. O pai, senhor Jaco Floriano foi viajante, mediador de terras, vendendo extensões de fazendas, porque naqueles idos havia muita gente querendo abrir as matas, para iniciar o cultivo de roças. E quase todo o nosso Estado ainda era uma imensa floresta. Foi também proprietário de Máquina de beneficiar arroz, teve Oficina Mecânica e ainda trabalhou em engenho de cana.
        Quando a menina Helena tinha seus seis, sete anos de idade em 1920/21, a família mudou-se para Araçatuba, que era um vilarejo de casas em meio à densa mata virgem, que a cercava. Vieram se instalar na Fazenda do amigo Ângelo Pavão, que era um rico fazendeiro de café. A sede era exatamente no local, onde está instalada hoje a Santa Casa de Araçatuba.    
    Naquela época, as famílias mais poderosas  de Araçatuba eram os Colaferro, os Varoni, os Baracat, os Caserta.
       Dona Helena lembra que havia uma Fábrica de Refrigerantes, entre as ruas Aguapei e Marechal, perto da Praça Colaferro.    
     
   Em Araçatuba, seu Floriano abriu uma Oficina Mecânica e Ferraria, onde construíam jardineiras, que tinham as laterais abertas. Depois de montadas as partes de ferro eram enviadas para Presidente Prudente, para o acabamento final.
    E ainda, ele servia de intermediário para a venda de terras na região noroeste. Um dia, ele veio até a nossa região e conheceu o Bairro Km 50, que era uma vila muito próspera, bem ali na estrada de terra para as Alianças. Gostou daqui, e veio de mudança instalar a sua oficina, esperando progredir, mas o seu filho não gostou do local. E aí venderam todos os apetrechos da oficina para um senhor japonês do Km 50.
       Com o dinheiro que emprestou a juros, financiou os comerciantes que aqui vieram se instalar antes dos anos 50.
         Em Mirandópolis, dona Helena aprendeu o Curso de Corte e Costura e passou parte da vida costurando em sua máquina, que tem até hoje e considera uma preciosidade.
     Aqui, instalaram-se numa casa que ficava nos fundos do Bazar Guarany. Na frente, onde hoje está instalado o Bazar da Noriko, era a loja de armarinhos de um turco, para quem dona Helena costurou muitas camisas e cuecas para vender. Ali perto era o Bar do Ponto, onde paravam os ônibus e jardineiras e, como chegavam muitas mulheres aventureiras, havia sempre bastante confusão. Várias vezes, sua mãe foi obrigada a chamar a polícia para por ordem no local.
      Ao lado da loja havia uma Pensão, onde se instalavam todos os viajantes que aportavam na cidade. Ela se lembra que o Doutor Edgar Raimundo da Costa morou uns tempos ali na pensão.
        Na época, não existia a Igreja que hoje é o cartão postal da cidade, nem a Praça Manoel Alves de Ataíde, só havia a Estação ferroviária. Era um amontoado de casas na rua que hoje é a Rafael Pereira, na época chamada Avenida Internacional. As pessoas, as jardineiras e as carroças transitavam em ruas de terra batida, que levantava muita poeira. Tudo em torno era mata virgem e à noite, a escuridão dominava o lugar.

         Por essa época foi construída a capela de madeira, e seu pai  e seu futuro marido contribuíram nessa obra. Foi nessa capela que hoje não existe mais que, ela se casaria com o senhor Elpídio Barbosa, que viera de Valparaíso. Elpídio trabalhava na Serraria de seu Belmiro Jesus. Mais tarde, ele ajudaria na construção da Matriz, assim como o seu Jaco. Com ele dona Helena teve três filhos, sendo dois homens e uma mulher.
       Daqueles tempos, ela se lembra que lavou muita roupa de fora. Lembra em especial de dona Eunice do Dr. Afonso, para quem lavou e passou a roupa durante muitos anos. Lembra que lavou também as roupas de professores, que vieram dar aulas no Ginásio Estadual: Pedro Perotti e sua esposa dona Noêmia, que seriam seus padrinhos de casamento, Dalva Colaferro, Helio Faria, Dirce Jodas Gardel, Dr. Neif e dona Antiniska, e também para a família de seu José Galvani.
      Ela lavava as roupas manualmente, porque ainda não existiam as lavadoras. E passava tudo com ferro de brasa, porque também não existia o ferro elétrico. E a água era tirada do poço. Tudo isso era muito trabalhoso, mas a jovem Helena fazia esse trabalho com gosto, porque estava juntando dinheiro numa conta poupança, para comprar uma máquina de costura.
      Quando conseguiu comprar a máquina, passou a costurar para fora, e chegou até a fazer vestidos de noivas. Mas, mesmo assim, ela continuou lavando roupa de fora, passava ternos de noivos e engomava enxovais de noivas.
        Seu esposo faleceu há uns trinta anos e hoje dona Helena mora com a sua filha e seu genro, a quem quer muito. Logo que ficou viúva, ela passou um tempo viajando, indo ver os irmãos e filhos. Diz que aproveitou muito, conheceu lugares, foi às praias e se divertiu bastante.
     A lembrança mais inesquecível que tem é da presença de soldados mato-grossenses, que queriam arrasar a cidade de Araçatuba com um canhão, mas foram repelidos pelos “Doze de Minas” na Revolução Constitucionalista de 32. Isso ocorreu em Araçatuba, e ela se lembra que toda a população saiu em debandada com suas malas, e outros pertences no alto da cabeça, fugindo da guerra.
     
       Na verdade, como ela era criança, tem a lembrança deturpada de tudo que presenciou. O que deve ter ocorrido de fato é que os soldados de Mato Grosso, que eram aliados dos constitucionalistas de São Paulo, vieram para proteger a cidade dos legalistas, que eram os soldados de Getúlio Vargas. Porque os mineiros eram soldados do Ditador Getúlio e pelejaram contra os paulistas, conforme os registros da História.

     A chegada dos mineiros espantou os mato-grossenses.  E em todo o Estado, os revolucionários foram arrasados pelas Forças Armadas de Getúlio. Os rebeldes paulistas perderam, porque eram apenas 40 mil soldados e voluntários contra os cem mil soldados legalistas bem armados do Governo Federal. A rendição se deu em 04 de outubro de 32, após 87 dias de peleja, e custou a vida de 934 soldados paulistas.                             
    A Revolução Paulista terminou em derrota, mas em 1934, Nova Constituição Brasileira foi promulgada, e o Estado passou a ser governado por paulistas e não por Interventores do Governo Federal. Então, o sacrifício dos que lutaram e morreram não foi em vão, pois esses dois objetivos maiores dos rebeldes paulistas foram alcançados.
       Ela se lembra também da Campanha “Ouro para o Bem de São Paulo”, que os paulistas lançaram para a população contribuir com a Revolução, doando ouro e prata, que seriam utilizados para a compra de armamento bélico.
     Também lembra da aflição de seus pais porque justamente, quando estava para ocorrer o confronto em Araçatuba, sua mãe deu à luz a um irmão seu. Como não havia condições para a família fugir, seu pai resolveu ficar e entregou tudo nas mãos de Deus. Esse menino, que nasceu em plena Revolução Constitucionalista, recebeu o nome de Juarez, em homenagem ao General Juarez Távola, que era um dos comandantes das Forças Legalistas de Getúlio. Por esse detalhe percebe-se que, a família estava do lado contrário à Revolução Constitucionalista.
    Outra lembrança dolorosa que tem é da falta de gêneros nessa época. Faltou açúcar, que foi substituído por rapadura, faltou sal, querosene e outros gêneros necessários para o consumo do dia a dia. Foram dias muito difíceis para toda a população.  
   Hoje, dona Helena aos 99 anos de idade está aposentada, tem boa saúde, não toma remédios, ouve bem, tem excelente memória, sabe cuidar de si, não depende de outros para comer e nem para tomar banho. Só não enxerga muito bem. Gosta muito de conversar e de rememorar a longa vida que viveu, e diz que foi muito feliz.
      Tem saudades de tudo que vivenciou e só espera morrer em paz. Por tudo isso, dona Helena Floriano Barbosa é gente de fibra!

         Mirandópolis, agosto de 2013.
         Kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com



terça-feira, 27 de agosto de 2013



                               Cirandando outra vez...

    Sexta-feira, 23 de agosto passado foi mais um dia de alegria para os cirandeiros. Aconteceu o Encontro de amigos na Chácara do seu Albertino Prando.
         O dia estava quente, mas agradável, depois de semanas de frio. E a maioria dos convidados compareceu.
         O melhor de tudo é que quem vai, vai com alegria, querendo curtir uma tarde boa em companhia dos outros.
         Seu Albertino e dona Cleuza nos receberam com a simpatia de sempre. Ele estava irrigando o gramado quase seco, para não levantar poeira.
         A Flora e a Luísa que, há muito estavam afastadas por problemas de saúde voltaram, cheias de energia para dar força para os cirandeiros.

         Percebi que o Mílton Lima estava jururu; acredito que seja por estar de mudança para Campo Grande, o que o forçará a deixar o grupo. O Mílton é um dos membros fundadores da Ciranda, e irá fazer muita falta, porque sabe como ninguém lidar com os idosos, conversando com eles, dando-lhes assistência sempre de forma gentil e respeitosa.

         Para espantar as tristezas, o seu Albertino botou a sanfona pra funcionar, e foi aquela alegria. A Flora, a Jane, a dona Firmina, a dona Adelina, o Dedé, a Maria e até o seu Orlandinho soltaram a voz.
         E foi aquela cantoria.
         E também a conversa rolou solta. E muito lanche foi servido, acompanhado de refrigerantes e um cafezinho feito pela dona Cleuza.

         Como sempre, seu Orlandinho falou os seus poemas e a Kimie sugeriu um almoço em outubro, para comemorar o terceiro ano de existência da Ciranda. Ideia que foi aprovada por todos.
         A Eloyce do Diário chegou e tirou algumas fotos para registrar o momento.
         A tarde  voou tranquila, e todos voltaram para casa reanimados.

         Mirandópolis, agosto de 2013.
         kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com


terça-feira, 13 de agosto de 2013



                Gente de fibra –
      Iracy e Domingos Caldatto


         Como é agradável passar uma tarde num sítio, curtindo o ar puro em companhia de amigos.  E tomando um cafezinho junto.

         Pois é, passei uma tarde tão interessante ouvindo o relato da vida desse casal Caldatto, que todo mundo conhece, mas não sabe das passagens de sua vida.

     Iracy Artuzi Caldatto nasceu em Paraíso, perto de Catanduva, há 66 anos e veio de mudança para Guaraçaí.
         Domingos Geraldo Caldatto veio de Novo Horizonte também perto de Catanduva, e veio morar no Bairro Barreirão, em Lavínia.
         Ambas as famílias vieram cultivar café, que era a base da economia da época, há quase seis décadas.
         Os caminhos desse casal já estavam traçados, mesmo antes de se conhecerem. Seu Domingos confessou que sonhara com ela antes de conhecê-la. Dona Iracy queria ser freira e estava preparando o enxoval para ir ao Convento, quando conheceu o jovem. Predestinação? Estranhos são os caminhos do Senhor.
         Dois anos depois, eles estavam casados. E dona Iracy veio morar aqui em Mirandópolis, na Chácara dos Caldatto, bem ali na curva do caminho para o Córrego do Boi.  A labuta era com café e criação de gado.
         Dona Iracy morou com os sogros e cunhados na Chácara, onde teve três filhos: o varão é hoje um carreteiro e mora em Mato Grosso, uma filha que mora também na Chácara é comerciante e a mais nova é artesã e mora em São Paulo. Além deles têm quatro netos, dois genros e uma nora.
        
Seu Domingos tem boas lembranças de quando era mais jovem. Lembra que seus vizinhos eram todos de origem japonesa, e cada família possuía um pequeno lote de terras, como os Mike, os Nakamura, os Hassuyuki, os Yamazaki e os Maeda. A maioria foi embora e, agora as pastagens dominam os sítios que eram de cafezais. O senhor Paulo Mike era seu vizinho e, construiu uma bela casa na propriedade que hoje pertence aos Sasaki. 
         Lembra também que o senhor Mike foi quem abriu a Máquina de beneficiar café, que mais tarde seria do Lourencinho e de seu Abelardo. Na época, havia a Máquina dos Ohara, dos Parra Sanches e mais tarde dos Minari, que beneficiavam arroz, cuja produção era farta na região. Havia também a Comercial Perez, que beneficiava café, exatamente no local hoje ocupado por um Supermercado.
         Lembra também do asfaltamento da Rua Gentil Moreira, inicialmente denominada Rua Araçatuba, em homenagem à cidade de Araçatuba que era bem asfaltada. Nessa rua, existia um Bazar do senhor Kondo, cuja esposa dona Kátia ensinou bordados para as moças e senhoras da cidade. E lembra ainda que nessa rua havia a Livraria de dona Dinorah, esposa do seu Ênio Pucci.
         Uma das boas lembranças que tem é sobre o Senhor Antenor Nepomuceno, um fazendeiro local a quem deu carona com seu jipe até a Fazenda, porque os carros de táxi não conseguiam atravessar a lamaceira que  se formava nas ruas da cidade, quando chovia muito. Lembra que o levou até a Fazenda e teve que buscá-lo no dia seguinte, por conta da chuva.
         Dentre as pessoas que conheceu, o padre Epifânio Ibanez se destaca como um religioso bravo, mas muito correto, que batizou seus filhos. Conheceu o Dr. Neif, que era um homem muito direito, o Senhor Geraldo Braga e o senhor Alcino Nogueira de Sylos, que foram Prefeitos locais. Mas, a lembrança melhor que o casal tem é do Doutor Alcides Falleiros e de dona Dovina, que coordenavam os Encontros de casais do Cursilho. Têm lembranças muito bonitas dessa época. Lembram também com saudades do Padre Vicente e do Padre Messias.
         A vida desse casal teria uma direção única e predeterminada, que seria curtir a aposentadoria na solidão da Chácara, como ocorre com a maioria dos lavradores. Mas, não foi assim.
         Certo dia, a dona Iracy estava vendo um Programa de Variedades na tevê, onde apareceu um artesão nordestino que fazia trabalhos manuais com palmas de coqueiro. Como na Chácara havia três pés de babaçu com muitas folhas, dona Iracy gravou o programa. Depois, com certa dificuldade conseguiu fazer uma cestinha, seguindo as instruções do vídeo gravado.
         Como gostava de inventar e criar artesanato com suas mãos, um dia foi aprender a trabalhar com palha de milho, num curso promovido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural.
         No primeiro dia, dona Iracy ficou incomodada porque as parceiras de mesa usavam toda a  sua palha, deixando-a na mão. No dia seguinte, levou a cestinha de palma de coqueiro, que ela havia feito tempos atrás, e colocou a sua palha dentro dela. Enquanto pelejava com a palha de milho, uma senhora se aproximou e perguntou sobre a cestinha. Quando soube que era de sua autoria, a senhora lhe pediu para ensinar outras pessoas a trabalhar com palmas de coqueiro. Dona Iracy recusou o convite, mesmo porque era uma pessoa simples e nunca havia dado aulas em sua vida. E estava bastante insegura também.
         Dona Iracy soube então que ela era a Supervisora dos Cursos promovidos pelo SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), dona Laurinda Morales, de Osvaldo Cruz.
         Diante de muita insistência, dona Iracy acabou cedendo e deu sua primeira aula em Osvaldo Cruz, para mais de vinte alunos. Isso foi há mais de onze anos, e foi o começo de uma grande aventura.
         Após essa estreia como Professora de Artesanato, dona Iracy acumulou experiência, aprendeu a fazer outros trabalhos sempre aproveitando os recursos naturais, como palha de milho, cabaças, sementes, caules de bananeiras... E participou de cursos promovidos pelo SENAR. De lá pra cá, percorreu mais de sessenta cidades, dando cursos nesses onze anos, como Professora de Artesanato. Houve épocas em que deu dois cursos por mês, e está sempre pronta para atender aos pedidos.
         Com fibra de bananeira ou pseudocaules faz bolsas, flores, caixinhas, encapa garrafas.  Com palha de milho faz flores, bolsas, bandejas e cestinhas. Com palmas de coqueiro, especialmente do coco da Bahia, que possui folhas mais maleáveis faz cestas, cachepos, chapéus, fruteiras, arranjos em forma de peixes, esteiras. Ainda trabalha com buchas, fazendo bonecos. E com sementes confecciona bijuterias.
         Nesses onze anos de transmissão de conhecimentos, dona Iracy saiu do casulo, conheceu cidades, costumes diferentes, aprendeu muito, fez amizades, conheceu regiões diferentes do Estado e, sobretudo fez amigos. E ela é muito grata à senhora Laurinda Morales que acreditou nela, e a encaminhou para uma vida cheia de aventuras, Porque a vida de artesão é muito interessante.
         Mas, o que mais gosta de fazer é dar aulas e ver os alunos se realizando ao confeccionar suas cestas, seus chapéus, seus bonecos. Ela tem notícias de alunos seus que, estão produzindo artesanato e ajudando no orçamento da família. Hoje acredita que, Deus lhe mostrou o caminho de artesã, para que ela possa ensinar as pessoas a aproveitarem os recursos naturais, e tornar suas vidas mais interessantes. Seu esposo, o seu Domingos sempre a leva às cidades onde acontecem os cursos, e ela é grata por sua atenção.
         Domingos e Iracy Caldatto, gente que pelejou na roça, criou e encaminhou os filhos não cruzaram os braços, mesmo depois de aposentados. Levam uma vida itinerante para divulgar os conhecimentos, que a dona Iracy foi adquirindo ao longo dos anos, em contato com a natureza. São, sem dúvida nenhuma, gente de fibra!

         Mirandópolis, agosto de 2013.
         Kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com



                    A Escrita das Palavras



     Interessante é o que tem ocorrido ultimamente com os amigos, que me alertam sobre a forma correta de se escrever as palavras.
Sei e tenho certeza que, muitos dos meus textos contêm erros crassos de gramática e de ortografia, que fariam os literatos ficarem escandalizados e de cabelos em pé.
       Mas, eu não me importo. Sei que nunca chegarei a escrever certinho, com concordância nominal e gramatical perfeitas. Sabem por que não me importo? É que com os meus 71 anos de idade e as mudanças de nossa Ortografia, nunca irei absorver tudo que mudou e que é considerado correto hoje. E também não quero passar os anos que me restam, brigando com a gramática e a ortografia portuguesas, que são muito complicadas. Sei o que sei, porque estudei com alguns Professores muito bons e sou grata por isso. Os leitores que me perdoem as falhas, tudo é culpa da minha incompetência.
     Mesmo assim, escrevo ciente de que nunca serei um Manuel Bandeira, um Drummond, uma Cecília Meireles, um Josué Montello; que esses sim, escreveram muito bem e corretamente, e os reverencio de corpo e alma.                Costumo justificar aos amigos que, não me importo muito com a forma. O que eu quero na verdade é a difusão de ideias. Se a mensagem chegar ao leitor, tenho como concluída minha missão. Então, não fico muito preocupada em escrever “laviniense” ao invés de lavinense, que dizem ser a forma correta; em escrever “Presidenta” ao invés de Presidente que deve ser usado tanto para o feminino como para o masculino. Alegam que, como não se diz adolescenta, contenta, prudenta, efervescenta, também não se escreve presidenta. Mas, se escrevo Presidenta, com “a” no final alguém duvidará que estou me referindo à senhora Dilma, que esteve tanto em destaque ultimamente? No meu Dicionário Delta Larousse ainda consta “Presidenta – mulher que exerce a função de Presidente”.   Agora escrever “lavinense” para quem é de Lavínia pra mim fica esquisito demais. Então, seria “paulinense” para quem nasceu em Paulínia? Então, por que se diz “mariliense” para quem é de Marília? E “selviriense” para quem nasce em Selvíria? Dois pesos, duas medidas, pois Lavínia, Paulínia, Marília e Selvíria terminam todas em “ia”. Muito estranho para mim.
       Dizia Drummond de Andrade que “escrever é brigar com as palavras”. Mas, se eu decidir ficar brigando com as palavras, a minha inspiração vai embora e a crônica não sai. Então, com erros ou não, vou produzindo meus textos. E não me importa que as pessoas critiquem meu jeito de escrever. Cada um tem o seu livre arbítrio. Isso me faz lembrar o provérbio que diz: “Quando o sábio aponta as estrelas, o idiota olha o dedo”. Não sou o sábio, mas...
      Já vi gente que assistiu a filmes fantásticos, com enredos maravilhosos dizer ao final, que não gostou porque o ator principal era muito feio, ou a roupa da moça era sem graça... Um dia, alguém me disse para não assistir “O último Imperador” de Bernardo Bertollucci porque era muito chato! Ao ver essa obra fantástica do cinema, deu para avaliar a cabeça oca da pessoa que me dera o conselho. Gente desventurada, que nunca vai perceber o que vale a pena absorver. Não consegue nem vislumbrar as estrelas, só repara no dedo...               Quero ainda, esclarecer que nunca fiz uma faculdade de letras, e que realmente gostaria de ter feito, mais ainda, ter aprendido a Língua Francesa e o Espanhol que aprecio muito. Andei fazendo cursos dessas línguas em fitas cassetes, mas desisti logo nas primeiras aulas.
      Agora, a Língua japonesa estudo há mais de vinte anos. E domino o equivalente ao conteúdo do Curso Primário do Japão. É que estudo a leitura, a fala e a escrita, e é muito difícil. Basta dizer que na língua portuguesa há 26 caracteres (alfabeto) para se formar as palavras. Na língua japonesa há aproximadamente seis mil caracteres. Não é brincadeira. Cada traço do ideograma tem um significado, e a ordem do traçado tem um padrão difícil de assimilar. Ela é complicada porque teve como origem a língua chinesa, que possui mais de 10.000 caracteres. Dizem que os sábios chineses estudam a vida inteira, e não dão conta de tudo, mesmo chegando à idade centenária...
    Mas, os ideogramas japoneses, chineses e coreanos, que tiveram a mesma origem são muito bonitos quando traçados com pinceis. E a caligrafia deles é cultivada como uma arte nos países orientais. É chamada Shodô, e há concursos para quem sabe traçá-los. Também pratico essa caligrafia, porque tem a ver com a minha origem, com os meus ancestrais, de quem me orgulho muito.
     Mas, voltando às crônicas, gostaria que os leitores percebessem apenas que, escrevo porque quero partilhar as ideias. E, escrevo tudo que me incomoda, que me comove, que me entristece, que me enche a alma e eu preciso extravasar.
     O meu amigo Lupércio Nery Palhares lembrou-me que, o famoso cronista Ignácio de Loyola Brandão escreveu um dia que: “fazer crônicas é como estar numa praça, ou num boteco conversando com amigos, e contar pequenos casos, coisas e acontecimentos do cotidiano, para reflexão e motivação de quem fala e de quem ouve.”
   Concordo inteiramente com Brandão, pois ele soube definir exatamente o sentimento que me impulsiona a escrever. Mesmo estando sozinha diante do monitor, e digitando esses pequenos textos, sinto a presença de amigos, que na cumplicidade de sentimentos concordariam com os meus dizeres.
     E quero ainda, aproveitar para dizer que tenho leitores em todas as camadas da nossa sociedade, desde advogados, professores, gente de muita cultura até simples cidadãos do povo, que mal e mal frequentaram escolas. Outro dia, um senhor me disse que, quando lê os meus textos, conversa com os filhos sobre a mensagem que passei, e aí eles também os leem. Achei isso fantástico, mas me deu apreensão sobre a escolha dos temas... É preciso ser responsável, para não desvirtuar a educação dos jovens.
      E assim, de leitor em leitor, minhas crônicas estão se espalhando como folhas ao vento. E tenho a ventura de comunicar aqui agora que, no sábado próximo passado, dia 20 de julho, as cronicasdekimie.blogspot.com atingiram a marca de 20.000 (vinte mil) visualizações ou leituras, no meu blog. E isso foi no espaço de apenas vinte meses, ou seja um ano e oito meses.
      E no site do Diário de Mirandópolis que publica as crônicas, também há muitas visualizações.
      O que dizer mais?
      Que sou muito feliz e agradeço aos leitores, porque sem eles, não há escritor.
     
          Legenda dos ideogramas:
  1.   Kokoro - Coração ( sentimento)
  2.   Ai - Amor

         Mirandópolis, julho de 2013.
          kimie oku