sábado, 30 de julho de 2022

 

                Simplicidade

       E falando em bucha, me dei conta que a vida era tão simples.

       Vivíamos no campo, em contato direto com a terra, a água e o ar.

       A terra era generosa, não precisava de implementos para produzir o arroz, o feijão, as frutas e as verduras. Só tínhamos que plantar e pedir a Deus que nos mandasse chuva. E as colheitas eram fartas. Não tínhamos que ir a lugar algum para comer. Tudo era retirado da terra. Ninguém precisava ir ao mercado para comprar um litro de leite. E tudo era saudável. Eu me lembro que colhíamos tomates tão grandes e saborosos. E os quiabeiros eram plantados entre as fileiras do cafezal. Lembro com saudades das manhãs de sexta feira santa, em que papai e eu íamos plantar alho no brejo. Por quê na sexta feira santa, nunca entendi. E aproveitávamos para plantar também ervilhas, essas ervilhas tão caras nas feiras. Não eram orelhas de padre, eram ervilhas mesmo, macias e deliciosas.

       Lembro que todos os vizinhos também tinham pomares como nós. Mangas, laranjas, limões e bananas que consumíamos o ano todo. Lembro especialmente de um pé de limão galego, que produzia limões amarelinhos e cheirosos. Era difícil catar as frutas, porque os galhos eram cheios de espinhos. Nunca parou de produzir...

Lembro também da tuia, onde guardávamos pendurados os cachos de banana maçã. Eram tantas bananas tão amarelinhas, que não dávamos conta de consumi-las. Muitas eram dadas aos porcos...

Lembro com gratidão do poço, de onde retirei centenas e centenas de baldes de água límpida e saborosa. O balde era amarrado na ponta de uma corda, e a gente puxava para cima através de um sarilho. Todas as crianças maiores tinham a obrigação de puxar água do poço. Água para a cozinha, para lavar roupa, para os banhos. Era um dever de todos e ninguém reclamava. E a água era usada com mais parcimônia, porque era duro  “puxar água”.

Usávamos fogão a lenha, e linguiças de porco ficavam dependuradas sobre o fogão para defumar. E queijo havia com fartura, que mamãe fazia bolinhas fritas de queijo ralado... Deliciosas.

A vida era rústica, no chão mesmo. Andávamos descalços, e era uma delícia tomar banho de chuva... O cheiro da terra molhada depois de um longo estio... Não havia luxo, duas ou três mudas de roupa, um par de sapatos, que eram passados dos meninos mais velhos para os menores.

Puxa! A vida era boa! Não era complicada como hoje.

E éramos felizes sendo completamente caipiras.

Uma semente de bucha me trouxe essas maravilhosas lembranças. Lembranças que infelizmente as novas gerações nunca experimentarão.

Mirandópolis, julho de 2022.

kimie oku in

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sexta-feira, 29 de julho de 2022

 

            Bucha

      Meu irmão mora num sobrado em São Paulo.

E ele gosta de plantas, flores, verduras.

Um dia, caiu em suas mãos uma semente de bucha. Dessa mesma bucha que usávamos para lavar louça, para tomar banho.

Como cresceu no sítio e fora lavrador quando jovem, desejou ver a planta nascer e frutificar. Plantou a semente e a regou até atingir um bom tamanho. E de repente, viu que não podia deixar a plantinha ali, no sobrado. Porque ela é trepadeira, e não haveria apoio para ela se enroscar...

Então, levou a mudinha para um amigo, que tem espaço no quintal para a bucha se desenvolver naturalmente. Só estabeleceu uma condição: que o amigo lhe dê uma bucha, quando estiver na época da colheita.

Depois de um tempo, ele viu uma longa bucha amadurecendo.

E agora está na expectativa de receber uma bucha vegetal para usar no banho.

Sei que é uma história prosaica, mas estou publicando porque ela me tocou bastante. Um cidadão de São Paulo, mecânico aposentado de 79 anos, que mora sozinho, se interessar por uma bucha! Era apenas uma semente preta, sem graça, que existe de montão no meu sítio.

E eu vivo cortando as ramas de bucha que teimam em subir nas bananeiras e no abacateiro.

Bucha é mato lá.

Mirandópolis, julho de 2022.

kimie oku in

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domingo, 3 de julho de 2022

 

                                                               Vilma

          Ontem fizemos o seu funeral.

      Foi um misto de saudades e boas lembranças que tomou o coração de todos nós. Presentes todos os filhos, netos e esposo. E outros familiares que a amaram durante sua permanência entre nós.

Vilma Haruyo Amikura foi uma menina simples que andou por essas ruas de Mirandópolis, passeou pela Praça, aprendeu os ensinamentos de Jesus na bela Matriz São João Batista e frequentou o Kaikan. Estudou no Edgar e se formou Professora pelo Noêmia Dias Perotti.

Um dia, seu caminho se cruzou com o de Hideo Osaki, com quem formou uma bela família em São Paulo. Enquanto cuidava dos filhos, lecionou em Escolas do Estado e do Município. Sua vida foi permeada de dificuldades, porque o esposo tinha a seu cargo dar assistência a quatro irmãos, que pelejavam para descobrir o seu caminho. Muito sacrifício, perdas e atritos... Mas, de um jeito ou outro, venceram os maiores obstáculos...  

Quando tudo parecia entrar nos eixos, ela foi acometida de um violento acidente vascular que a deixou cadeirante para sempre. E foi aí que o amor dos filhos e do esposo se revelou em cuidados diários, com banhos, massagens, fraldas, alimentação cuidadosamente preparada... E ela nunca foi deixada de lado como uma inválida. O pessoal ia para a praia? A Vilma ia também, mesmo que fosse só para respirar o ar marinho e ver a paisagem... Compras? Ela ia também na cadeira conduzida pelo Hideo nos Mercados e nos Shoppings... Eventos sociais na família? Ela vinha também, vencendo a longa viagem de mais de seiscentos quilômetros...

Era difícil? Sim! Mas o desvelo da família era uma coisa boa de se ver. Ela participando de tudo. Uma lição para todos os familiares...

E assim, cercada de extremo carinho, ela sobreviveu ao AVC por dezessete anos. E acredito que foi muito feliz. Mesmo paralisada, mesmo limitada, mesmo cadeirante. Porque foi amada incondicionalmente.

E ontem depositamos suas cinzas na tumba da família, junto de seus pais e irmãos. E foi uma cena bonita, porque não faltou ninguém.

E na bênção, o Padre Orlando nos lembrou que todos somos pó... E que ao pó voltaremos...

Enquanto não retornarmos ao pó, toda uma vida floresce. E o que fazemos nesse intervalo é que faz a diferença.

E a diferença da Vilma foi a presença de tanta gente que veio de longe assistir ao último ato de sua vida.

Vilma Haruyo Osaki, nós te amamos.

Mirandópolis, julho de 2022.

kimie oku in

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