quarta-feira, 22 de janeiro de 2020


Fukuzawa Yukichi

Houve um tempo no Japão em que os trabalhadores eram meros escravos de seus patrões. Era a época do Xogunato ou Bakufu, cujos representantes eram os Daimyos... Esses Daimyos eram senhores poderosos que possuíam vastas terras e viviam em constante guerra com seus vizinhos, para lhes tomar suas propriedades e aumentar os próprios domínios. Esses domínios eram fortemente defendidos por um exército de samurais ou espadachins. E os Daimyos ou Tonosamas tinham o poder de vida e morte sobre seus vassalos... O povo humilde vivia entre a cruz e a espada...

O pai de Fukuzawa Yukichi era um samurai. Mesmo sendo um homem culto servia ao Tonosama como um trabalhador braçal, porque era um samurai de categoria inferior. Naquela época, as famílias estavam restringidas às castas da pirâmide de classes sociais. E não podiam mudar de categoria. Quem nascia numa família de sapateiros assim deveria continuar pelos séculos afora...

Quando criança, Yukichi detestava Escola e estudos e proclamava isso para a família. Mas era uma criança inteligente e o pai desejava um futuro melhor que o seu para o filho. Então decidiu que o garoto seria um monge, ou bonsan. É que um monge poderia estudar e revelar suas habilidades. Era o único caminho de estudos para a gente plebeia. Mas, o pai faleceu quando Yukichi tinha apenas três anos de idade...

Seu irmão mais velho Sannosuke tomou as rédeas da casa e passou a servir ao Tonosama. E decidiu que Yukichi deveria ir à escola para iniciar sua educação, mas o garoto revoltou-se e não aceitou. Então sua mãe lhe contou o desejo do falecido pai para fazer dele um monge. Yukichi ficou bastante abalado e disse que nunca, jamais seria um monge. A mãe muito sábia então fez um acordo com ele: Não o mandaria para um Templo como futuro monge, desde que ele passasse a estudar. E foi assim que o caminho se abriu para o jovem, que um dia mudaria a História do Japão.

Na Escola se revelou um aluno aplicado e sobressaiu logo na classe. Era muito dedicado e nunca aceitava como verdades o que outros lhe diziam. Um dia, ele foi espiar o oratório que havia nas proximidades e, percebeu que todos os crentes estavam apenas orando para uma pedra! Uma pedra como as dezenas que havia no caminho. Depressa, sem que ninguém visse, ele trocou a pedra por outra. Queria saber se seria castigado pelos céus pela má ação. Uma mulher veio e juntou as mãos e orou. E nada aconteceu. Ele ficou pasmo, porque diziam que ali era sagrado e ninguém nem podia tocar no interior do altarzinho (Batiga ataru! O castigo viria!).

Fukuzawa percebeu que as verdades sempiternas eram um monte de mentiras para uns dominarem outros. E desse dia em diante, ele passaria a conferir in loco tudo que ouvia falar.

Nessa época, o Japão era um país fechado, só se relacionando comercialmente com a China e a Holanda. Olhava com desprezo os demais países do mundo e vivia em completo ostracismo, ignorando o que se passava fora do seu território. Eles temiam o Cristianismo, que derrubaria suas crenças sobre a divindade do Imperador. Acreditavam que era no Japão que o Sol nascia e, o Imperador descendia diretamente do Rei Sol (daí o sol na bandeira japonesa). A família imperial era venerada como se realmente tivesse descido dos céus! A nós parece conto de carochinha!

E justamente nessa época ali chegou o Comandante Peri, trazendo uma intimação do Presidente americano para abrir os portos do Japão ao comércio exterior Se se recusasse, os americanos atacariam o Japão com forte artilharia. E demonstraram isso atirando com o canhão em alto mar. Foi um Deus nos acuda! Os poderosos Daimyos tremeram na base e perceberam que, seus milhares de espadachins não seriam páreo para armas de fogo. Os japoneses só guerreavam com espadas. E os americanos disseram que voltariam em um ano para receber a resposta. Foi um Deus nos acuda! O Japão precisava se armar e de repente, formaram-se duas correntes: uma pela abertura dos portos e outra contra. A Casa Imperial era fortemente contra.

Foi então que o Sannosuke Fukuzawa teve a ideia de encaminhar o irmão Yukichi para estudar holandês. O objetivo era traduzir os livros holandeses que ensinavam a produzir armas de fogo. O Japão precisava formar sua defesa, seu exército e sua artilharia.

Yukichi se dedicou totalmente a essa tarefa e aprendeu a ler holandês em cem dias! E passou uns cinco anos estudando essa língua estrangeira e chegou a traduzir Dicionários Holandeses para o Japonês.  E foi Professor de Holandês...

No ano seguinte, conforme promessa, os americanos voltaram e mesmo não tendo autorização da Casa Imperial, diante da ameaça americana de um ataque, o Representante mor do Xogunato Ii Naosuke assinou o Acordo, abrindo os portos para o Comércio com os Estados Unidos, a França, a Inglaterra, a Rússia, além da Holanda.

Foi uma abertura e tanto! De repente, estrangeiros invadiram os portos e os japoneses ficaram pasmos ao perceber a diferença física, além da língua inglesa tão difícil de compreender...

E foi aí que Yukichi percebeu decepcionado que o Holandês não mais servia. E teve que começar do zero, estudando Inglês...

Quando o Japão mandou uma missão aos Estados Unidos para acertar os termos do Acordo Comercial, Fukuzawa fez parte da Delegação. E chegando lá, todos os japoneses ficaram maravilhados com o progresso ocidental em termos de conforto nas casas, de transporte, de urbanização... E Yukichi constatou com pesar que, a sua terra natal estava muito aquém da cultura ocidental. Que era preciso retomar o tempo perdido e levar essa cultura para o Japão. E comprou o Dicionário Webster, que seria o primeiro a entrar no Japão.

Quando o Japão mandou uma missão diplomática para a Europa, Fukuzawa foi como intérprete do grupo. Foram recepcionados com muita festa e tudo indicava sucesso da missão. Mas... Ao retornarem da Rússia para a França perceberam que o clima havia mudado, todos foram tratados com muita frieza.

É que enquanto estavam percorrendo a Europa, houve um incidente grave em Kagoshima ken. Um Daimyo e seu séquito estava se dirigindo para Edo (Tóquio) e no meio do caminho, um turista inglês a cavalo tentou passar ao lado do palanquim. Isso foi considerado uma agressão inominável e, os samurais do Daimyo derrubaram o cidadão estrangeiro e lhe cortaram a cabeça! Naquela época, os vassalos e todos os cidadãos deveriam se ajoelhar e postar suas cabeças no chão, para a passagem de autoridades e até para os samurais. Quem ousasse levantar a cabeça, tê-la-ia decepada... O costume era esse. Mas o cidadão inglês não sabia de nada...

E Fukuzawa percebeu todo o atraso do Japão nesse incidente e no fato de nos países ocidentais haver Democracia, que permitia aos cidadãos escolherem livremente seus governantes. E então, resolveu contar para os jovens japoneses o que estava ocorrendo no mundo.

Passou a escrever livros e mais livros em linguagem acessível, e fazia palestras, tentando despertar a consciência da juventude, uma vez que os adultos não botavam fé em suas premissas.

Felizmente, seus livros tiveram sucesso e foram muito procurados. A Escola que abriu ensinava inglês e era bem frequentada. E pouco a pouco, a juventude japonesa, que nunca aceitou a servidão dos vassalos aos senhores feudais, acabou despertando. É verdade que os conservadores não aceitavam as ideias inovadoras e até um amigo do Fukuzawa foi assassinado, por pregar a ocidentalização de costumes.  Naosuke que assinou o Tratado de Abertura dos Portos também foi assassinado numa emboscada. Pelo grupo que não aceitava estrangeiros no Japão. Atraso grande, ideias medievais, difíceis de superar...

Fukuzawa Yukichi foi o homem que modernizou o Japão anacrônico, combatendo velhas ideias de domínio e servidão. Foi ele quem disse a um pai que lamentava o nascimento de mais uma filha: “E que mal tem em ser uma menina? Desde que seja forte e saudável, fique feliz!” Naquela época o machismo imperava e todos queriam só filhos homens...

Também ele pregava a igualdade entre os homens: “Deus não colocou ninguém acima de uma pessoa, nem abaixo dela”

“A melhor forma de ser livre é através do estudo”

E ele provou isso não só libertando a si mesmo, como ao próprio país natal através do estudo. Estudo que durou a vida toda!

Ele é considerado a luz que incandesceu para tornar o Japão um país moderno, libertando-o dos grilhões do anacronismo.

Mirandópolis, janeiro de 2020.

Revisado em abril de 2022.

kimie oku in

http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/


sábado, 11 de janeiro de 2020


               Estranhos caminhos!
Descobri recentemente, um grupo aqui no face que me encanta todos os dias.
É o Grupo "Caligrafia Japonesa e Kanji".
Entrei no grupo como quem não quer nada, só pra espiar...
E descobri que o grupo é sério, tem centenas de participantes e, todos estão empenhados em aprender a Língua Japonesa.
Gostei do nível cultural das pessoas. Gente que fala e escreve muito bem, inclusive em kanji. Estão muito além de mim, porque ainda estou engatinhando.
Agora sim, estou no caminho certo!
Vou me empenhar mais.
E quem sabe, um dia escreverei minhas crônicas em japonês?
Se der tempo...
Mirandópolis, janeiro de 2020.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020


            Estudando a língua materna
     
      De repente me deu uma vontade imensa de voltar a estudar a Língua Japonesa.
      E me inscrevi num grupo de estudos de pessoas que pesquisam, estudam e trocam ideias sobre o alfabeto e a cultura japonesa. O grupo é de “Caligrafia Japonesa e Kanji” no face e é muito interessante. Tem gente afiada que ensina os iniciantes e tem gente que estuda pra caramba. Estou tentando me localizar no grupo, mas estou bastante animada, porque não estou sozinha nesse aprendizado.
      E ao longo dos anos que venho estudando, percebo que quanto mais estudo, mais quero saber e mais kanjis são criados no dia a dia. Então, em Japonês, você nunca saberá tudo, como no Português, que se resume no alfabeto com vinte e seis letras ou sinais.
      O alfabeto japonês é originário do antigo chinês, mas bem simplificado. Muitos ideogramas lembram as figuras que representam. Inicialmente, eram usados ícones, que foram simplificados para facilitar a escrita. A palavra RIO é representada por três traços, que escorrem de cima para baixo. MAMÃE é representada por um quadrado (bolsa ou útero) amarrado onde há duas gotas (leite). E por aí vai...
       Saber o significado dos traços facilita a memorização. A questão é que existem muitos ideogramas e decorar todos eles é uma barra. A lembrança mais singular e comovente que tenho é de meu pai traçando com o dedo, os ideogramas na mesa da cozinha. Ele usava as gotas d’água que caiam das tampas de panelas, quando mamãe punha a mesa para a gente almoçar ou jantar. Éramos tão pobres que nem usávamos toalhas na mesa. E na tábua crua e lisa, papai desenhava os ideogramas, que só ele sabia ler. Sempre ele fazia assim e por respeito à sua concentração, nunca perguntamos o que significavam aqueles símbolos. Mais tarde descobri algumas anotações suas e constatei que ele tinha uma letra muito bonita.
      Nunca frequentei uma Escola Japonesa quando criança. Getúlio Vargas proibiu o funcionamento de Escolas japonesas, porque o Brasil estava ao lado dos Aliados e contra o Japão na Segunda Guerra. O governo brasileiro temia uma rebelião dos japoneses aqui radicados com a derrota do Japão. E com isso, perdi a oportunidade de estudar a língua materna na infância. Só depois de adulta e já me aposentando como Professora é que passei a estudar o Japonês. E descobri que estudar a Língua japonesa é um grande desafio.
      Já li muitos livros japoneses sobre alguns heróis do Japão e copiei textos e mais textos com o pincel e tinta a carvão. Aprendi muitos ideogramas, mas estudar sozinha é desanimador.
      Mas, agora bola pra frente! Achei um grupo no face que também estuda. E estou muito animada.
      Gambarimashou ou vamos pelejar!
      Mirandópolis, janeiro de 2020.
      kimie oku in