domingo, 29 de novembro de 2015

  Última Ciranda do ano

           


Hoje, 27 de novembro fizemos o último encontro dos Cirandeiros. Foi como de costume na Chácara do seu Albertino Prando.

Como choveu dias seguidos na semana que passou, achei que seria um dia de chuva, mas o sol veio com força total e o dia estava lindo. Só que o calor estava demais.
Mas, a maioria compareceu com a alegria de sempre de reencontrar os amigos. E a surpresa do dia foi a presença do Milton Lima e sua esposa Remir.
Os músicos foram chegando e enchendo o espaço com suas músicas. Havia dois sanfoneiros, dois violeiros e um pandeirista. Muito animados puxando o cordão para a cantoria do pessoal. E apesar do forte calor, todos cantaram e vibraram.
Depois brincamos de cirandar. E a Kimie comunicou o falecimento de dona Palmira Martins, que ocorrera semanas atrás. E todos em uníssono rezaram uma oração pela paz de sua alma. Dona Palmira é a décima cirandeira a ir cirandar no céu. E o seu Orlandinho contou um fato emocionante, que lhe aconteceu quando estava internado num Hospital. Em seguida declamou um de seus poemas. E o Milton Lima comentou sobre a surpresa da visita de mirandopolenses, que foram lhe dar as boas vindas na sua casa em Ilha Solteira, para onde se mudara recentemente de Campo Grande. E colocou à disposição a sua nova casa, para irmos lá cirandar.
Já com a maioria indo embora, chegou uma retardatária. Para alegria de todos era a Rachel Sperandio, que há meses esteve ausente dos Encontros, por estar viajando. Passamos mais um tempo com a dona Cleusa e seus familiares, porque o papo estava muito agradável.
Na volta, Chiquinha e eu passamos na casa da dona Assme Santana, para uma visitinha rápida.
E viva a Ciranda, que no próximo ano tem mais!
Mirandópolis, novembro de 2015.
kimie oku in






domingo, 22 de novembro de 2015

                               50 anos depois...
     
     De repente, um convite.
Participar de um Encontro de Jubileu de Ouro de Professores Normalistas, que se graduaram no Colégio Estadual e Escola Normal Dona Noêmia Dias Perotti, Mirandópolis.
Pensei não sou da turma, posto que me formei em 1960, isto é cinco anos antes, e minha turma é outra, e lá vão 55 anos que saímos da Escola, para trabalhar em outras Escolas... Mesmo assim, considerei a chance de cumprimentar esses colegas de trabalho, que escolheram e se dedicaram à mais nobre das profissões, ser Professor e ensinar a ler, a escrever, a contar, a cantar, a brincar, a ser gente da sociedade...
Dei um tempo para o pessoal almoçar e botar o papo em dia... E lá fui eu. Sabendo que seria um estranho no ninho. Surpresa! A maioria era gente conhecida, com quem convivi um pouco por aí nos caminhos percorridos.

Os anfitriões Regina Rosado e Ademar Bispo... O Antonio Fábriga que era de Lavínia... A Zilda Zonzini, com quem convivi na AABB, a Flora Tanaka, que fez parte da minha roda da juventude (nossa! Há quanto tempo!), a Naoe Miyamoto sempre tão animada, espalhando alegria por onde passa, a Sônia Veroneze, que continua bonita como era, a Dineia Martins Tonello, minha parceira do face, a Marlene Gonfiantini que nem me lembrava, a Roselle Carvalho, irmã da minha amiga de Lavínia, Maria Adelaide, as moradoras locais Teresa Veronese, Zilda Vendrame, Vera Lúcia Bonfim Nakano, Vandelcy Bonfim; o Osvaldo Siqueira com quem convivi no Lascabode há uns duzentos anos, o Milton Carvalho que era de Lavínia como eu, e outras três nisseis, que não tive o prazer de conviver, que são as irmãs Hideko e Yossiko Kato, e Noriko Seki; e Ofélia de Oliveira, que também não conheci.
Como cheguei no fim da festa, com o pessoal se despedindo, não deu pra trocar figurinhas com a maioria, o que foi uma pena. Gostaria de ter trocado duas palavrinhas com cada um dos participantes, que moram em diversos lugares do Brasil. Tão difícil se reunir e foram embora logo. No final  ficaram as três irmãs Tanaka, o Osvaldo Siqueira, a Simone, a Regina e eu.
Então, a Regina me deu as coordenadas do Encontro. A homenagem para aqueles companheiros que cumpriram sua missão, e foram morar no céu: Antonelli Antonio Secanho, Helena Ortegas Coggo, Hide Aparecida Nars, Kikuko Sato, Kunihiro Sato e Teresinha Squinca. Desses conheci bem o Antonelli, que era um rapaz muito inteligente e educado; e o Kunihiro Sato ou Paulinho Sato de Lavínia, que deu aulas em Tabajara quando nós faltávamos. Seis Professores que já cumpriram sua missão na vida.
E citou alguns colegas que ficaram impossibilitados de comparecer, por questões de saúde própria ou de familiares.
Com exceção do Antonelli, que se tornara um Promotor Público, não sei se todos se dedicaram à missão de ensinar. Mas, pelo que percebi, estão bem de saúde, ostentando alegria por estarem vivos. E notei que todos sem exceção estão bem conservados, não aparentando que já estejam na casa dos setenta anos.
Pensei em contar aqui como foi o Encontro, mas não posso porque não participei. Então, vou colocar minha visão do que foi a tarefa de Professor. Por tudo que eu vivenciei e acho que eles também.
Há cinquenta anos eram todos jovens, cheios de vitalidade, com as cabeças recheadas de sonhos para conquistar o mundo. Iriam direcionar os passos para Escolas, e eram Escolas lá no fim do mundo, porque todos começavam em escolinhas rurais, sem transporte, sem estrada decente, sem companhia de colegas para dividir e dirimir dúvidas... Escolinhas de três séries, a quem o Professor precisava atender e vencer o Programa fazendo malabarismos... E trabalhava-se aos sábados. E não tinha nada de emendar feriados, e não eram só 180 dias letivos. Começava-se em 14 de fevereiro e ia até 14 de dezembro, com férias em julho. Aulas aos sábados eram obrigatórias. Não havia hora-atividade paga para preparar aulas. E na falta de material, o Professor comprava para os alunos carentes. E ninguém o reembolsava. Salário miúdo, dificuldades mil mas sempre tocando barco, acudindo alunos, sem desistir nunca.
De um jeito ou outro tudo foi vencido, o Professor se efetivou. E aí vieram as Greves. Greves por melhores condições de trabalho e aumento de salários, que os Governantes sempre deram o mínimo... E tudo foi se transformando, as famílias se desagregando e deixando a educação integral de seus filhos para os Professores, como se estes fossem babás deles...
E com a sociedade falida, mães trabalhando fora começaram a mandar crianças confusas, rebeldes, carentes de atenção e sem um mínimo de respeito pelos mestres. E aí começou a dificuldade do Professor. Tinha que ensinar conhecimentos e, corrigir atitudes de crianças meio perdidas na vida. Mesmo assim, ele não desistiu. Usou da Psicologia que aprendeu um pouquinho lá no Curso Normal, e foi conquistando as crianças rebeldes com brincadeiras, com histórias interessantes, com técnicas diferentes de abordagem.  E assim foi... Até que acabou a caminhada. Aposentou-se. Cansado, esgotado, sem ninguém saber das infinitas horas gastas preparando aulas, e corrigindo tarefas e provas. Das dificuldades vencidas com muitas lágrimas, sem nenhuma recompensa, sem um alento por parte do Governo.
Enfim aposentou-se.
Sem o reconhecimento da sociedade, que é sempre ingrata para as pessoas que passam. Sem um salário decente, que o Governo nunca se preocupa com quem se aposenta. Sem muita saúde, que o IAMPE jamais cuidou direito do bem estar de seus dependentes... Aposentadoria triste e solitária.
Mas, um belo dia, o Professor reencontra um ex aluno, de vinte, trinta nos atrás... Já é um cidadão inserido na sociedade, pelejando para viver e dar conta de sua prole. E de lá vem um abraço caloroso, cheio de felicidade ao reencontrar o velho mestre. E fala da sorte de ter sido seu aluno, que teve infinita paciência para lhe ensinar a tabuada, a conjugar os verbos... A escrever corretamente... E diz que está bem, dando conta da vida, andando nos conformes. E é feliz. Feliz, palavra que mexe lá no fundo da alma do velho mestre.
É apenas um momento numa esquina qualquer.
    Mas, é tudo que o Professor precisava ouvir, para perceber que não lutou em vão. Que sua labuta deu certo, que a semente germinou e, deu uma bela árvore que está frutificando... E a partir daí, volta e meia encontra mais um aluno, e mais outro e outros e outros, que lhe são gratos pelas lições recebidas.
Então, o pobre Professor aposentado, esquecido pelos mandantes da sociedade descobre que, ele deu a vida por uma das mais belas profissões, que é a de construir gentes. Gentes para não se perderem nunca na vida...
E então se sente gratificado por tudo que vivenciou, sofreu e foi mal remunerado. Porque a gratidão dos alunos é tudo, e constatar que conseguiu encaminhá-los na vida é o maior prêmio. É uma glória suprema.
E descobre que apesar dos percalços da vida, valeu a pena ser Professor. Porque Ensinar é a mais nobre das profissões.
Não é?
     
Mirandópolis, novembro de 2015.
kimie oku in




segunda-feira, 16 de novembro de 2015

                                               NUHIKUN
Instruções aos Criados
    Ontem à noite tive a oportunidade de assistir a uma peça teatral na Comunidade Yuba.
      Ora, quando se vai ao teatro, o apreciador vai de espírito preparado para ver o desenrolar de uma história, que alguém quer contar ou dramatizar. E honestamente falando, não estava preparada para ver o que vi. E acredito que a maioria das pessoas  pouco entendeu das encenações. Mas, me incomodou muito, tanto que não consegui sair do local até o fim, e esperei que alguém viesse explicar alguma coisa. Fato que não ocorreu
Para cada um tirar suas conclusões...
      Entretanto, não consegui parar de pensar nas cenas que vi. E mesmo sem ter certeza de que as minhas conclusões sejam corretas, passarei a expor a minha interpretação. Se estiver equivocada, gostaria que me contestassem e me esclarecessem...
     Já de início, percebi que era um teatro de vanguarda, pois reservaram um espaço lateral de chão batido como extensão do palco. Aquelas figuras grotescas curvadas cutucando a terra, com suas ferramentas já me revelaram que eram escravos, pela postura da espinha dorsal totalmente dobrada e suada, e pela expressão vazia de seus olhares... Trabalhando, trabalhando, repetindo gestos até a exaustão, sem que ninguém lhes desse importância... Sem nomes, sem definição, apenas escravos destinados ao serviço duro e monótono, sem alegria.
      Depois, alguém que foi totalmente despido de suas vestes é envolto em sedas para ser travestido de Senhor e colocado no trono. Parafernálias estranhas ou máquinas indefinidas, quanto à função ficam à disposição do homem do trono, que supus ser o Rei. E criados mal ajambrados ficam circulando ao redor, fazendo pajelança. Todos curvados e submissos...
O Senhor desaparece. E todos, órfãos de pai e mãe se vêm perdidos sem um guia. Então, chega um estafeta trazendo um par de sapatos, que quer entregar ao Senhor. Na inexistência deste, os criados tentam calçar os sapatos, que devem representar o Poder. Não servem para ninguém... E todos disputam o trono, lutando para permanecer sentado lá. É uma briga de forças opostas, porque todos almejam a mesma coisa. O Poder.
E um cidadão que diz ter vindo salvar a todos da fome, trazendo comida se torna Rei, e logo transforma os criados em cães, ao lhes oferecer um osso. E todos abocanham o osso e cada um vai fazer reverência à Majestade, que os alisa como se estivesse realmente passando a mão num cachorro fiel... Nessa altura, percebe-se um dos criados que se esconde, e procura escapar dessa humilhação... Depois, todos latem e uivam para mostrar fidelidade e submissão ao dono/domador. A dominação foi completada.
Depois é a vez da Rainha poderosa, que consegue manipular a todos quando coloca um rebelde numa cadeira ou guilhotina, e lhe grita ordens que não deixam dúvidas quanto ao seu poder. Tanto é que tem até um sapato como coroa na cabeça. E ela assume posturas delicadas, cantando e mostrando o lado feminino e suave de Mulher, mas não deixa de ser a Mão de Ferro, que manda e desmanda.
Entre um ato e outro, há também uma tentativa de tirar a todos da servidão, com o acendimento de fogos para iluminar a obscuridade de suas vidas sem sentido. A cena dos cegos/ surdos/mudos sendo libertados para a luz é metafórica, e impressiona pelo desenrolar das faixas quilométricas de suas cabeças, que os deixavam como múmias errantes... Fantástica foi essa ideia.
E há a cena das janelas com cabeças vivas guardadas, ou gentes espiando o desenrolar da história. E dois cidadãos presos numa máquina bem elevada, onde se alternam na dança do sobe e desce, mostrando que quem está lá no topo pode cair, e ficar de cabeça para baixo e vice versa, conforme a onda que passa.
Tudo isso foi muito difícil de interpretar porque havia ações demais, havia mil fatos acontecendo simultaneamente no centro do palco e no palco anexo, e tudo guarnecido com cenas de circo, e danças imitando teatro No e Kabuki.
A sonorização deu o tom dramático. Houve momentos tranquilos, e outros retumbantes que assustaram a plateia. A iluminação também deu o tom dramático, com minutos de escuridão total para mostrar fases de nossa História, mergulhada nas sombras do obscurantismo, para o domínio total do homem pelo homem.
O que me impressionou foi a fala final da Rainha dizendo que, a humanidade precisa de um Senhor para ser comandada e que os servos têm que ser conduzidos por alguém... Para aprender  a se comportar e viver em sociedade... Para haver ordem... Mas que o ideal seria não precisar de Reis, Rainhas e Senhores.
Isso tudo até agora foi a narração do que vi.
Passo então à fase de opiniões minhas, só minhas conforme entendi tudo que vi.
O japonês Shuji Terayama (1935/1983) recorreu à obra original de Jonathan Swift para montar essa peça. E no final das contas eles contaram a História da Humanidade, que sempre viveu à sombra de tiranos ou Reis, Imperadores que dominaram desde o princípio dos tempos. Tudo não passa de uma disputa de poder, porque o homem quer sempre estar acima de outros, para dar ordens.
E para conseguir estar no topo faz a vontade do povo, saciando sua fome e atendendo às suas necessidades básicas. Cá entre nós, é a campanha política da modernidade, que tudo promete para conseguir o objetivo da eleição. Lá chegando, esquece o que prometeu e acaba transformando os cidadãos em servos sem vontade e liberdade próprias... Sempre foi assim no mundo inteiro, infelizmente.
E o povo, por preguiça ou comodidade vai se acostumando a viver na escuridão, no limite das fomes e das liberdades... E cada Mandante que é eleito, sabe apenas subjugar o povo, para conseguir  toda pompa e glória que a outros são negadas.
E a maioria dos cidadãos, também por preguiça ou comodidade, prefere viver como múmias enfaixadas com mil metros de bandagem, para não ver, não ouvir e nem falar. E não sentir, que é pior. Porque prefere ser enganado do que partir para a luta, e reivindicar seus direitos. E todos deixam de viver plenamente a própria vida, porque são teleguiados por forças alheias. Se a luz é retirada, vão viver na escuridão total, porque se acostumaram a obedecer. Se a fala é negada, passarão a ser mudos. Se o som incomoda, passarão a agir como surdos, que nada ouvem... E uns e outros que se incomodam são todos guilhotinados...
A diversidade de ações, ocorrendo ao mesmo tempo em vários cantos do palco, não permitiu perceber tudo que se passava. É que na verdade, representava o Mundo, onde mil coisas acontecem ao mesmo tampo: O Rio Doce que virou o Rio de Lama em Minas, os atentados em Paris, o jogo do Brasil com a Argentina, a Guerra contra os Jihadistas, a Greve de nossos Caminhoneiros, os Escândalos do Governo no Mensalão e no Petrolão e no BNDS... É muita sujeira escorrendo e haja olhos para dar conta!
Foi uma peça e tanto o NUHIKUN ou Instruções aos Criados.
Gostaria de ver de novo para conferir minhas conclusões.

Mirandópolis, 14 de novembro de 2015.
kimie oku in





sexta-feira, 13 de novembro de 2015

     Perdoar é preciso

Uma das coisas mais difíceis nesta vida é perdoar.
Já fui jovem como todo mundo, e fui muito impulsiva, e revidei a todos os ataques que julguei não merecer... Mas, nunca me senti confortável com essas atitudes. O rancor continuava em mim a ferver, toda vez que me deparava com o agressor. Era indomável.
Sofri durante décadas com mágoas guardadas, que me corroíam por dentro. E não conseguia me libertar. E o pior é que fui acumulando mágoas novas sobre as antigas, e o peso delas era demais. Fui ficando azeda, amarga, mal humorada. Sufocava.
Um dia resolvi parar com isso. Percebi que eu mesma estava me matando com um sentimento, que só eu conhecia, e que não interferia na vida de meus ofensores. Eles levavam suas vidas numa boa, completamente ignorantes das raivas que moravam no meu coração. Então, resolvi esquecer as ofensas e as mágoas que eles me causaram. De que jeito? Procurei ignorar essas pessoas, mandando-as todas para uma caixinha de esquecimento. Passei a conviver com elas socialmente, apenas saudando-as. (Sem alegria, é claro! Ainda não cheguei ao patamar de oferecer a outra face, não sou santa, sou dolorosamente humana). Não preciso ser amiga dessas pessoas, pois existem outros amigos bem melhores, e que não me causam dissabores.
E isso me ajudou muito, porque o rancor se dissipou e o coração ficou leve. Hoje cruzo nas ruas com essas pessoas, e rezo para que elas não me magoem mais... E rezo para não me tornar uma delas...
O ódio e o rancor são causas das maiores desgraças neste mundo de Deus. Até as grandes guerras começam com pequenos desentendimentos, que vão crescendo e envolvendo grupos, associações, Estados e Nações. Até as Religiões que dizem conduzir a Deus estão contaminadas com ódios profundos... Como prova, eis as guerras que devastam o mundo atualmente. O mundo contra a Jihad Islâmica e vice versa. E a esteira de inocentes ceifados pelos ódios de ambas as partes... É o lado animal do homem prevalecendo sobre o lado espiritual. E Deus não aprova isso. Até a Igreja já praticou barbáries e barbáries. Basta lembrar os anos obscuros da Inquisição. As pessoas eram queimadas vivas, apenas com uma leve suspeita de feitiçaria. E ninguém tinha defesa diante dos “doutores” da Lei da Santa Igreja. E a gente sabe que há milhares de inocentes enterrados nas masmorras dos milenares mosteiros... A Igreja de Deus condenava e matava inocentes, só para manter o poder sobre a humanidade. A gente chama de Igreja de Deus, mas era Igreja de Homens. Homens sem alma, que se arrogavam direitos que Deus jamais lhes outorgara.
Mas, todo rancor e mágoa tem uma origem. E geralmente a origem é apenas uma palavra mal colocada, mal interpretada, mal absorvida. Se o diálogo acontecesse nesse instante para esclarecer as dúvidas, não haveria consequências... Mas, o diálogo se torna impossível pela radicalização de uma das partes ou de ambas... E aí inicia-se a inimizade. Para sempre.
Aprendi ao longo de minha vida que, não adianta perder tempo em discutir quando o interlocutor se fecha no orgulho ferido, e se acha o dono da verdade. Nessas circunstâncias, bater boca é malhar em ferro frio e perder tempo. Geralmente, a pessoa apela gritando, gritando e ofendendo, o que só tende a magoar mais. Quando isso acontece eu me retiro, sem retrucar, para me preservar.
Já vivi uma situação tão vexatória, mas tão vexatória de uma pessoa me ofendendo aos berros, ao longo de uma viagem, diante de dezenas de companheiros. Nem sei como consegui me manter calada. Tive é verdade, vontade de socar-lhe a boca para se calar, mas rezei para não partir para a ignorância, porque a baixaria seria devastadora... Desventurada mulher, que gritou como louca, para tentar provar que os seus direitos eram superiores aos direitos dos outros. E que eu não tinha direito nenhum. E ela fazia o Curso de Direito! Parece piada, mas ocorreu de fato! Hoje tenho muita pena, por ela ter revelado esse lado feio de sua personalidade. Diante de tantas testemunhas...
As famílias são o reduto onde mais ocorrem esses desencontros, que levam a mágoas profundas, que causam separações definitivas. Isso acontece porque as gerações de pais, de filhos e netos estão em diferentes estágios de vida, onde os mais velhos já aprenderam a relevar, os novos estão a revidar às críticas e os mais novos só sabem reivindicar. Diálogo impossível. Se todos cedessem um pouco, o diálogo seria possível. E o entendimento também. E é nas famílias que se acumulam raivas guardadas ao longo dos tempos. Muitas vezes, evitamos discutir porque o outro não aceita críticas, e vamos carregando um saco de frustrações, tristezas e ressentimentos. Seria tão bom esclarecer os fatos numa conversa franca, sem gritos e sem apelações... Na maioria das vezes, isso é impossível. Os gritos me deixam atordoada.
E no local de trabalho ocorrem todos os dias, confusões geradas por fuxicos e má interpretação de atitudes de outros. E isso é muito triste. Tive um colega de trabalho que, quando escutava alguém tecendo comentários maldosos só dizia: “Olha, o macaco senta-se sobre o próprio rabo e puxa o rabo alheio...” Isso bastava. Todos se calavam e riam e a sessão de fuxico morria aí. Atitude admirável que jamais esquecerei.
Por que o homem interpreta tudo errado?
Primeiro porque quer preservar o seu ego. Ego vaidoso, que acha ser o Detentor da verdade única. E não pensa que toda moeda tem duas faces. Que é preciso olhar a outra face, para entender e conhecer a verdade na íntegra. Mas o orgulho o impede de se posicionar assim.
Segundo, que ele só interpreta como lhe convém. Uma palavra não bem definida pode ser usada como arma contra quem falou, porque é a oportunidade para o fuxiquento plantar suas maldades. E aí ao propagar essas maldades vai tecendo uma teia de mentiras, que depõem contra a pessoa que fez o comentário. E isso se propaga em proporção aritmética num instante. E muitas vezes acabam destruindo pessoas honestas, sobre quem sempre irá pairar uma dúvida... Muito triste.
E em terceiro lugar, porque tem gente que gosta de ser  repórter. Gosta de divulgar novidades, não se importando se são verdadeiras ou não. Até nos serviços de telecomunicação já ocorreram fatos assim. O iniciante na área de comunicação propaga notícias como furos, para se destacar, sem passá-las pelo filtro da verdade. E acabam dando vexames. E acabam perdendo o emprego...
E em quarto lugar, porque as pessoas gostam de derrubar outras que se destacam. Tem um ditado tão popular que diz: “Não é preciso apagar a minha estrela para a sua brilhar!” Quem faz isso é uma pessoa mesquinha, pequena, incapaz de lutar e vencer. Então vai no encalço de companheiros vencedores se mordendo de inveja. E procura derrubá-los. Desventurados perdedores!
Hoje em dia há tantos provérbios que orientam as pessoas para se conterem, para pensarem melhor antes de se manifestarem, mas quem liga para provérbios?
De qualquer forma, vou deixar aqui um provérbio que resume tudo que tentei passar: “Não digas tudo que sabes, não faças tudo que podes, não creias em tudo que ouves, não gastes tudo que tens. Porque quem diz tudo que sabe, quem faz tudo que pode, quem crê em tudo que ouve, quem gasta tudo que tem, muitas vezes diz o que não convém, faz o que não deve, julga o que não vê e gasta o que não pode.”
E vamos seguir o Papa Francisco na sua pregação de fé na humanidade, esquecendo as ofensas e mágoas dos que nos feriram, e praticando a gentileza do perdão todos os dias.

Mirandópolis, outubro de 2015.
kimie oku in

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

                               Café da manhã
    Antigamente no café da manhã tinha um bule de café quentinho, uma jarra de leite, pão e manteiga. Hoje, não! Tudo mudou.
O café da manhã ou breakfast atual tem presunto, mussarella, queijo fresco, mamão e suco de frutas além do pão, café e leite.
Como sou muito simples, contento-me com um copo de leite acrescido de um sachê de colágeno hidrolisado e uma colher de mel, e um pãozinho com requeijão light. Não tomo café e evito presuntos... Às vezes, um pedaço de mamão... O colágeno é para ajudar as articulações que estão meio desgastadas, em especial dos joelhos. O requeijão é para repor o cálcio, que o meu corpo preguiçoso agora necessita mais. E o pãozinho é para me abastecer depois da caminhada e dos exercícios matinais.
E essa refeição eu tomo   numa mureta que tem na porta da minha cozinha, enquanto o sol vem mostrando a sua cara toda vermelha e quente. Aproveito a brisa matutina.
E há um ano mais ou menos que, tenho convivas para essa minha primeira refeição do dia. São os pardais. Inicialmente, eram uns dois ou três que vinham beliscar os farelos de pão, que eu jogava no quintal... Hoje são mais de dez, que já amanhecem gritando, pedindo a comida. Ficam esvoaçando pra lá, pra cá, piando que estou atrasada. Se demoro muito, eles vêm até a mureta e alguns mais atrevidos e famintos aterrissam na mesa da cozinha. Não tem como recuar diante de tão convincentes pedidos. Antes de começar a comer, todo dia tenho um ritual: pego nacos do pãozinho e jogo no chão do quintal, onde chegam num voo rasante os gulosos bichinhos. Como gostam de pão! Pode ser doce, salgado, seco, úmido, novo, velho, recheado, sem nada... Em instantes, eles consomem tudo.  E gostam de bolos, panetones... As mães depois de se abastecerem, levam pedaços para os filhotes que esperam no ninho. E esses pipilam docemente, pedindo a refeição da manhã.
Observando esses bichinhos alados, notei num pequenininho sem cauda, que voava desajeitadamente. Achei que, por um acidente na boca de algum gato faminto, tivesse perdido as penas mais longas... E que voltariam a nascer. Mas, até agora passados meses e meses, o rabicozinho continua tal qual o conheci. Não sei se por causa da falha de cauda, sempre tive pena dele e ficava esperando a sua chegada para lhe alimentar. Pensei que deveria ter uma vida mais difícil que os outros, que voam rápidos e seguros. Acredito que as penas longas da cauda é que dão o equilíbrio para planar. No início ele voava meio desajeitadamente, sem a ajuda da cauda. Mas, qual não foi minha alegria, quando o vi descer acompanhado de um pardalzinho pequenino, pra quem ofertava as migalhas de pão. E regularmente, ele vem e leva pedaços de pão para o ninho, que deve ser no pé de sibipiruna que está na frente de minha casa. Hoje ele está gordo e voa tão desembaraçadamente como os outros. Está rechonchudo e parece mais redondo pela ausência do rabicho. Acho que de alguma forma o ajudei a criar os filhotes...
De vez em quando desce também um bem te vi, que espanta os pardaizinhos, que saem em debandada à sua chegada. Já vi pombas rondando a comida também. E andorinhas...
Tenho um prazer imenso de compartilhar meu café da manhã com os passarinhos. E as galinhas poedeiras lá do sítio que já deixaram de pôr ovos, adoravam pão.  Elas ficavam loucas quando eu lhes oferecia pão seco...
Observei também que os pardais não comem frutas. Já lhes ofereci mamão, banana, melão e maçã... Foi desperdício. Eles nem experimentaram. Estranhei, porque sempre pensei que os bichinhos se alimentavam de frutas... Ledo engano. Arroz cru também não comem. Arroz cozido é um manjar para eles, feijão cozido, tortas, bolachas... E eles nem beliscam folhas de alface e almeirão. E eu tão ignorante achava que, eram herbívoros e frugívoros. Só que no Google informam que os pardais se alimentam de grãos e frutas...
Acho que os pardais da cidade ficaram mal habituados e, como encontram facilmente restos de comida nas lixeiras, adotaram o cardápio dos humanos. Penso que isso não é correto, porque estamos desvirtuando a sua cadeia alimentar. Assim como os criadores de cães e gatos os alimentam somente com ração balanceada. Os bichos tinham a vocação de caçar seu próprio alimento, quando foram trazidos para dentro das casas dos humanos e adestrados... De repente, passaram a se alimentar da comida que os homens comem: arroz, feijão, polenta... Conheço alguém que dá fatias de queijo fresco toda manhã para o seu cão.  E até sorvete! Será isso correto?
O amor aos bichos está levando as pessoas a cometerem excessos, que podem causar mal a eles. Gostar de bicho é legal, mas transformá-los em humanos é paranóia! Bicho é bicho e humano  é humano. Quem tem essas ideias deve adotar crianças. E há tantas precisando de ajuda, de assistência. Visitem as Casas de Abrigo, que guardam crianças, cujos pais estão presos. Nem é preciso adotá-las. Visitar e dar uma assistência fará muito bem ao coração. Além do benefício de oferecer um pouco de conforto das palavras, de um abraço, de um lanche, de uma brincadeira... Essas crianças se sentem perdidas em casas estranhas, e sofrem o medo de não reencontrar mais os pais... E o número delas está crescendo, com os pais perdidos que se multiplicam em proporção aritmética, com a disseminação de drogas no mundo...
Mas, voltando aos pardais, percebi que nos sítios há tantos pássaros, mas pardais não. Tem pombas rolas, periquitos, anus, tico ticos, canários da terra, sabiás, beija flores, quero quero, pássaros pretos, fogo apagou, peixe frito, bem te vis, maritacas, gralhas, corujas... Mas, nunca vi pardais. Será que esses pássaros não gostam de campo? De vez em quando recebemos visitas de tucanos, de araras, de garças, de patos do brejo... Mas, de pardais nunca.
Gosto de ver os pardais brincando. Eles brincam nas poças de água em dias muito quentes... E brincam na areia, como se banhassem nela. E fazem seus ninhos nos forros das casas. No forro de minha biblioteca moram umas famílias de pardais. Eles não incomodam e eu os deixo lá. A salvo dos gatos famintos, que rondam pelos telhados...
Enquanto houver pardais em minha árvore, não precisarei de despertadores, pois eles começam a gritaria bem cedinho. E no forro da minha biblioteca, há sempre filhotinhos pipilando...
Sinfonia de pardais!
E isso é Vida! 
Mirandópolis, setembro de 2015.
kimie oku in