Professores de 1965...
Um
dia, a nossa amiga Regina Rosado resolveu matar as saudades de um tempo que
passou. Há cinquenta anos, quando ainda era jovem, na flor da idade e se
formara Professora...
Porque quando se é jovem e é estudante,
ninguém pensa em separação, em distâncias, em saudades... Mas, ao se formar na
Escola Normal Noêmia Dias Perotti, de Mirandópolis, cada Professor recém
formado tomou um rumo na vida e o grupo não se reuniria mais...
Mas a Regina encafifou que queria ver os
colegas de classe, que conviveram por três anos nos corredores e nas salas
daquela escola. E resolveu que traria a turma toda para um encontro...
Pensar é fácil, fazer é que são elas!
Ao contatar os amigos de perto e de longe, descobriu que alguns
já tinham partido definitivamente. Triste pelas perdas, sentiu que mais que
nunca deveria promover o encontro, antes que todos fossem embora.
E em 2015, ela conseguiu reunir grande parte dos amigos para um almoço
de confraternização aqui em Mirandópolis. Nem todos vieram porque alguns
estavam com problemas de saúde, e outros tinham compromissos inadiáveis. Mas o
encontro foi um sucesso, tanto que resolveram reunir-se também no ano seguinte.
E assim eles têm se encontrado para saudar a amizade e a vida, que lhes
proporcionou a alegria de ser professores.
E ontem, aconteceu mais uma reunião. Foi um almoço. Todos em
volta da mesma mesa, trocando notícias, contando experiências, falando de suas
famílias... Encontro tranquilo, recheado de lembranças. Lembranças também dos
que já estão em outro plano... Dos oito companheiros que foram morar no
céu.
A grande novidade foi a participação do Professor José Otávio
Zanin, que representando o corpo docente da época veio rever os ex alunos. Foi
uma alegria muito grande para todos revê-lo e ouvi-lo sobre a nobreza da missão
de Professor. E o que mais tocou a todos foi ele enaltecer os jovens de 15 anos
que terminavam o Ginásio, e ingressavam na Escola Normal de Formação de Professores
(hoje Magistério). Jovens inocentes que estavam descobrindo o mundo e, que três
anos depois se formavam Professores! Sem conhecer absolutamente nada da vida,
essa leva de professores recém formados foi encaminhada para as Escolinhas
Rurais para alfabetizar crianças!
Jovens de 18, 19, 20 aninhos inocentes, sem nenhuma experiência
da vida se viram de repente, diante de um imenso Desafio! Bando de crianças
curiosas que queriam aprender. Aprender a ler, a escrever, a calcular, a
descobrir o mundo. Mas, o Professor tão inocente como eles, mal conhecia o
mundo e nem sabia por onde começar... E a classe tinha três grupos de alunos:
do primeiro ano, alunos xucros de tudo que nunca haviam pegado num lápis; do
segundo ano que mal sabiam ler e escrever, e do terceiro ano que já lia e
escrevia mais ou menos bem. E para cada grupo um programa diferente deveria ser
desenvolvido! Enquanto o professor atarantado passava um texto no quadro negro
para o terceiro ano, os do primeiro e do segundo se engalfinhavam em lutas por
não terem o que fazer... Aí enquanto ensinava o beabá aos novatos, os do
terceiro ano gritavam: Terminei, fessora! Olha, era preciso ser malabarista
para dar conta de tudo! E no final do ano, a avaliação era feita através de um
exame preparado na Delegacia de Ensino, e aplicado por Inspetores escolares...
Eles torciam o nariz se o resultado não era bom. Mal sabiam como era difícil
ensinar a três turmas diferentes em quatro horas diárias de ensino.
Mas, com o passar dos anos, todos de uma forma ou outra deram
conta do recado! Não foi fácil para ninguém. E sabemos que a falta de tempo, a
inexperiência e a falta de orientação deixaram muitos professores frustrados.
Alguns até desistiram da profissão...
Hoje analisando o que passou, fico admirada de constatar como os
governantes entregaram uma geração inteira nas mãos de professores tão
inexperientes, tão imaturos, tão desamparados! Para os jovens normalistas recém
formados era um desafio quase que intransponível.
Na época não havia linhas de ônibus para essas escolas rurais,
ou se ia de charrete ou, morava lá em quartos de peões de fazendas, sem nenhum
conforto. Não havia eletricidade, fogão a gás, telefone, televisão, menos ainda celulares...
Professores não possuíam carro próprio... Mas, viver era preciso, ensinar era
preciso e, todos de um jeito ou outro foram superando as dificuldades, e
alfabetizaram a maioria da meninada. Tanto é que hoje há tanta gente engajada
no mercado de trabalho, porque aprenderam a ler e escrever através desses
bravos professores. O Desafio fora vencido!
Mas, voltemos à reunião de ontem.
Através dos depoimentos individuais, constatamos que todos
venceram os desafios e deram conta de outras missões - Professor que se tornou
Bancário, Professor que se tornou Reitor de Universidade, Professoras que usam a aposentadoria como
voluntárias em campanhas para o Hospital do Câncer e da AACD, Professor que
cuida da fazenda herdada, Professora que se tornou Prefeita e está pelejando
para reerguer o nosso município nesses tempos tão difíceis...Todos, todos ainda
na luta, cuidando de netos, da família e conduzindo a vida de forma organizada
e certinha.
Mais que formar profissionais de Ensino, a Escola Normal de
Mirandópolis formou cidadãos honestos, trabalhadores e dignos que mudaram
gerações e gerações de jovens através do ensino.
Talvez nunca sejam reconhecidos suficientemente, mas a
felicidade de ensinar e mostrar o caminho do conhecimento a gerações e gerações
de crianças e adolescentes é uma bênção que nunca lhes será roubada. E cada
Professor sabe que não viveu em vão, porque fez a diferença para tanta gente. Pelos
caminhos percorridos sempre deixou o exemplo da honra, do patriotismo e da
dignidade.
Porque o Professor é acima de tudo uma referência da Humanidade.
Porque o Professor é acima de tudo uma referência da Humanidade.
Mirandópolis, novembro de 2018.
kimie oku in