Revisão...
O tempo voa. A vida passa.
E tudo vai transcorrendo sem incidentes,
com algum susto aqui, outro ali. Mas, as tristezas
passam assim como as alegrias.
A nossa peleja de todo dia vai seguindo o
rumo ao desconhecido. De repente, o fim pode truncar a caminhada. E será o
inevitável C’est fini.
E enquanto avançamos, carregamos alguns
sonhos que desejamos ardentemente realizar antes do ato final. Mas, só Deus
sabe das nossas possibilidades e do nosso merecimento. Muitos morreram sem
realizar um sonho sequer, então por quê continuamos a sonhar e pensar que somos
merecedores?
Nunca pensei que conseguiria chegar a
viver sete décadas! E estou próxima de chegar à oitava! Então, muitas vezes eu
me espanto de ter tido a bênção de chegar até aqui. E agradeço todos os dias a
Deus.
Quando a gente chega no limiar da vida,
só olha para trás e refaz mil vezes a caminhada mentalmente, pensando que poderia
ter sido diferente, poderia ter cometido menos erros, poderia ter sido mais
gentil, poderia ter tido menos pressa, poderia ter usufruído mais os momentos
com os filhos quando crianças... A infância passa tão depressa...
Mas o que passou, passou. Nada se
repetirá jamais.
E quando se é jovem, sempre há uma
expectativa de que a felicidade durará para sempre, que os caminhos não se
dividirão, que os filhos não irão embora, que a harmonia será constante...
Ledo engano. Quando os filhos se tornam adultos, nós os pais
passamos a ser a parte descartável da família, que um dia deverá ceder espaço
para os novos, assim como esses mesmos novos um dia darão espaço para outros...
Então, os anos vão nos aproximando mais e mais da reta final, e
nessa caminhada aprendemos que nada se leva desta vida. Só o que couber no
coração.
Antes eu tinha sonhos. Sonho de possuir uma casa maravilhosa,
segura e bem confortável. Hoje vejo tanta gente poderosa com residências
belíssimas, mas tão sós, tão infelizes... Casas recheadas de coisas douradas,
que parecem moradas do Sol... mas habitadas apenas pelo silêncio de amigos, de
netos e parentes ausentes, sempre ausentes... Bens dourados e prateados não
substituem vozes e risos de crianças. Casas perfeitas, maravilhosas com quadros
belíssimos, sempre limpas que mais parecem museus...
Então abdiquei de meus sonhos materiais. Não almejo possuir o
carro do ano, não quero títulos de honraria, não quero postos de comando, não
quero ser autora de best sellers, não pretendo ser exímia pianista, não preciso
de dólares, de marcos, nem de euros. Se os possuísse em quantidade, ficaria
tensa de medo de ser assaltada e minhas noites seriam todas de pesadelos. Quero
paz. Só paz.
Então, me restou apenas um sonho.
De cumprir bem o meu destino. De continuar a ser a lavradora que
mora no meu íntimo, plantando e cuidando dos limoeiros, legumes e flores; carpindo
o mato que insiste em afogar minhas plantinhas, e agradecer de coração a chuva
e o sol que nunca faltam.
Destino de ouvir os passarinhos que não se cansam de cantar ou
chorar. Destino de apreciar o verde dos campos, de apreciar a florada que
sempre se repete enchendo o espaço com seus perfumes.
Destino de escrever o que der na teia e abrir o meu coração. De
entrar em sintonia com amigos que comungam as mesmas ideias.
Destino de apreciar o que é belo e inocente.
Destino de ser apenas mais uma criatura de Deus.
Que só tem a agradecer a bênção da vida.
Mirandópolis, fevereiro de 2019.
kimie oku in