sábado, 31 de dezembro de 2011


             OSHOUGATSU–dia de ano novo
(memórias)
             Todo início de ano é a mesma coisa. Reunião de família, comida, muita comida, um converseiro só e bastante esperança. Esperança de, superar no novo ano, tudo que ficou sem resolver.
             É assim com todo mundo.
               Sempre que amanhece o primeiro dia do ano, crianças “pedem” boas festas de ano novo, para receber guloseimas.
             Como fui criada no sistema japonês, nunca saí por aí, fazendo isso. Fui criança nos anos do pós-guerra, de 1945 a 1950. E a lembrança que tenho desse tempo é que, o oshougatsu ou dia de ano novo, era comemorado pelos imigrantes do Japão, de forma totalmente diferente.
             Morávamos numa comunidade de japoneses e tudo era feito em conjunto. E na época, ainda predominava o culto aos Imperadores do Japão, culto fortalecido com a tristeza da derrota na guerra. Os japoneses aqui residentes, reverenciavam
os monarcas japoneses, como se fossem deuses. E tentaram passar esse sentimento para nós, crianças.
             Logo de manhãzinha, quando clareava o dia, todos os chefes de família, e seus filhos homens vestiam-se de ternos, e se reuniam num barracão, ou tulha de algum vizinho.
           Ali, diante das fotografias dos imperadores Hiroito e Nagako, e da bandeira vermelha e branca , realizava-se uma cerimônia solene de súditos, jurando fidelidade ao Japão. Naquela época, todos os imigrantes achavam que, estavam só de passagem no Brasil. A pátria, sem dúvida nenhuma, era o Japão. O Brasil era apenas uma terra emprestada, temporariamente.
             Se não me falha a memória, a cerimônia  constava de discursos, enaltecendo as figuras dos Imperadores, e relembrando sempre a pátria distante. Era um ritual rápido, com a entoação do Hino Nacional do Japão:  “kimiga yoowa/ Chiyo  ni/   Yachiyoni/  Sazare/   Ishino /  Iwao to narite/ Kokeno/  Mussu made....” traduzindo:  “Que o reinado dos Imperadores dure até que, os rochedos se transformem em seixos, cobertos de musgos” (eternamente)
             É claro que nós , as crianças, também entoávamos o hino, sem saber o significado, e depois quando se davam  os vivas, ficávamos contentes, porque  a comemoração chegava ao fim. Os vivas eram: “Banzai, Tenno Reika !”... “Banzai, Kogo Reika!” ... “Banzai, Nippon!” ....”Banzai, Oriente Shokuminchi” ou, Viva o Imperador, Viva a Imperatriz, Viva o Japão, Viva a Colônia Oriente!
             Depois desses vivas repetidos várias vezes, alguém começava a distribuir os manjus, os motis e balas. Era o melhor momento da reunião para nós, crianças.
             Os adultos homens sentavam-se em volta de uma mesa, repleta de coisas gostosas, e saboreavam a culinária japonesa. Depois, iam de casa em casa, cumprimentar as famílias e desejar um bom ano para todos.
             Lembro  ainda que, entre os pratos enfileirados, contendo  sushis , nishimê, ozooni e pedaços de toofu servidos com shoyu, havia também leitoas assadas inteiras , assim como frangos dourados, crocantes... Nesse dia, todos se alimentavam bem, pois se dizia que, quem passasse fome nesse dia, passaria necessidade o ano inteiro. Tudo era motivo para se encher a barriga.
             Hoje, relembrando aquele tempo que passou, vejo que nada restou desses costumes tão inocentes, dos japoneses.
Cultuar uma pátria distante...cultuar Imperadores que nunca ninguém  conhecera ... manter costumes de outro mundo... não há sentido nisso. Por isso, tudo se perdeu ao longo dos tempos...
             E acabamos adotando os costumes da Terra. E foi bom, porque não há sentido em consumir comida com temperos de uma região gelada, já que lutamos todos os dias, para sobreviver ao calor tórrido dos trópicos.
             E não há sentido em cultuar governantes de outros países, se é aqui   que sofremos, se é aqui que a inflação não perdoa, se é aqui que pelejamos todos os dias.
             E não há sentido fingir que, o Brasil é terra emprestada, uma vez que os nossos pais estão enterrados neste solo, para sempre. E nossos filhos e netos são totalmente brasileiros, assim como nós.
             Sei que muitos desses costumes vão prevalecer, pois origem é origem. E comer um sashimi de vez em quando é muito revigorante. E falar em japonês não faz mal a ninguém, porque  cultura é cultura.
             Mas tudo isso já virou moda abrasileirada.
             E é por isso que gosto de, lançar de vez em quando, umas palavras japonesas como  esse “oshougatsu”.
             Mesmo porque, há palavras que têm um significado especial para nós, descendentes de japoneses.
             Palavras como "Shinnem akemashite omedetou gozaimasu" , ou Feliz Ano Novo!
            E Arigatô!

       Mirandópolis, 1° de janeiro de 2012.
        kimie oku                    (cronicasdekimie.blogspot.com)
             

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

PERFEIÇÃO - crônica

                            
        Conheci certo diretor de Escola que, volta e meia mandava consertar as portas dos armários dos Professores.


       Eram armários bons de aço, dotados de puxadores firmes e chaves duplas. Mais ou menos com seis meses de uso, algumas portas se emperravam, as chaves travavam e era uma queixa só.
       Aí, vinha o chaveiro que punha tudo em ordem. E o Diretor dizia: “- Daqui  seis meses, vou precisar de seus serviços de novo”
       E assim era . As mesmas portas, dos mesmos professores sempre apresentavam problemas.
       Um dia, perguntei a razão de acontecer sempre com os mesmos professores.
       E o Diretor: “- É que  as pessoas têm muita pressa, e sem encaixar direito a chave, giram-na pra lá, pra cá, forçando-a. Outras vezes, fazem isso com raiva, e não há chave que agüente” Um simples detalhe, que pode causar transtornos.
Transtorno maior, se ocorrer  com a própria casa...
       Mas, o Diretor nunca disse nada aos professores afobados. E continuou chamando o chaveiro.
       Ensinar professor a usar chaves?  Nem pensar!
       Todos os anos,  os meios de comunicação informam que, as grandes montadoras de veículos convocam, os proprietários do mais novos carros, para um “recall”
       Isso era um fato insólito, há vinte anos atrás.
       Quando os primeiros “recalls” ocorreram, os Diretores de famosas empresas quase se prostraram de joelhos, pedindo perdão pelas falhas. Errar era tabu.
       Hoje, até isso virou rotina. Tanto é que muita gente  evita comprar os carros recém-lançados, por causa dos eventuais problemas. Só os adquirem após o recall. O mais recente caso ocorreu com a renomada Empresa Toyota.
       Por quê ocorre isso?
       Porque em todos os setores há homens trabalhando, e dentre eles, há os que “executam as tarefas apenas pelo salário”
Não pensam e nem querem pensar que, uma peça mal feita ou mal encaixada pode provocar acidentes.
       Trabalhar pelo salário.
       Há gente que ganha demais pelo “serviço matado”. E fica ofendida se o chefe lhe chama a atenção... “pelo que ganho...”
       Depois que inventaram a fórmula de “dar um jeitinho”, apareceram “profissionais em serviço marreta”, em todas as áreas. Em conseqüência disso, hoje há roupas que se descosturam na primeira lavada; paredes que desabam antes mesmo de concluir a obra; carros que não brecam; aviões que perdem asas, remédios que não curam nada; telejornais que veiculam notícias falsas, e por aí vai...
       O que está acontecendo com a humanidade?
       Para onde foi aquele sentimento de nobreza, que fazia o profissional executar sua tarefa, com orgulho?
       Para onde foi aquela costureira, que costurava com tanto capricho, que  mirava a obra pronta, com satisfação?
       Para onde foram os pedreiros, que trabalhavam cuidadosamente na construção, sem transformar a rua toda em canteiro de obras?
       Para onde foram os professores,  que se preocupavam com os problemas de seus alunos, e ajudavam os pais a resolvê-los?
       Para onde foram os médicos que, olhavam o paciente com atenção, e o examinavam pessoalmente? Hoje só olham os exames...
       Muitos trabalhadores pensam que, cometer uma pequena falha e deixá-la passar, é normal. E assim, vão cometendo pequenos deslizes, que irão pouco a pouco,  revelar o profissional incompetente. O próprio indivíduo fecha os olhos para seus erros, mas a sociedade observa e o condena, silenciosamente.
       Não é por acaso que, alguns profissionais se destacam.
É que também foram principiantes, e também cometeram enganos. Mas, a cada dia, procuraram corrigir  suas falhas, evitando cometê-las de novo, aperfeiçoando-se sempre.
       Conheci certo Capitão do Exército Nacional, que dizia  todos os dias para seus soldados; “Aprenda com o erro dos outros. Não é preciso você errar, também.”
       O trabalho é um valioso instrumento, para polir o coração do homem. A cada dia, é possível fazer melhor.
       E isso é a busca da perfeição.
            
   Mirandópolis, agosto de 2010.
                       kimie oku                    (kimieoku@hotmail.com
                          

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011


PATERNIDADE

Era um casal sem filhos.
O maior sonho do homem era ser pai, ao menos uma vez na vida. Esse sonho ele o acalentava há anos.
Seu vizinho tinha uma porção de filhos. Todo ano, nascia mais um. E o homem vendo e, sentindo mais e mais o desejo de ser pai. E Deus não lhe concedia essa bênção.
Um dia, nasceu mais uma criança na casa vizinha.
Mas, por um desígnio de Deus, o recém-nascido faleceu.
Os pais da criança morta eram pobres, e não dispunham de recursos para fazer um funeral, porque  havia muita boca para alimentar.
Vendo a dificuldade do vizinho, o homem que não era pai, pediu o corpo da criança.
E o vizinho: “- Pra quê? Está morto!”
“- Se você me der a criança, cuido do enterro”
O vizinho acabou cedendo.
O homem levou o menino sem vida para a sua casa, e cuidou do velório e do enterro, como manda o figurino.
Passado um tempo, o homem encomendou um túmulo, e na lápide mandou inscrever o nome da criança, como filho seu e de sua esposa.
E muito satisfeito, disse para o verdadeiro pai:
“-Agora, sim me tornei um pai de verdade. Valeu a pena ter vindo a este mundo!”

post scriptum : história ouvida numa sala de espera
Mirandópolis, qualquer dia de 2006.
Kimie oku
(kimieoku@hotmail.com)

PERNAS -crônica


                                                                                            
                Tenho percebido ultimamente que, muita gente está com problemas nas pernas.
                Há tanta gente com dores nos joelhos, nas pernas, nos pés... com dificuldade para se locomover. Gente que manca de um pé, que arrasta uma perna, que se apóia  em bengalas, no ombro de alguém , que usa muletas, aparelhos, cadeira de rodas, andadores...  sem contar com os que não se locomovem,  nem com a ajuda de aparelhos  e estão definitivamente acamados.
                O homem é um ser caminhante.
                Como toda espécie animal, andar ou locomover-se é uma de suas características. Característica, que as plantas não possuem, excetuando as rasteiras e trepadeiras, que se movem, mas não tão livremente.
                A teoria da evolução da espécie humana prega que o homem andava de quatro, como os símios e que, pouco a pouco ele levantou a espinha dorsal e se firmou sobre as patas traseiras , tornando-se bípede.
stock vector : Human – business evolution                 Será que essa mudança foi muito forçada, será que andar de quatro era mais correto?
               Há que se pensar, pois hoje vemos como as duas pernas estão sendo acrescentadas por
 muletas, andadores, cadeiras...
                Há quem diga que o desuso das pernas  as tornou inválidas; desuso por  andar só de carros, motos...
                Há quem  pregue que, o peso por excesso de gordura sobrecarregou os joelhos, os tornozelos, os pés...
                Há também os que pregam  o“Cooper” – caminhar todos os dias, para ativar a circulação, e manter as pernas e o corpo saudáveis...
                Há tanta avaliação diversa.
               Mas, qual é a mais correta, eu não sei. Sei apenas que, há gente demais sofrendo para andar até a esquina, para ir até o Banco, até o Hospital. E sei que isso  é uma tortura atroz, porque ir e vir  livremente significa independência, felicidade de cada indivíduo.
                Ninguém gosta de depender de outro, de não ser auto-suficiente, de não poder dirigir sua própria vida.
                Ser independente é poder sair e ir onde  e quando
quiser, parar para falar com alguém, descansar à sombra de uma árvore, apreciar uma vitrine... não poder fazer isso é não ser livre.              
                Como a teoria de Darwin não previu o retrocesso, isto é, voltar a ser quadrúmanos como éramos antes, acho que o jeito é cuidar das pernas, para que elas suportem  nosso peso, e obedeçam ao nosso comando.
                Cuidar como?
                Protegendo-as com calçados confortáveis, não as sobrecarregando com peso excessivo, e procurando mantê-las
sempre saudáveis, pois isso significa liberdade.
                Pernas, pra que as quero ?

                Mirandópolis, 24 de janeiro de 2010.
                                       Kimie oku
                               (kimieoku@hotmail.com)
 SABEDORIA






   Outro dia ouvi de um amigo que sua  nonagenária  avó já  falecida, costumava dizer  que não se deve pelejar em terra  ruim, insistir com quem  não quer, e  amar  a  quem não nos ama.
Essas idéias de uma senhora simples, que não era nenhuma filósofa, me impressionaram bastante.
Que herança  sábia ela deixou para os seus !
Realmente, pelejar em terra ruim é pura perda de tempo, porque nada vinga em terra infértil. É como pregar para surdos, ou melhor para quem não quer ouvir.  Já testemunhei, tantas  mães explicando certos procedimentos para os jovens, mas eles não escutam, e tratam o assunto com tão pouco caso.
   Vejo a displicência com que muitas meninas atendem aos pedidos dos adultos, como se fossem pessoas importantes demais, para  lhes dar atenção. E os adultos preocupados  com a vida delas , continuam pregando, corrigindo, aconselhando, se humilhando.
Tudo em vão. Perda de tempo.
Esses jovens fadados  a um destino duro e problemático, não percebem que  a pregação é por amor, para evitar que tropecem e caiam nos caminhos da vida. Mas, eles preferem os seus métodos, as suas táticas, os seus erros, as suas cabeçadas. E acabam construindo um  destino infeliz, para si e para os seus.
  Até a Bíblia tem uma parábola em que o semeador saiu a semear. As sementes caíram em diversos solos: em terras áridas, sobre rochedos duros, sobre espinheiros, junto de  aves que as comeram, não permitindo que germinassem.
 E só nasceram as sementes que caíram em terras férteis, já denunciando há milênios, que é inútil semear e pelejar em terra ruim.  (A avó estava certinha)
  A relação humana é de fato muito difícil, porque as pessoas não se desarmam, não abrem o coração para ouvir o outro. A desconfiança e a má vontade permeiam  os contatos do dia a dia, estragando  até uma  união, que prometia uma vida saudável a dois.  
  Insistir com quem não quer. Como fazemos isso todos os dias ! Com os filhos pequenos para que comam verduras, que não masquem chicletes; com os adultos para que deixem de fumar, de beber, de consumir porcarias...
  E essa, é uma das artimanhas dos vendedores  através do telefone, oferecendo cartões de crédito, seguros de vida, de casa, de carro, enfim, oferecendo coisas que ninguém quer. E os vendedores de loja que, têm que atingir certa quota estabelecida pelo patrão, como insistem em empurrar produtos, que não     nos interessam .
  Nós mesmos, às vezes insistimos convidando pessoas para participarem de eventos, de  reuniões, de festas, que muitas vezes acabamos ouvindo : "É, eu fui porque você insistiu tanto, mas ..."
 E como diz esse mesmo amigo, que herdou os conselhos da avó: “Deixe quieto quem não quer, talvez prefira a tristeza de sua solidão... porque na pior das hipóteses, ele sempre  terá um motivo  para  se queixar...”
    Amar quem não nos ama.
    Isso todo mundo faz. Não tem jeito.
    Se  todos  amassem só  quem os ama  não  haveria
desentendimentos, separações, desquites, divórcios.
    A vida seria uma maravilha ! 
   Os filhos, quase sempre, percebem que amavam seus pais quando eles se vão. Muitos filhos passam a vida toda, sem corresponder ao carinho dos pais, e quando acordam é tarde.
    Mesmo casais, de longa convivência de mau humor mútuo,  só percebem  que na relação havia amor, quando se separam e ficam sós. No cotidiano,  tudo parecia desamor pela má vontade, pela falta de atenção, por falta de interesse. A rotina da vida comum parece embotar  as expressões de carinho.
     E quando chega a solidão de viver só, de  ter a casa vazia... só então percebe que o outro preenchia um espaço importante em sua vida.
     Mas o ser humano tem o livre arbítrio.       
    Por  isso ele pode escolher se, vai  pelejar  em terra ruim, se quer insistir com quem não quer, se vai  amar a quem não lhe ama.
    O sofrimento também é de livre arbítrio.
               
                         Mirandópolis, novembro/2011
                                                          kimie oku
                                  (kimieoku@hotmail.com)         

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

GENTE DE FIBRA - PEDRO SQUINCA


             Hoje quero contar sobre Pedro Squinca.
        Pedro  Squinca,    essa      figura elegante de chapéu branco
 e óculos de sol, nasceu  há 78 anos   em     Paraíso,        perto de Catanduva.
      Veio para Mirandópolis em 1937.
Nunca se casou,  e é pai de 5  filhos, que  trabalham como Bancário, Caminhoneiro, Agente da FEBEM, 
 Farmacêutico, e  Professor de Faculdade.
     O senhor Squinca começou a vida na roça, com os pais.  Veio para a cidade e passou a ser corretor de carros, de imóveis, de boiadas e de fazendas.
    Na sua juventude foi amigo e companheiro de bar do senhor Manuel Alves de Ataíde,    
                                                            o fundador de Mirandópolis.
      Naquela época, o local onde está a Praça Manuel Alves de Ataíde, era uma pastagem de gado.  
E ali perto, onde há uma sorveteria, havia um bar, onde
 o sr.  Pedro ia tomar cerveja com o sr. Ataíde. 
Este só tomava cerveja Caracu, e ficava alterado
 quando bebia muito. 
Mas, normalmente, o sr. Ataíde era um homem simples, de paz.
      Como era atirado nos negócios,
 o sr. Squinca ficou rico,
 tornando-se proprietário de sítios, casas e até do Hotel Esplanada de 22 quartos,
 em Guararapes.
      Nessa fase de sucesso, seu nome foi até cogitado para candidato a prefeito de Mirandópolis, mas não passou disso.
      Seu Pedro estava rico, era benquisto, e feliz.
      De repente, porém, tudo foi 
por água abaixo.
      Numa desavença no antigo Bar Marabá, Pedro deu dois tiros num cidadão e foi preso.
 O cidadão não morreu, mas Pedro ficou 58 dias detido.
      Após três audiências, Pedro se irritou 
com a morosidade  da Justiça e, caiu fora.
 Foi para São Paulo e trabalhou por oito anos, 
como motorista de táxi e de caminhão.
 Nessa fase, morou com a famosa 
dupla caipira Tonico e Tinoco, num ônibus de circo,
 no Parque do Chave , em São Paulo. 
 A dupla não era famosa, ainda.
      Trabalhou também  no Rio e  em Curitiba, 
sempre como motorista. 
Por fim, ficou ainda uns cinco anos correndo da Justiça, de cidade em cidade, em Mato Grosso.
      Só voltou a Mirandópolis, quando o processo que lhe moviam havia  prescrito.
 Mesmo porque, o homem que era o pivô de toda essa história, fora morto anos antes,
 por outro cidadão.
      Quando voltou, Pedro Squinca era outro homem. 
Bebia e fumava muito.
 O que mais lhe doía,  era ter perdido junto com
todos os seus bens,
 o crédito que ele tinha conquistado na praça.
 Daí, passara a beber muito e perdeu o rumo na vida. 
Não tinha mais vontade viver.
      Um dia,  pediu ajuda a Deus. 
E Nossa Senhora de Aparecida lhe atendeu.
 E parou de beber
    há  27 anos.
       Mas, de tanto fumar , perdeu a fala. 
Certa vez, desmaiou, por não conseguir respirar. 
Quando perdeu a consciência, já quase morrendo
 teve um acesso de tosse, e conseguiu expelir
uma rolha de nicotina, que lhe obstruía 
as vias respiratórias.
      Recuperou a vida e a fala.
      E nunca mais fumou.
      Hoje, ele é um homem tranqüilo.
Só lamenta não ter tido a chance, de  ser 
Prefeito de Mirandópolis.
      Mora sozinho, compõe música, toca violão e canta .
 E é feliz.
      Pedro Squinca venceu todos os contratempos da vida.
 Venceu a bebida e o cigarro.
      Pedro Squinca, gente de fibra!

            Mirandópolis, abril de 2011.
                   Kimie oku
                (kimieoku@hotmail.com)

       crônica - INTOLERÂNCIA

  Li em alguma parte da Mitologia Grega sobre o leito de Procusto.
  Procusto era um terrível fora da lei, bandido mesmo, que se escondia nas matas da Grécia antiga.
  O que o diferenciava de outros facínoras, era a sua mania de atrair os cidadãos incautos, que por ali passassem a caminho de seus destinos.
 O bandido fingindo-se gentil hospedeiro, convidava as pessoas para partilharem de seu cantinho. Oferecia-lhes comida e abrigo. E mais, instava que usassem a sua própria cama. Essa cama era de ferro reforçado, feita na medida de seu corpo, nem mais, nem menos.
 Os viajantes cansados da jornada, e encantados pela inesperada atenção de um estranho, acediam ao convite.
 Se os visitantes eram maiores que a cama, o bandido lhes decepava as partes que sobravam. E se eram menores, ele os esticava para preencher a cama.
  Ninguém sobrevivia.
 Essa prática terrível já durava um bom tempo e ninguém conseguia pegar o malfeitor. Até que um dia, apareceu Teseu, vindo de Atenas, que prendeu Procusto de atravessado na cama. E lhe cortou as pernas e a cabeça, que nela não couberam.
  Fê-lo provar do próprio martírio que ele  infligira a tantos outros.
 Que lição podemos tirar dessa lenda?
 A Humanidade, especialmente a Igreja, a Santa Igreja Católica construiu ao longo de seu reinado, camas iguais de Procusto. Camas que, determinavam “em nome de Deus”, comportamentos sociais, políticos, religiosos, morais, afetivos e até familiares... e foi eliminando  as partes ou cristãos, que não se encaixavam. Lembrem-se das fogueiras nas praças públicas, onde milhares de pessoas foram queimadas vivas, a título de bruxaria, de possessão do demônio, só porque eram diferentes.
Lembrem-se  de centenas de milhares de nossos primeiros habitantes, que foram  exterminados porque não aderiram  à catequese dos Anchietas e Nóbregas, e demais jesuítas. E de  milhares de nativos em outras terras, que tiveram o mesmo fim, pela mesma razão.
 O reinado de terror de Procusto não passou.
 Muitas vezes, agimos como o bandido, estabelecendo padrões nossos de comportamento, e condenando os que  fogem deles.  Outras vezes, somos os viajantes que, caem nas armadilhas do politicamente correto, dos padrões da moda atual, dos padrões sagrados da religião.
 E tudo isso torna nossa vida pesada, um fardo duro para se levar.
 Às vezes, nosso intelecto cria aberrações, querendo chegar à perfeição – é como se quiséssemos encaixar um objeto quadrado numa forma esférica, ou vice-versa. Não encaixa, não serve. Descarta-se. E isso se faz muito na escola.
  Mas, o homem nasceu livre.
 Livre como as andorinhas, as borboletas e demais seres vivos.
 Livre para ser um sábio ou um ignorante.
 Livre para ser  Presidente ou Subalterno.
 Livre para ser Aluno ou Professor.
Livre para ser Paciente ou Médico.
Porque Presidente, Chefe, Diretor, Mestre, Doutor, Secretário, Ministro ...são meras palavras. Palavras inventadas para designar funções, frente ao grupo.
Ninguém com esses títulos tem aura divina, nem auréola de arcanjo.
Porque Divino só Deus.
Numa revoada de andorinhas não há Presidentes, nem Secretários, nem Ministros e nem Tesoureiros. E o grupo voa em perfeita harmonia, sem escalas sociais, que tudo isso é bobagem, babaquice.
Porque todos os pássaros, todos os grãos de trigo, todas as pedras dos caminhos cumprem sua função, sem nunca tentarem ser melhores , nem mais perfeitos que outros.
Então, pra quê camas de Procusto?

  Mirandópolis, novembro de 2010.
                kimie oku

            (kimieoku@hotmail.com)

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

GENTE DE FIBRA - OROZINO P. DA SILVA


         Esta coluna irá divulgar a história de cidadãos que, no anonimato, construíram esta cidade. Gente simples, que levou a vida toda trabalhando e, servindo ao povo, sem nunca receber uma homenagem.
        Hoje, o destaque é o senhor Orozino Pereira da Silva.
Orozino é aquele cidadão que, durante anos,serviu a população com seus deliciosos churrasquinhos, na esquina da 9  de  julho com a João Domingues de Souza.
        Nasceu em Bepitanga, Bahia, há 77 anos, e reside em Mirandópolis desde 1961.
        É pai de dois filhos, uma é a bela Sandra,que trabalha  num Supermercado local.
        Orozino trabalhou na lavoura  de café em Rubiácea e,em  Aparecida  do Oeste.
        Depois, foi balanceiro no Arroz Minari, pesando o arroz que era descascado nas máquinas.
        Trabalhou também no armazém da extinta Casa Moreira. Foi empreiteiro de sacaria, isto é, carregava e descarregava caminhões  de carga.
        Mas, o serviço duro e pesado desgastou a sua coluna vertebral e teve que parar  com  essa ocupação. Daí, para não ficar parado, virou Mascate, isto é  passou a comprar e  vender
 roupas, oferecendo-as nos sítios e fazendas de  Lavinia, Mirandópolis e Guaraçaí.
        Quando essa fase passou, Orozino se   armou de um carrinho e passou a vender  churrasquinho, ficando nessa atividade, mais ou menos quinze anos.
        Foi a melhor fase de sua vida. Conquistou amigos, muitos amigos, que não resistiam aos deliciosos espetinhos, envoltos em farinha de primeira. O pessoal brincava  dizendo “Me dê um churrasquinho de gato”
Orozino só ria, porque a carne  era de boi mesmo, e era sempre contra-filé.
Hoje, Orozino não vende  churrasquinho mais. A saúde precária não lhe permite mais esforços.
É um homem sem ambição.
Vive em paz com a gentil companheira Maria Prando Menegati, com quem divide a alegria de viver. Está sempre cercado de netos, vizinhos e amigos.
Orozino, gente de fibra!

  Mirandópolis, abril de 2011.
                     kimieoku

RECADO  PARA QUEM  NÃO  ENXERGA

É claro que, quem não enxerga não poderá ler este recado. Mas, alguém poderá transmitir a ele ou a ela.
A Biblioteca Municipal Profª Silvina  Viana Falaschi, de Mirandópolis tem em seu acervo, um material de literatura para cegos. São CDs. contendo romances famosos da Literatura Brasileira.  As histórias são em áudio, lidas por um ledor de voz clara e firme, e narradas, capítulo a capítulo. Os títulos são:
A Cidade Ilhada de Milton Hatoum,
O Cortiço de Aluísio de Azevedo,
Vidas Secas de Graciliano Ramos,
Capitães de Areia de Jorge Amado,
Memórias de um Sargento de Milícias de Manuel Antonio de Almeida e ainda, o
Dicionário Michaelis Inglês/Português.
Na verdade, são livros falados em C.D.s,  produzidos nos estúdios da Fundação Dorina Nowil para Cegos, e levam o carimbo “para uso exclusivo de deficientes visuais”
Poderão, no entanto, ser utilizados também por pessoas, cuja visão não permita mais, uma leitura continuada de livros.
Além desses CDs. , a Biblioteca recebeu ainda,  livros de Literatura Infanto- Juvenil em Código Braille. São livros ilustrados, que o leitor poderá ler pelo tato,  e mesmo que não  conheça o Braille, pedir que alguém os leia em voz alta.
São livros muito bonitos, que poderão proporcionar momentos de encantamento, a quem não dispõe  de nenhum recurso para o seu lazer.
Os títulos são:
O Umbigo   de João Proteti,
Quero ser Rico de Álvaro Modernell  e
A Dança das Cores de Luís Pimentel.
Ultimamente, fala-se muito em inclusão social e, sabemos
da limitação dos cegos, para se inserirem na sociedade. Mesmo tendo a deficiência visual,  todos querem ser incluídos, porque
a ausência da visão não torna ninguém anormal. E no mundo competitivo de hoje, é preciso preparar o cidadão com todos os recursos disponíveis, para garantir sua sobrevivência.
E um dos recursos imprescindíveis é a cultura.  Mesmo                                   a  própria fundadora do Instituto, Dorina Nowil  foi um exemplo de mulher buscando conhecimento, e dedicando-se a proporcionar cultura e lazer às pessoas limitadas, como ela.
Hoje, com o avanço da tecnologia, é possível proporcionar um pouco mais de lazer às  pessoas que, por uma predestinação, foram desprovidas do poder de enxergar.
Cabe às famílias, abrir o caminho e estabelecer a ligação de seus entes queridos, com a Biblioteca.
Todo o material acima citado está  à disposição na Biblioteca Municipal profª  Silvina Viana Falaschi,  à rua João Domingues de Souza nº 239, Mirandópolis – fone 3701 3605.
Que os recursos sejam úteis e não fiquem esquecidos nas estantes. E que este apelo não seja ignorado pelos que enxergam.

Mirandópolis, 26 de dezembro de 2011.
Kimie oku

LITERATURA - SEGREDO


 Andorinha no fio

Escutou  um segredo.
  Foi à torre da igreja,
 Cochichou com o sino.
E o sino bem alto  
 Delém - dem    
 Delém - dem 
 Delém - dem                             
 Dem -  dem. 
Toda a cidade ficou sabendo.

Este é um dos poemas que aprecio muito, pela  simplicidade da mensagem  tão evidente, que nem é preciso comentar. Usando símbolos do cotidiano, a poeta conseguiu representar a cena tão comum, de propagação de uma fofoca.
Assim, a poetisa Henriqueta Lisboa  (Lambari, Minas,1901/ Belo Horizonte, 1985) se expressava. Com poemas simples, que diziam o essencial, sem utilizar frases complicadas e nem termos difíceis.
Escreveu também,  poemas  muito tristes, abordando  sobre a morte, pela qual parecia ter uma obsessão mórbida. Sua fala é de uma alma solitária, sem esperança, como  na  Canção
Noite amarga
Sem  estrela.
Sem estrela
Mas com lágrimas.

E  adivinha-se uma solidão, uma tristeza infinita nos poemas,  quando falam de maternidade.(desejo não  realizado?)
Por outro lado, há uma
produção lindíssima sobre Chico Rei,  e  sobre a riquíssima   decoração da Igreja  de Santa Ifigênia

A igreja de Santa Ifigênia
Era pobre, pobre, pobre.

As pretas que escavam minas
Põem ouro nas gaforinhas.

Gaforinhas toucas ásperas
Transformadas em bateias,
Todas as tardes se inclinam
Sobre a pia de água benta.
Santa Ifigênia do morro
Ficou rica, rica, rica.

Usando da artimanha de passar as unhas nos cabelos, as escravas que trabalhavam nas minas conseguiram o ouro, que o Chico Rei usou para decorar a igreja dos negros. São histórias contadas pelos guias aos turistas, que vão a Ouro Preto, conhecer suas centenárias igrejas.
Outro poema muito belo  é   Os lírios

Certa madrugada fria
Irei de cabelos soltos
Ver como nascem os lírios
Quero saber como crescem
Simples e belos – perfeitos!
Ao abandono dos campos.



Mas os poemas mais belos ainda, são os que ela escreveu para as crianças na obra O menino poeta, onde entre outras, ela deixou preciosidades como  Mamãezinha, Coraçãozinho, Ciranda das mariposas, A ovelha,
Pirilampos...
Henriqueta Lisboa, professora, poeta, ensaísta, tradutora, alma solitária e triste, que soube tão bem traduzir em versos, os   sentimentos mais profundos.
Grande poeta, que permanecerá para sempre, associada á  imagem de uma andorinha...
Henriqueta Lisboa , poeta andorinha.

Mirandópolis, 26 de dezembro de 2011.
Kimie oku
( kimieoku@hotmail.com)