domingo, 30 de novembro de 2014

                               Última Cirandada de 2014


Em todos os Encontros dos Cirandeiros falta muita gente, não porque não queiram participar. Como o grupo é formado por pessoas idosas, sempre há algumas com problemas de saúde, que as impedem de comparecer. É uma consulta médica, uma hora com o dentista, a perna que dói, um mal estar súbito... um compromisso com a família...
Mas, o interessante é que sempre, alguém que supúnhamos esquecido de repente comparece, e leva muita alegria para todos.
       Na Ciranda de sexta-feira passada, faltou a anfitriã Cleuza por motivo de viagem repentina, mas o seu esposo fez as honras da casa. Além disso, o seu Albertino levou um bom pandeirista para animar a festa, o jovem Agnaldo. E o violeiro Moacir levou o João sem-terra, que gosta muito de cantar.
 
      E assim o grupo de músicos estava formado: Seu Albertino no acordeão, o Moacir no violão e o Agnaldo no pandeiro. E como sempre os cantores de plantão soltaram as vozes, formando um coral afinado e bonito.
Como o dia prometia mais chuva, perguntei aos cirandeiros se estão coletando água de chuva, para economizar a da torneira. E constatei que grande parte está.  A consciência de que é necessário poupar água está bem forte no grupo. O tempo mudou para um chuvisqueiro fraquinho, mas o calor foi intenso. Graças a Deus, tem chovido muito no município.    
         E o pessoal que compareceu foi bem animado, cantando e dançando sem parar. E enquanto uns cantavam e dançavam, ouvi lindos depoimentos de amigas, que moram sozinhas, dizendo que suas vidas deixaram de ser tão tristes, porque agora têm amigos. E choraram agradecendo a oportunidade de participar desse grupo. Percebi então que, a Ciranda nunca poderá encerrar suas atividades, porque é a alegria de tanta gente solitária. E pelas fotografias que estão anexo dá para perceber a interação simples e tranquila, que ocorre entre os amigos que se vêm uma vez por mês.
Entre uma rodada e outra de cantoria, foram servidos salgados e bolos, acompanhados de refrigerante. A comida era farta.
         Depois de brincar de roda com os cirandeiros rodando e cantando, a tarde se foi e todos foram embora com alma fortalecida com mais energia.
         Esta foi a última reunião do ano, porque no mês de dezembro é difícil  juntar o pessoal, por causa dos compromissos de final de ano, compromissos com os familiares e viagens. Mas em janeiro tem mais!


         Mirandópolis, novembro de 2014.
         kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/




quinta-feira, 20 de novembro de 2014



     Cocaína, dinheiro e celulares
     O que move o mundo hoje?
   Ouvindo o noticiário diariamente, concluí que o trabalho, a dedicação, a competição para realizar bem as tarefas saíram de moda.
Antigamente, para conseguir uma vaga num bom trabalho, havia quesitos importantes, que hoje estão totalmente esquecidos. Era fundamental ter além dos conhecimentos da área em que se queria atuar, ser honesto, dedicado ao extremo e saber lidar com as dificuldades próprias da atividade. E não havia treinamentos, não! A gente saía verdinha da Escola Normal (hoje Magistério), sem saber como lidar com as quarenta crianças que enchiam as salas de aula, chucrinhas da silva, porque nunca haviam pegado num lápis em suas vidas... Sim, era escola lá nos cafundós, onde Judas perdeu as botas, no meio de pastagem onde berravam cabritos o dia inteiro... Mas, eram crianças inocentes, que estavam lá para aprender e a gente, inocente também estava lá, para aprender com elas como alfabetizar...
O tempo passou, tudo mudou, as escolas rurais foram extintas para alívio dos professores iniciantes, que nunca terão que comer poeira de estrada, pegar caronas de caminhões boiadeiros, de viajar com caminhão leiteiro de madrugadinha, de atolar em lamas com o carrinho encalhado no buraco... Eita! Foi dureza de verdade!
Hoje os alunos viajam de ônibus para a cidade, acelerando assim o processo de desocupação da área rural, que não é uma boa medida. Ninguém quer mais ficar no campo, ninguém mais quer plantar em nosso país que é agrícola pela extensão de suas terras, Já disseram que o Brasil seria o “Celeiro do Mundo”, mas o próprio governo está andando na contramão, ensinando o caminho da cidade para os filhos dos camponeses. E estes saem do sítio onde moram, para vir comprar um pé de alface no mercado. Mundo de pernas pro ar!
Meu marido e eu estamos fazendo o contrário, assim como  muitos de meus amigos. Moramos na cidade e, vamos ao campo plantar verduras e legumes. E não há nada mais prazeroso que consumir o que você produziu. Só que infelizmente percebemos que, as pessoas que moram nos sítios e fazendas perderam o hábito de cavoucar a terra, e plantar uma batata doce, uma cebolinha, uma árvore frutífera. Mesmo lá, as donas de casa ficam o tempo todo grudadas em computadores, alucinadas com os joguinhos ou papeando nas redes sociais... Não têm tempo para cebolinhas...
O estrago que a Internet causou às famílias não dá para se medir. Lares desfeitos, filhos fissurados em jogos, que não estudam, que não saem de casa, que nem se alimentam, que não se importam com nada mais.... Perderam a noção do limite. Tudo que é demais faz mal. É que os jovens e até adultos de hoje esqueceram o hábito da disciplina. Limitar o tempo para diversões, para os estudos, para as caminhadas, para tudo é fundamental. Assim também é com o trabalho. Se um cidadão se empenha o tempo todo ininterruptamente no trabalho, vai ficar saturado e com certeza irá surtar. Disciplina é a pedra de toque. Porém, muita gente nem sabe o que é isso.
E assim acontece com o celulares. As pessoas falam andando nas ruas, dirigindo carros, que é um perigo para todos, nos ônibus, nos metrôs, nos hospitais incomodando os que estão por perto, durante as refeições... Perderam o limite e o senso de educação. Porque é muito feio e deselegante, falar ao celular à mesa durante refeições, e diante de amigos que estão de visita... Celulares podem ser recursos práticos em momentos difíceis, mas não deixam de ser um grande incômodo.
E falando em celulares, percebi que o mundo está sendo movido hoje por essa maquininha louca, por money e por cocaína.
 Senão, vejamos os noticiários de todos os dias. Tudo que aparece na mídia gira em torno disso: roubos de celulares, estouro de caixas eletrônicos em busca de dinheiro e transporte de cocaína... Não adianta ter celulares modernos, superequipados, que só atraem os ladrõezinhos de rua, que passam como faíscas em seus skates, afanando essas coisas caras... prá venderem por qualquer dez reais... E os assaltos são todos combinados através de celulares...
O estouro de caixas eletrônicos acontece diariamente, e acho que já faz parte da rotina dos Distritos Policiais atenderem ocorrências desse tipo. O dinheiro está lá, fácil, basta estourar o equipamento... Se conseguirem pegar uma boa grana na primeira vez, nunca mais irão se dar ao trabalho de procurar um emprego, e o caminho será esse para sempre, até serem pegos e encarcerados... E as cadeias estão lotadas de gente assim, que prefere viver à margem e arriscando a vida sempre.
E a cocaína? Que lugar ocupa no noticiário de hoje?
Ela é responsável por mais da metade das ocorrências policiais, pois os Cartéis dessa droga se alastraram pelo mundo, e tudo que é ilegal, que envolve crimes está ligado direta ou indiretamente a ela. Senhoras idosas traficando isso, mulheres e crianças se tornando mulas fazendo o jogo dos maridos e pais presos... Que mundo cão! Crianças que ficam por conta de Casas de Abrigo, pela prisão dos pais que traficam essa porcaria. Muito, muito triste.
Tudo começou com o Cartel de Medelin, na Colômbia, onde os Irmãos Ochoa Vazquez juntamente com Pablo Escobar ganharam fortunas, enviando a droga para os grandes centros consumidores do mundo. Houve uma reação organizada pelos governos dos países lesados, e o Cartel foi estourado. Entretanto, outros cartéis surgiram como o de Cali, e o México passou a ser a nova rota para o mundo. E hoje, não há um país sequer que esteja livre desse comércio. E o que é estarrecedor é ter a informação no Google que, o Cartel de Medelin não morreu, que está disfarçado vendendo as mesmas porcarias, de forma legalizada, lícita com a fachada de Herbalife! E Herbalife é uma marca respeitada nos meios comerciais!
Concluindo essa triste análise, entendo porque nós gostamos tanto de olhar para trás e, curtir os tempos inocentes que vivemos na roça, colhendo milho, arroz, feijão, café, verduras e, criando galinhas e porcos. Olhamos o passado como se tivéssemos saído de um paraíso, onde tudo era puro e gratificante, mesmo trabalhando duramente e ensopando as camisas com o suor do corpo cansado.
Viver no mundo de hoje se tornou inseguro e perigoso demais!

Mirandópolis, setembro de 2014.
kimie oku in


terça-feira, 18 de novembro de 2014



                          
                                                              Gente de fibra
                      Odércio Bizaio

   Há uma loja de tecidos na cidade que, vem resistindo às mudanças que vão transformando o dia a dia das pessoas.
    É a Tecidos Mirandópolis, que vende cortes de tecidos por metro, e é uma das raras lojas que continuam fazendo isso. As demais lojas, como as Pernambucanas deixaram de vender tecido por metragem e aderiram ao prêt-a porter, ou roupa pronta para vestir.
         Quando eu era mais jovem, lá pelos anos 70/80 não existia roupa pronta para se comprar. E todo mundo tinha que comprar o tecido e encomendar a costura ou o feitio para uma costureira, ou para um alfaiate. Naquela época, havia muitas costureiras e algumas bem famosas pela habilidade de seu trabalho, assim como alfaiates famosos da moda.
         Para complementar o feitio dessas peças, havia lojas de armarinhos, que vendiam de tudo: linhas, botões, zíperes, colchetes, agulhas, agulhas de máquina, fitas, rendas, cordões, tiras bordadas chamados passamanarias... Tudo isso era vendido nos Bazares. Hoje há poucos bazares... E havia lojas que vendiam máquinas de costura.
         Tudo isso mudou. Raras são as costureiras e raros os alfaiates. São profissões que estão morrendo com o advento das fábricas e suas produções em série. Existem sim os costureiros famosos, que fazem da alta costura uma arte, arte cara e só acessível para uma pequeníssima parcela da sociedade. Mas, as costureiras, os alfaiates, os boiadeiros, tropeiros, charreteiros e carroceiros fazem parte de um passado não muito distante que eu vivi.
         Então por tudo isso é admirável que haja lojas que vendam tecidos por metragem. A Tecidos Mirandópolis abriu suas portas em 26 de maio de 1978, num pequeno prédio, que fica exatamente em frente ao atual. Inicialmente só vendia tecidos por metro, mas ao longo dos anos foi se adaptando às novas tendências, e hoje seu forte são as confecções de cama mesa e banho, além das roupas prontas para vestir recém nascidos, crianças, jovens e adultos. E continua a vender tecidos por metro.
         Seu proprietário, o senhor Odércio Bizaio nasceu em Bady Bassite, antiga Borboleta, perto de Rio Preto, em 1946 numa fazenda dos avós, que cultivavam café.
         Aos sete anos de idade passou a trabalhar na Casa Facchin, que era um movimentado Armazém de Secos e Molhados. Ficou aí até os catorze anos, quando saiu para trabalhar no Mercado Dias Pastorinho, onde atuou como balconista por um ano. Aos quinze anos foi promovido a Representante Comercial pela Dias Pastorinho, viajando e vendendo produtos pela região.
  Aos dezoito anos pediu demissão do serviço para prestar serviço ao Exército. Foi nomeado para o Batalhão da Guarda Presidencial do Presidente Castello Branco, em Brasília.
         Ao concluir seu tempo no Exército em 1967, voltou a Rio Preto e empregou-se como balconista nas Casas Pernambucanas. Após algum tempo, foi nomeado Gerente da loja em Orlândia. Depois seria Gerente em Franca, em Rio Preto, em Fernandópolis e em Três Lagoas.
         Foi nessa época que conheceu a nossa região, para onde se mudou e abriu a loja em Mirandópolis. Inicialmente, havia sete funcionários, hoje são quinze. O dia da inauguração da loja foi um grande sucesso, vendeu tanto que seu Bizaio juntou todo o dinheiro arrecadado incluindo vários cheques, numa caixa de camisa e a entregou ao amigo José Imolene para contar, e depositar no Banco do Brasil. Esse amigo era funcionário do Banco e tomou todas as providências para abrir a conta, que a Loja tem até hoje. Em 1980 adquiriu o prédio onde está instalada atualmente, e fez várias reformas para ampliação.
         Entre uma gerência e outra, seu Bizaio se casou com dona Adelzir Menegon, de Rio Preto.  Com ela teve as filhas    Gisele Cristina, que hoje é Professora, a Ana Cláudia que é Comerciante e seu braço direito na Loja e a Glauce Maria que é Fonoaudióloga. Tem ainda duas netas, das quais uma é Farmaceutica.
         Seu Bizaio diz que, tudo que sabe aprendeu nos anos que serviu às Casas Pernambucanas, e também deve ao Gerente amigo Alcino Gregório dos Santos, que o admitiu e orientou no começo da carreira. Esse senhor já é falecido, mas ele diz que jamais o esquecerá, assim como ao amigo Odir Bucchianico, que era Gerente em Batatais, e lhe deu apoio como chefe do seu Bizaio. Esse amigo mora em Itapeva e continua seu amigo.
         Os primeiros amigos que teve na cidade foram o José Imolene, Adaelso Terenci, Pedro Rosalem, Dr. Manoel Franco, Riyuichi Ijichi, Augusto Camata e Nelson Ferracini.
         E por ser cliente e amigo da maioria dos funcionários, seu Bizaio cultivou amizade durante décadas com a turma da AABB (Associação Atlética do Banco do Brasil), que frequentou bastante jogando bola e participando das festas. Seus companheiros de bola foram o Osmar, o Hamilton Ruffo, o Guto Conrado, o Carlão, o Ademar Bispo, o Emílio Colnago, o João Mikio, o Emilinho, o Domingos Forte, O Zé Duarte, o Wilson Imolene e o Márcio Granja. Como participante ativo da AABB, ele foi o único convidado não funcionário, para a Festa dos cinquenta anos da Agência do Banco do Brasil, em outubro de   2009.
         Quando a Loja completou trinta e quatro anos de atividade, foi lançado um selo comemorativo pelo Correio local. Atravessou muitas crises econômicas nesses  trinta e seis anos de atividades. Seu Bizaio diz que conseguiu dar conta de tudo, com muito trabalho e levando uma vida simples, sem luxo e sem badalação. Sua família foi o apoio. Nunca faltou com os funcionários, mantendo sempre uma reserva para as emergências. E a loja deu emprego a muita gente ao longo de sua existência.
         Recebeu homenagens da comunidade mirandopolense em forma de Comerciante do Ano em 2000, Moção de Aplauso pela Câmara Municipal em 2003 e foi Presidente da Associação Comercial em 1985.
         Atualmente, seu Bizaio está aposentado, mas vai à loja todos os dias e toma o café da manhã no Bar do Rosalém. Os habituais frequentadores seus amigos são Celso Rosalém, Chutudo, Ivo, Riyuichi, Najão, Chico Pin, João Tramonte, Shimada, Dr. Almir, Gilberto da Big Lar, Ordine, Mardegan e Orlando Ikari.
         Sua filha Ana Cláudia está assumindo aos poucos o controle da loja, inclusive fazendo as compras na capital.
         Hoje leva a vida numa boa, cercado de amigos e é um homem feliz, benquisto pela comunidade.
 Odércio Bizaio, por todos os anos que trabalhou, lutou e venceu  é sem dúvida,  Gente de Fibra!
        

Mirandópolis, novembro de 2014




sexta-feira, 7 de novembro de 2014

                                              Gente de fibra - 
Mitsuko e Masaji Tanaka
           
            De vez em quando, não resisto à tentação de contar a história de certos cidadãos nossos. São histórias de gente que batalhou duramente e construiu a cidade, enquanto pelejava para cuidar da família.
Hoje quero contar a história de um casal de idosos, que mora na minha rua e leva a vida numa boa, após anos de trabalho no comércio e apesar da idade avançada.
       É a história da senhora Mitsuko Ijichi Tanaka que nasceu em 1925 em Satsuma Gun, na Província de Kagoshima, Japão.
        Dona Mitsuko nasceu em tradicional família, ou shizoku, cujo avô fora engenheiro e o pai era carpinteiro. Na escala social japonesa da época, havia a Nobreza ou Kizoku, que abrangia os membros da Casa Imperial, parentes e agregados; havia o Gouzoku, que detinha a riqueza e o poder e participava do governo do país; havia o Shizoku, que eram os profissionais de categoria mais elevada e formavam clãs, que mantinham a tradição. Depois vinha a plebe, que eram os operários, lavradores e gente de menos recursos e estudos.
            Como se pode constatar, dona Mitsuko nascera em família privilegiada e tinha perspectivas de um futuro tranquilo e feliz. Conseguiu estudar parte do Curso Primário, aprendendo um pouco do difícil e complicado alfabeto japonês. Teve uma infância feliz na terra natal.
            Entretanto, naqueles tempos dos anos 30/40, o Japão atravessava uma época de muita fome em razão das guerras, e não havia esperanças de um futuro promissor. Então, toda a família acabou se emigrando para o Brasil em 1935. Dona Mitsuko era uma menina de apenas onze anos de idade.
            Após a longa viagem de navio, que levava mais de um mês para atravessar o oceano, chegaram ao Brasil, e foram parar em Lussanvira, que hoje conhecemos como Pereira Barreto. A família Ijichi que era composta de pais e irmãos, dos quais conhecemos o Takaomi e o senhor Takatomo, pai do Riyuichi veio se instalar no Bairro União, onde plantou arroz e algodão. Após um ano, comprou vinte alqueires de mata virgem, que tiveram que derrubar para iniciar a plantação. A derrubada da mata era uma coisa terrível, pois as árvores eram imensas e era necessário queimá-las, antes de pô-las abaixo.
            No local havia outros imigrantes japoneses, que acabaram formando uma colônia, para se unirem e se ajudarem, pois tudo era difícil, a começar pela língua estranha dos brasileiros, que dificultava a comunicação. E também no meio da mata, havia falta de tudo a que estavam acostumados no Japão, onde levaram uma vida até mais confortável. As adversidades eram muitas, mas com a ajuda dos patrícios, conseguiram vencer. Dona Mitsuko trabalhou muito nesse lugar juntamente com a família, plantando e colhendo arroz, algodão e milho. E ela me contou um fato curioso: Sua família morava no Bairro Nova Inhuma e, do outro lado do córrego no Bairro Inhuma, morava a família de minha mãe Torá Tsutsumi, de quem foi amiga desde menina e continuou até ela partir para sempre, há nove anos. E conforme informação de dona  Mitsuko, meus avós Tsutsumi  fabricavam nessa época o açúcar preto, tirado da calda de cana e  o vendia.  E todos os vizinhos iam comprá-lo, assim como a família dela. E a dona Mitsuko foi diversas vezes à casa de meus avós, para comprar esse açúcar. Naqueles tempos difíceis, o açúcar era um produto valioso para todos do lugar.
         Aos vinte e três anos de idade, dona Mitsuko se casou com o senhor Masaji Tanaka, que nascera em Ookowa Gun, Provincia de Kagawa, Japão em 1923. Seus pais eram lavradores.
            Ao se casar, dona Mitsuko foi morar em Bela Floresta, perto de Itapura. Lá trabalhou muito nas roças de algodão. Nesse local, pelejaram por sete anos na lavoura.
            E aí se mudaram para Mirandópolis, trazendo os sogros e dois filhos que lá haviam nascido.
Naqueles tempos, o irmão da dona Mitsuko, o seu Takatomo possuia um Bar lá onde está a primeira loja do Nilton Supermercados. Vieram de mudança e se acomodaram na casa desse irmão, ficando aí por uns três meses.  Quando souberam que a Casa Hombo estava à venda, o senhor Masaji e e senhor Takatomo compraram-na em sociedade. Era um grande Bazar muito frequentado pela população, porque havia poucas lojas na cidade. A Casa Hombo recebeu o nome de Casa Tietê, em homenagem ao grande rio que os donos conheceram em Pereira Barreto.  Para comprar as mercadorias que seriam revendidas, os irmãos Mitsuko, seu Takaomi que era um jovem e o seu Takatomo viajavam periodicamente a São Paulo, e abasteciam a loja.
O sucesso foi grande e acabaram adquirindo outra loja, que se destinaria ao casal Tanaka. Era o Bazar Tietê, na esquina da Rafael Pereira com a Rua Dr. Edgar Raimundo da Costa. Mais tarde, seu Takatomo compraria a Ótica Tietê para o irmão Takaomi, que havia feito um Curso de Ótica. E assim, as três famílias acharam o seu caminho e o meio de sustento.
Dona Mitsuko e o seu Masaji pelejaram por mais de cinquenta anos no Bazar, atendendo a população. Vendiam brinquedos, armarinhos, lãs, linhas, botões, agulhas e tudo que as donas de casa e costureiras necessitavam na época.  Eles moravam no fundo da loja e os filhos ajudavam no atendimento ao público, mesmo quando voltavam de férias das Faculdades que cursavam fora. Na época de Finados, Dona MItsuko fazia coroas de flores de plástico para servir a comunidade nas peregrinações ao cemitério.  Quem fazia os arcos de bambu era o senhor Masaji...
Dona Mitsuko lembra com saudades desse tempo, em que conhecia toda a clientela. O comércio era seguro e tranquilo, não havia necessidade de vender a prazo ou fiado. Todos que compravam, pagavam na hora. Com o decorrer do tempo, seu filho mais velho começou a fazer as compras em São Paulo, mesmo porque ela tinha que atender na loja e cuidar dos demais filhos
            O casal teve sete filhos, que foram deixando a cidade para estudar. E a renda do Bazar deu para manter todos os sete filhos, nas Faculdades que cursaram. Esse é o maior orgulho de dona Mitsuko e seu Masaji.
            Assim, o Takashi se formou Engenheiro pela Faculdade de Engenharia de Barretos, o Hiroshi se tornou Médico-oftalmologista pela Santa Casa de São Paulo, o Minoru seria Engenheiro pela Faculdade de Engenharia de Bauru, o Tadashi  Engenheiro pela Engenharia Federal de Itajubá, a Sachiko seria Odontologista pela Universidade de Mogi das Cruzes, a Eiko e o Shigueru seriam Odontólogos  pela Faculdade Franciscana de Bragança Paulista.
            Como se pode concluir, apenas o Tadashi conseguiu se formar em Faculdade Pública Federal. Os demais estudaram em escolas particulares, que oneraram muito os pais. Mesmo assim, todos conseguiram concluir os estudos e puderam se dedicar a profissões de sua escolha. Para o casal Mitsuko e Masaji foi um tempo duro de economia, pois as Faculdades e as pensões consumiam toda a renda do Bazar. Durante anos e anos, tudo era destinado aos estudos dos filhos. Mas, os pais cumpriram a sua parte, pois o estudo e o encaminhamento dos filhos era prioridade. Nunca tiveram férias, nem luxo, nem vida mansa, era só trabalho e mais trabalho por décadas seguidas...
        
    Mas, o tempo de compensações chegou. Os filhos já bem realizados em suas profissões, patrocinaram duas viagens dos pais ao Japão, onde foram rever uma irmã de dona Mitsuko, que mora em Fukuoka ken. Lá eles reviram os parentes e, visitaram os mosteiros e templos da cidade.
       Além disso, hoje eles são cuidados pelos filhos que, periodicamente voltam ao lar paterno para dar-lhes assistência e carinho. Nessa tarefa, os filhos fazem um revezamento com o filho Hiroshi, que mora na cidade. E levam esses pais já velhinhos para comer fora, para passear e curtir estância de águas. Os filhos são todos casados e a família foi acrescida de sete netos.
         E o mais interessante é que os dois já com 89 e 91 anos são pessoas alegres, de bem com a vida, felizes por terem chegado até aqui. Conversar com eles é ter uma lição de otimismo.
         Dona Mitsuko e seu Masaji Tanaka por tudo que batalharam, por tudo que venceram e pela vida longa de amor aos filhos e netos, é sem dúvida alguma Gente de Fibra!



                


            Mirandópolis, outubro de 2014.

            Legenda:
        
            foto 1.  dona Mitsuko e Masaji Tanaka
            foto 2.  família Ijichi em Lussanvira
            foto 3.  Casa Tietê, antiga Casa Hombo, na Rafael Pereira
            foto 4.  dona Mitsuko no interior do Bazar Tietê
            foto 5.  com filhos e cunhada no Restaurante do Lió
 


quarta-feira, 5 de novembro de 2014



                                Doença na família
   Ultimamente tenho reparado como as pessoas sofrem com a doença de entes queridos. E não existe família sem um parente em situação difícil de saúde. Todas as famílias sofrem com um doente próximo ou mais distante.
     Enquanto todos estão com saúde, a vida transcorre   sem atropelos, cada membro cuidando das obrigações e a vida familiar vai de vento em popa. Mas, quando um deles cai doente, tudo vira de pernas pro ar. E o complicado é que ninguém pode prever qual membro será atingido.
 Na maioria das vezes são os mais idosos que, de repente começam a passar mal, e precisam de cuidados mil. Os mais idosos adoecerem primeiro é natural e aceitável. Mas, às vezes, crianças pequeninas, que nem começaram a viver direito, são acometidas de doenças incuráveis... Ou jovens que estavam se preparando para vestibulares, ou começariam a trabalhar têm a vida interrompida, e ficam acamados até o derradeiro momento. É muito doloroso e não há consolo para isso.
Ultimamente, tenho reparado que isso acontece amiúde. Talvez eu não tenha percebido antes porque tudo ocorria normalmente, com todos os parentes pelejando pela vida. Mas, aí eu também fui atropelada com um membro doente e há mais de ano, que a doença não liberta essa pessoa querida, que era cheia de vida e que caminhava a passos largos, para a realização de seus objetivos. E não dá para se revoltar, porque acredito que já estava predestinada a isso, porque ela viveu correndo até agora, como se o tempo estivesse se esgotando, e não houvesse tempo suficiente para dar conta de seus anseios.
Quando a enfermidade atinge alguém, a família vive um drama. Muitas vezes sem recursos, fica à mercê de Serviços Públicos, que são morosos ao extremo e a atendimento deixa muito a desejar. Mesmo tendo recursos, a agenda dos demais membros fica totalmente confusa, porque é preciso conciliar os cuidados, as visitas aos médicos, os exames periódicos e a administração de medicamentos e alimentação adequada.
Hoje existem os “home care”, que cuidam dos pacientes em casa, com assistência médica subvencionada pelos Convênios de Saúde. Fornecem cuidadores habilitados, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, enfermeiros e  médicos com visitas periódicas... A casa do paciente se transforma em extensão de um hospital, com toda a aparelhagem necessária, para ajudar na recuperação da saúde.
Mas, nem todos conseguem essa assistência especial, porque o SUS só a disponibiliza através de recursos judiciais. É certo que é um serviço caro, que exige profissionais habilitados e espaço para o paciente, e seus cuidadores durante as vinte e quatro diárias. Mas, seria muito bom se todos os pacientes tivessem esse conforto, para um tratamento adequado em casa, que é onde todos preferem ficar. E onde a recuperação é mais rápida.
Há uns anos atrás, um Hospital tentou se descartar de uma doente em fase terminal, alegando que lá não havia mais nada a oferecer. Ora, se uma Instituição de Saúde não tem nada, imagine a casa da gente, onde todos são leigos e não sabem cuidar de pessoas muito doentes. Nessa fase, ela precisava de soro, sangue, oxigênio, alimentador e dreno... aspiração e de injeções que só poderiam ser administradas num Hospital, para aliviar a dor... E não dispúnhamos de home care aqui no interior. E eu contestei os médicos e a Enfermeira-Chefe, explicando que não havia condições de oferecer o mínimo de conforto, para essa pessoa em casa. E por estar com as caríssimas mensalidades em dia, comuniquei que eu iria recorrer. Queria poupar o sofrimento nos últimos momentos de sua vida. Então, o Hospital decidiu conservá-la até o final, o que aconteceu três dias depois... E durante todo esse tempo, não descuidaram dela. Se eu tivesse concordado, teria tornado muito mais sofridas as horas derradeiras...
Os Hospitais fazem de tudo para desovar seus doentes, dizendo que é melhor levá-los para casa. Quando é doente recuperável, concordo plenamente, pois o ar de casa é mais puro que de lá, onde infestam bactérias e vírus em profusão... Mas, quando se trata de pessoas em fase terminal, os familiares não têm condições de lhes oferecer os cuidados adequados. E eu acho que os Convênios de Saúde têm que assumir, pois são onerosos e não perdoam um atraso. E a vida humana é muito preciosa, pois a pessoa vive apenas uma vez...
Um dia, você poderá ficar doente.
Profissional de Saúde, pense nisso!

Mirandópolis, setembro de 2014.