quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

 


Sobre "Conversa Fiada"

Há um ditado popular japonês que diz:

油を売る~ あぶらをうる

aburá o uru que significa "vender banha, gordura"












Uma história singular originou esta expressão.

No Período Edo (1600 até 1860), vendedores de banha percorriam os vilarejos do Japão, oferecendo banha de porco para as donas de casas.

 Naquela época, não existia óleo vegetal que consumimos agora.

E nem Mercados que vendiam esses produtos.

Como puxavam carriolas com latas de gordura pesada, gostavam de parar e descansar as pernas.

 E aí, puxavam conversa com todos os passantes para se distraírem.

E falavam sobre tudo e sobre todos...

E faziam as pessoas perderem tempo com sua conversa sem fim.

E então, os japoneses começaram a usar a expressão "vender banha" para se referirem à conversa fiada.

Pode-se dizer também 無駄話~むだばなし               ou "conversa vazia"

Acho um encanto essas histórias...

Mirandópolis, 27 de janeiro de 2021.

kimie oku in

http://cronicasdekimie.blogspot.com


A foto representa o comércio no período Edo.


 

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

 

                Redes sociais

     Descobri por triste experiência que, participar de grupos nas redes sociais não é uma boa.

     Achei que aprenderia muita coisa em contato com gente diferente, de lugares diferentes, de países distantes e desconhecidos...

     Honestamente, conheci tanta gente especial, de lugares nunca antes imaginados, possuidoras de conhecimento profundo das coisas desse mundo. Gente especializada em eletrônica, em psicologia, em religião, em formas de estudar, em arte culinária, em turismo, em estudo de línguas, em História do mundo... Aprendi muito com essas pessoas. E conservo amizade com algumas delas. E o nosso diálogo é sempre estimulante.

Mas... Sempre há um mas...

Quando a gente entra num grupo, há toda variedade de gente. De pensares diferentes, de opiniões convictas, de pregadores políticos, de pregadores religiosos, de pregadores moralistas e pior que tudo, de pregadores da “sua verdade”, que não admitem opiniões divergentes. A sua verdade é absoluta e não admitem que alguém possa questioná-la, ou duvidar dela. E se você cai na besteira de comentar algo pertinente, essas pessoas partem pra ignorância, xingando, proferindo ou escrevendo aberrações assustadoras... Trombei com algumas dessas pessoas. Brigando furiosamente entre si como crianças de escola...

E eram professores. Professores!

Vocês nem imaginam o nível dessas criaturas soberbas, fissuradas em partidos políticos, que criticam tudo, que condenam tudo, que não enxergam o outro lado da moeda. Vocês podem imaginar que são todas pessoas da esquerda, mas tem muita gente da direita também. São todos iguaizinhos, radicalíssimos e não arredam pé. E partem para uma polêmica sem fim, cada um querendo impor a “sua verdade”.  Não dá pra conversar com elas, porque elas não ouvem senão a própria voz, não leem senão seus próprios posts.

Pra se ter uma ideia, filho da puta é o termo mais comum, além de vá pros quintos dos infernos, que morra de Covid  fulano e toda a sua família, rezo novenas sem parar para que morram de Covid e Deus me ouve sempre, corno, puta que o pariu, escroto, capeta, diabo, cobra e muito, muito, muito mais. Que felizmente esqueci.

 Fiquei estarrecida ao constatar que professores usam esses termos sem o menor pudor... Dezenas deles... Daí, entendi porque as gerações atuais estão tão perdidas... Não tiveram professores, tiveram maus condutores, que lhes ensinaram tudo que não presta.

Essa gente com quem interagi por um breve período, não tem um tico de urbanidade, de educação, de respeito humano. Tem um rancor enrustido, e não perde oportunidade para fustigar outros. Gritando as suas "verdades".

Saí desses grupos, porque estava me magoando demais, e tive muitas decepções. Mas ao sair, me senti aliviada. Ficar lá era me castigar todos os dias, todas as horas. Um filme de terror.

E apesar do mundo estar tão perdido, estou feliz porque não perdi meu tempo brigando com essas criaturas, porque ali não é o meu lugar. Elas decididamente não têm cura. Saí em tempo, sem dar vexames. 

Mesmo que passem milênios, acho que educação e urbanidade ainda são os melhores cartões de identidade pessoal, que devemos carregar.

E grupos em redes sociais nunca mais.

Só a Ciranda, onde todos se respeitam.

Mirandópolis, janeiro de 2021.

kimie oku in

http://cronicasdekimie.blogspot.com

 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

 

Oshougatsu (memórias)

(Esta crônica foi escrita em 2012 e atualizada hoje)                                          

      Todo início de ano é a mesma coisa. Reunião de família, comida, muita comida, um converseiro só e bastante esperança. Esperança de, superar no novo ano, tudo que ficou sem resolver. É assim com todo mundo.

Sempre que amanhecia o primeiro dia do ano, crianças “pediam” boas festas de ano novo, para receber guloseimas. Esse costume já passou. Hoje não apareceu nenhuma criança batendo palmas e gritando “boas festas de ano novo!”

Será que desanimaram ou não precisam pedir mais?

Tempos de Covid 19, o vírus mortal...

Como fui criada no sistema japonês, nunca saí por aí, fazendo isso. Fui criança nos anos do pós-guerra, de 1945 a 1950. E a lembrança que tenho desse tempo é que, o oshougatsu ou dia de ano novo, era comemorado pelos imigrantes do Japão, de forma totalmente diferente. Perto de Tabajara, Lavínia.

      Morávamos numa comunidade de japoneses e tudo era feito em conjunto. E na época, ainda predominava o culto aos Imperadores do Japão, culto fortalecido com a tristeza da derrota na guerra. Os japoneses aqui residentes, reverenciavam os monarcas japoneses, como se fossem deuses. E tentaram passar esse sentimento para nós, crianças.

Logo de manhãzinha, quando clareava o dia, todos os chefes de família, e seus filhos homens vestiam-se de ternos, e se reuniam num barracão, ou tulha de algum vizinho. Ali, diante das fotografias dos Imperadores Hiroito e Nagako (ainda reinando na época), e da bandeira vermelha e branca, realizava-se uma cerimônia solene de súditos jurando fidelidade ao Japão. Naquela época, todos os imigrantes achavam que, estavam só de passagem no Brasil. A pátria sem dúvida nenhuma, era o Japão. O Brasil era apenas uma terra emprestada, temporariamente.

Se não me falha a memória, a cerimônia constava de discursos, enaltecendo as figuras dos Imperadores, e relembrando sempre a pátria distante. Era um ritual rápido, com a entoação do Hino Nacional do Japão: “Kimiga yoowa/ Chiyo  ni/   Yachiyoni/  Sazare/   Ishino /  Iwao to narite/ Kokeno/  Mussu made....” traduzindo:  “Que o reinado dos Imperadores dure até que, os rochedos se transformem em seixos, cobertos de musgos” (eternamente)

      É claro que nós crianças, também entoávamos o hino, sem saber o significado, e depois quando se davam os vivas, ficávamos contentes, porque a comemoração chegava ao fim. Os vivas eram: “Banzai, Tenno Reika !”... “Banzai, Kogo Reika!” ... “Banzai, Nippon!” ”Banzai, Oriente Shokuminchi” ou, Viva o Imperador, Viva a Imperatriz, Viva o Japão, Viva a Colônia Oriente!

Depois desses vivas repetidos várias vezes, alguém começava a distribuir os manjus, os motis e balas. Era o melhor momento da reunião para nós crianças. Os adultos homens sentavam-se em volta de uma mesa, repleta de coisas gostosas, e saboreavam a culinária japonesa. Depois, iam de casa em casa, cumprimentar as famílias e desejar um bom ano para todos os vizinhos.

Lembro ainda que, entre os pratos enfileirados, contendo sushis, nishimê, ozooni e pedaços de toofu servidos com shoyu, havia também leitoas assadas inteiras, assim como frangos dourados, crocantes... Nesse dia, todos se alimentavam bem, pois se dizia que quem passasse fome nesse dia, passaria necessidade o ano inteiro. Tudo era motivo para se encher a barriga. Hoje, relembrando aquele tempo que passou, vejo que nada restou desses costumes tão inocentes dos japoneses. Cultuar uma pátria distante... Cultuar Imperadores que nunca ninguém conhecera ... Manter costumes de outro mundo... Não há sentido nisso. Por isso, tudo se perdeu ao longo dos tempos...

E acabamos adotando os costumes da Terra. E foi bom, porque não há sentido em consumir comida com temperos de uma região gelada, já que lutamos todos os dias, para sobreviver ao calor tórrido dos trópicos. E não há sentido em cultuar governantes de outros países, se é aqui que sofremos, se é aqui que a inflação não perdoa, se é aqui que pelejamos todos os dias.  E não há sentido fingir que, o Brasil é terra emprestada, uma vez que os nossos pais estão enterrados neste solo, para sempre. E nossos filhos e netos são totalmente brasileiros, assim como nós.

     Sei que muitos desses costumes vão prevalecer, pois origem é origem. E comer um sashimi de vez em quando é muito revigorante. E falar em japonês não faz mal a ninguém, porque cultura é cultura.

      Mas tudo isso já virou moda abrasileirada.

E é por isso que gosto de, lançar de vez em quando, umas palavras japonesas como esse “oshougatsu”. Porque, há palavras que têm um significado especial para nós, descendentes de japoneses.

Palavras como "Shinnem akemashite omedetou gozaimasu", ou Feliz Ano Novo!

      E Arigatô!

 

Mirandópolis, 1º de janeiro de 2021.

     kimie oku in

 http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/)

 

 

 

 

      Post Scriptum:

      Esta crônica foi escrita em 1º de janeiro de 2012.

      Mirandópolis, 1º de janeiro de 2018.