quarta-feira, 30 de novembro de 2011

GENTE DE FIBRA - IRINEU ANTONIO MANTOVANELLI

      
        Hoje,  quero contar a história de um senhor, 
que se dedicou a um trabalho e à uma família,  
Irineu Antonio Mantovanelli
por cinquenta anos e não pensa em parar de trabalhar, tão logo. 
   Falo do  senhor Irineu Antonio Mantovanelli, que há meio século se identifica como o homem da 
Gráfica Santo Antonio   . 
 O sr. Irineu nasceu em Olímpia há 72 anos, onde seu pai trabalhava de 
braçal na Prefeitura.
          Quando  Irineu tinha três anos de idade, a família  mudou-se  para Guararapes, onde seu avô passou a trabalhar de alambiqueiro (químico, hoje) no Engenho de Pinga 
dos Irmãos Murila. 
Seu pai também se empregou lá, como carroceiro. E, aí trabalhou  por seis anos mais ou menos.       Depois, a família foi para a zona rural cuidar de lavoura, primeiro no  bairro Pendura Saia  plantando algodão e,  depois no Bairro Córrego do Arroz, 
 lidando com café.
     Em 1954, a família se mudou para Mirandópolis, onde se dedicaram à lavoura do café, no Sítio do 
sr. José Dornela, no km 52.
Irineu fez parte do Curso Primário em Guararapes, e veio terminar os estudos aqui em Mirandópolis, formando-se Técnico em Contabilidade no antigo Colégio Comercial, hoje Escola 14 de agosto. 
       Quando trabalhava na roça, Irineu ainda adolescente machucou a coluna e teve que ir para Ribeirão Preto,  onde o médico lhe recomendou que evitasse 
serviços pesados. 
     Então, uma prima sua o levou a uma Tipografia em Olímpia, para
 aprender um ofício.
 Voltando para Mirandópolis,  conseguiu um serviço numa Tipografia em Dracena,
que editava o jornal  A Semana.  
Irineu trabalhou aí quase um ano, ajudando a editar o jornal, e 
aprendendo outros serviços.
    Quando voltou para Mirandópolis, começou a trabalhar na Tipografia Santo Antonio, do sr. Idanir Antonio Momesso. Era dia 10 de maio de 1961. 
      Irineu morava no km52 e  caminhava  2 km   todos os dias,  para tomar ônibus, e outro tanto na volta, para chegar
 até a casa.  Almoçava
 sempre na casa do sr. Idanir.
      Foi assim que começou a sua 
carreira de tipógrafo,
 porque machucou a coluna,  
foi proibido de trabalhar na roça, 
e a prima houve por bem encaminhá-lo 
a uma profissão. Não foi acaso,
 foi predestinação.
      A Tipografia tinha sido instalada em 1960, e o senhor Idanir 
é quem a  comandava.
      Nessa empresa, o sr. Irineu passou a trabalhar como tipógrafo e impressor. A  época ainda era dos inumeráveis tipos, que eram montados letra por letra,
 para se fazer os textos. 
Era um serviço demorado,  minucioso e que exigia muita atenção.
 Desse tempo de dureza, o sr. Irineu se lembra dos companheiros de serviço: Lourival Alves dos Santos, 
 José Imolene e Ivo Ferreira.
      A Tipografia imprimia todos os impressos que o comércio precisava : recibos, convites, duplicatas, notas fiscais,
 folhetos de anúncios, 
campanhas políticas, etc.
      Um dia, o sr. Idanir teve a inspiração de criar um jornal, a que 
deu o nome de  O Labor, 
 a voz do povo mirandopolense.
      Era um jornal pequeno, mas marcou época, porque era o único veículo impresso de comunicação da cidade,
 e todos gostavam de lê-lo. 
 Não havia televisão ainda.
     O Labor que era editado semanalmente, teve como Diretores o sr.  Leonel Martins ,
os Profs. Moacyr Benetti,
 Durval Neri Palhares
 e como   1º Redator  o sr. 
Duílio de Andrade e Silva.
 Muitos colaboradores ajudaram a realizar o sonho do sr. Idanir.  
     O semanário publicava notícias sociais, políticas, e tudo que interessava ao público. 
A coluna social marcou época, inicialmente com  a profª Ebe Aurora Fernandes Marcos, que  divulgava todos os fatos 
sociais da semana.
Também a ex -Diretora do Dr.Edgar, Profª Mercedes Bafile Cheida  fez a coluna social, assim como a profª 
Marilena Santana Correa Fernandes. 
Outros colaboradores que tornaram possível o jornal foram  o sr. Moacir Brito, Neiva Pavesi, Sérgio Martins, Kimie Oku e o Dr. João Olavo Bissoli. A página de Esportes ficou 
a cargo do sr. Ivo Ferreira.
 E o sr. Irineu  era o Diretor 
comercial do jornal.
        O Labor circulou por 21 anos , e  foi fechado por ser muito trabalhoso editá-lo, e não auferir lucros para a Empresa. Mas a Tipografia continuou trabalhando
com os impressos.
        Em  1962, o sr. Irineu se casou com a senhorinha Hilda Milani , que era de Birigui. Com ela tiveram  cinco filhos, dos quais 
três trabalham na área da Saúde, 
 como enfermeiras,
 uma é bancária e 
o único filho é metalúrgico,
 mas trabalha numa empresa 
que produz óculos.    
Além dos filhos, a família se compõe de  quatro genros, uma nora, 
sete netos e dois  bisnetos.
        Em 1986, o sr. Idanir faleceu, e a Tipografia ficou por seis meses sob o comando  do sr. Irineu. 
Mas, era muita responsabilidade e acúmulo de serviços,  que acabaram
 por abalar a sua saúde.
        Então, o herdeiro  e filho do sr. Idanir houve por bem assumir a Empresa, com a ajuda inicial do sr. Irineu. 
Francisco Antonio Momesso muito jovem  ainda, assumiu  a Tipografia, 
 mudou o nome para  Santo Antonio Impressos, e instalou-a na Rua Rafael Pereira, num espaço maior.
 Com o Chicão, veio  também a era da Informática  e a modernização.
        O senhor Irineu completou 50 anos de serviços prestados `a  Tipografia e
 à família Momesso,  
em 10 de maio de 2011.
  Com 72 anos de vida, ainda acha que tem pique para continuar 
 confeccionando carimbos, 
e prestando outros serviços que conhece , mas num ritmo mais lento, porque o problema na coluna está ficando 
mais  sério com a idade.
         O  seu Irineu , além desses anos dedicados  ao serviço de gráfico, distribuiu  por 26 anos o jornal O Estado,
 o que lhe ajudou numa renda extra.
         Diz que é um homem feliz, por ter feito
 o que realmente gosta. 
E que graças à  participação 
sempre presente  da  dona Hilda,
 sua esposa, conseguiu chegar até onde chegou. Tem uma família que ama, e por quem batalhou a vida toda.
         O seu maior orgulho é ter  guardadas todas as  1090 edições
 do semanário O Labor,
 que  ajudou a produzir e que faz parte da memória de Mirandópolis.
          Irineu Antonio Mantovanelli,  trabalhador gráfico, tipógrafo, cidadão mirandopolense, memória viva da 
História da  cidade, 
é gente de fibra!
                                             
                                     Mirandópolis, novembro de 2011.
                                             Kimie Oku

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

QUAL É O PROPÓSITO DE DEUS?



      Deus nos concede a graça da vida.
  E cada  ser humano que é lançado  neste mundo, na verdade, fica estarrecido quando 
descobre que, todos estão predestinados
 a morrer.
   E  nós crescemos  olhando para a frente, e procurando esquecer que, lá adiante a morte nos espera. E não há como fugir dela..Rico, pobre, arrogante, humilde, bonito, feio, bonzinho, mau, todos serão  engolidos inexoravelmente, pela temida predestinação. 
 Ora, pergunto : Se era para nós perdermos a abençoada vida, por que 
 Deus nô -la concedeu?
     Não dá para entender os propósitos 
do Ser Supremo.
 Quem dá, não deveria  nunca tomar de volta. 
Não é assim que funciona na 
relação humana?
   Será que quem outorga  tem o direito de, tomar de volta o que deu de graça? 
E isso é lei no mundo dos espíritos ? 
Eu realmente, não consigo perceber 
lógica nisso.
   Alguém poderá me contestar dizendo que, não se discute a vontade divina.
 Mas, como evitar esses sentimentos, quando se vêm tantas crianças e jovens serem levados repentinamente, por mil 
razões ou desculpas, 
como acidentes, doenças, guerras,
 atos violentos? 
 E os cataclismos que levam de roldão, cidades inteiras, como se fossem maldições, 
para  punir  a humanidade?
   Qual é o propósito de Deus?  Será que somos nas  mãos  do Criador, 
meros brinquedos ?
   Será que somos uns bonequinhos,  que o Altíssimo manipula a bel prazer, 
enquanto  o jogo da vida está interessante, e depois somos descartados,
 para sermos reciclados em 
outras encarnações?
     Quando penso nisso, sinto-me como um dos indiozinhos do Forte Apache
 ( joguinho antigo que, acho nem existir mais) que, os soldados  eliminavam  com 
suas espingardas poderosas...
     Entretanto, por quê  Ele nos concedeu a vida, se nós temos que  devolvê-la??
E  não falo só do ser humano.
Falo também dos bichos, das plantas.
Todos que nasceram um dia, 
acabam morrendo.
    Ora, dirão, é a lei da vida. Que seja. 
Mas que é estranho, é.
   Dar e tomar. Viver e morrer. 
Existir e deixar de.
     Às vezes, tenho a impressão que, o Senhor  semeia no mundo o germe da vida, 
fazendo nascer gentes, plantas e animais.  
 Deixa-os desenvolver e reproduzir-se e depois, ceifa tudo como se fosse 
uma colheita natural .
    Assim, há boas colheitas, com  safras de plantas maravilhosas, de animais saudáveis e gente muito boa.
 E há também, safras ruins   
cheias de pragas,
 que nem compensam o trabalho de semear.
 Mesmo assim, o Senhor Deus continua semeando e colhendo.
 E é  exatamente isso,  que 
eu não compreendo.
     Será que, essa renovação é 
imprescindível para 
 a Terra continuar em sua órbita celeste?
 Os nossos corpos seriam o sal ,  o fertilizante do Planeta, 
para  equilibrar o seu eixo e 
continuar  existindo, 
e cumprindo o seu passeio sideral?
    O mundo das perguntas é muito vasto, e nós nunca conseguiremos respostas satisfatórias para  elas. 
E quanto mais indago, mais dúvidas
 me atormentam.
       Às vezes, gostaria de lançar 
todas essas  perguntas 
ao Dalai Lama, ao Papa, aos Sheiks, aos Bonzos, aos Pajés,  
aos Rabinos, aos Ministros de Deus. 
 Sei porém que, como são todos humanos e apenas humanos, 
 não me contentarei com suas respostas. 
Então, não há uma entidade a quem endereçar esses questionamentos.
     A verdade é que a vida é um imenso 
e vasto mistério,
 e a morte é mais misteriosa ainda. 
Nada na vida é definitivo. 
      Então, por que nos empenhamos tanto por um lugar ao sol, 
se  num lampejo, a vida se apagará e 
nada de nós ficará?
      Há quem acredite que é preciso ser bom e honesto, para ter uma compensação no céu. Mas se não houver céu?
      Há quem acredite que, cada um de nós se reencarnará em outro  ser, 
e teremos outras vidas.
 E se tudo isso for apenas, 
imaginação dos espiritualistas? 
Morreu, acabou para sempre...
      Há quem acredite que, o céu e o inferno  é aqui na terra, e cada um 
constrói o que preferir.
      Especulações, especulações...
  Não é muito legal enveredar por esse caminho de indagações, 
porque é tanta dúvida ,que dá
 nó em qualquer cabeça.
  Definitivamente, acredito piamente que exista um Ser Superior ,
 que comanda tudo isso ,
 o mundo visível e o invisível, 
a vida e a morte. 
  E por ser apenas uma criaturinha insignificante,  no meio dos humanos, 
sou acometida dessas dúvidas, 
 que embaraçam
 meu pensar  e minha fé.
      Que Deus em sua infinita sabedoria,
 não leve em consideração  
a insignificância das minhas  dúvidas.

      Mirandópolis, novembro/2011
                         Kimie Oku

domingo, 27 de novembro de 2011

CIRANDA - SOLIDÃO (crônica)

       Tenho um sonho, que gostaria de realizar um dia. 
     Sei que é muito ambicioso e que  sozinha não conseguirei realizá-lo.
     Gostaria de organizar uma casa de campo, onde se reuniriam as pessoas idosas e sozinhas.
     Não seria uma casa de repouso, nem seria um hospital, tampouco um asilo.
     Seria um local de encontro, de lazer  só para  as pessoas  sós e idosas, que moram sozinhas.
     Todo ser humano, desde que nasce gosta de ter um cantinho só seu. Até os animais são assim.  É por isso que as pessoas preferem ficar sós,  do que deixar  seu canto.
     Imaginem os idosos que viveram quarenta, cinquenta anos em companhia de alguém,  partilhando  as tristezas e as alegrias de uma vida inteira.  Imaginem essas mesmas pessoas serem retiradas de seus  cantos,  onde há tantas lembranças, e serem levadas  a um ambiente  estranho e totalmente impessoal.
      Falo de casas de repouso,  asilos  e  hospitais.
      Sei que às vezes,  é necessário internar pessoas nesses lugares. E que as instituições tentam o melhor, para tornar mais seguro e confortável, o final de vida dessas pessoas.
      Às vezes, essas casas se transformam em depósitos de velhinhos, que ninguém quer.
      É por isso que me dói tanto e, comecei a acalentar esse sonho.
      Precisamos repensar a nossa relação com os parentes,  avós,  pais,  sogros,  tios, amigos, vizinhos,  que estão envelhecendo  e ficando  sós.  Se pararmos agora para  enumerar os  idosos solitários da cidade,  num instante acabaremos contando mais de vinte,  só na vizinhança.
      É urgente repensar  o funcionamento das instituições.
      É urgente,  porque a população idosa está crescendo muito. Em 2009, o Japão anunciou que, pela primeira vez na História, sua população centenária ultrapassou os 40 mil.
      Essa tendência vai se propagar muito mais, com o estilo de vida mais saudável, que a humanidade está adotando.
      Mas como seria essa casa ?
      Seria no campo, cercada de verde,   de um jardim cheio de  borboletas  e  beija-flores... teria caminhos  sombreados por frondosas árvores.  No quintal,  cães latindo,  no pasto gado mugindo  ... e muitos  pássaros,  tuins,  maitacas,  quero-queros... enfim,  seria  um lugar que,  as pessoas gostariam de ir   pelo menos mais uma vez,  antes de  partir  para  sempre.
      Como funcionaria ?
      Uma vez por semana,  seria promovido um encontro de todos os idosos,  que assim  o desejarem.
      Seriam levados por parentes ou voluntários, com suas  bengalas,  muletas,  cadeiras  de rodas,  suas  mantas,  seus remédios... Lá chegando, um passeio para respirar o ar puro e abraçar os amigos.  Então,  a fase seguinte seria a da conversação,  sob as árvores em cadeiras confortáveis,  trocando notícias de filhos,  netos,  vizinhos,   enfermeiros,  cirurgias, dores, remédios, terapias, enfim, alguém os escutaria com atenção  e carinho.
       O dia terminaria  com uma brincadeira de roda, ou só cantando velhas canções e até do cancioneiro infantil... e uma merenda que todos compartilhariam,  porque comer sozinho não tem graça.
       Depois, a volta para casa. Cada qual para o seu cantinho abençoado.
       Utopia?
       Quem sabe?
       Só tentando para conferir. 
       Alguém não teria um lugar assim para iniciar  esses encontros ?
       Alguém se habilitaria em me ajudar ?

              Mirandópolis, fevereiro de 2010.
                                                      Kimie Oku

sábado, 26 de novembro de 2011

HERÓIS DE CARNE E OSSO



Ao longo dos
meus quase setenta anos  de vida, 
conheci tanta gente heroica, que     no
anonimato do dia a dia, venceu terríveis batalhas nunca divulgadas.
Para mim, é sempre edificante  lembrar de dona Maria que, viúva com seis filhos pequenos para alimentar,  passou mil dificuldades, lavando roupas, fazendo faxinas  a troco de comida, que muita vezes vinha temperada de mil humilhações.
Certa vez, perguntei-lhe o que havia servido na véspera  para as crianças.  E ela me disse que havia cozinhado milho seco por horas, para torná-lo digerível. E outras vezes, ela mandara as crianças para cama mais cedo, para esquecerem da fome...
Outra amiga me contou que uma tarde serviu o jantar, feito com os últimos gêneros alimentícios que havia na despensa. E pediu a Deus que a socorresse, porque  não havia mais nada para consumir no dia seguinte.
Aí, bateram palmas à frente da casa, e ela foi atender. Era uma senhora que ela não conhecia, e havia trazido 
uma cesta básica para ela.
 De tão emocionada, ela só abraçou a benfeitora e chorou, agradecendo a Deus pelo pronto atendimento ao seu pedido. E nem se lembrou de perguntar o nome da bondosa senhora, do que
 sente remorsos até hoje.
Um arrendatário de algodão carregou por sete meses, a sua família  de meia dúzia de crianças, e mais treze famílias cheias de crianças e adolescentes, 
preparando   a terra para  plantar.
 Mas não chovia  e ele não podia plantar. E durante longos meses, esse homem sustentou todos eles, com compras que fazia semanalmente na cidade, 
endividando-se até o pescoço.
Mesmo naqueles  dias de desespero, ele comprava  umas melancias e distribuía aos peões e seus filhos, todos os sábados.
Era a única hora  alegre da colônia. 
Na tarde se sol ofuscante, 
todos comendo melancia a céu aberto. E felizes  com a doçura da fruta, misturada com a bondade do patrão.
E todos ficavam animados.
De manhã,  todos olhavam o céu
 à procura de uma nuvem. 
Mas, nada. A chuva não vinha.
E todos estavam desanimados e tristes.
 Sete longos  e tristes meses transcorreram...
Até que numa madrugada de
19 de outubro, desceu uma água 
 como nunca se vira antes.
Era um ribombar de trovões que não cessava, e raios que 
iluminavam como se fosse dia. 
E no meio daquele barulho assustador, ouviu-se a voz do lavrador, gritando para a esposa e filhos saírem da cama,
 para agradecer  a chuva que 
Deus havia mandado. 
E entre um relâmpago e outro, viu-se no  chão  de terra  da pobre sala,
a família toda ajoelhada, 
chorando e orando de gratidão.
Essa é uma das cenas mais comoventes,
que presenciei em minha vida,
 e sempre a associo aos mais belos quadros, pintados por famosos impressionistas. 
E era ao vivo.
Um menino de treze anos queria, de qualquer forma  ter um violão.
 Sonho impossível para uma família
 pobre de lavradores, 
mais ainda porque seu pai 
não aprovava a vida de cantores e violeiros.   Dizia que todos eles ficavam na boa vida, para não trabalhar.
 Mas o sonho do menino era verdadeiro.
 E ele trabalhou de diarista 
na roça dos vizinhos, 
aos sábados e domingos sem folga, 
para conseguir comprar  o violão.
 É que durante a semana, tinha que trabalhar  junto com a família 
na própria roça. 
E após muito  trabalho de sol a sol, conseguiu juntar o dinheiro,
 para comprar o tão sonhado objeto.
Minha mãe também foi 
uma dessas  heroínas. 
Viveu um vida duríssima, criando 
doze filhos na maior pobreza. 
Quando  o seu cotidiano era 
só de deveres pesados,
ela conheceu o crochê, que é um artesanato feito de linha trançada por uma agulha,  
com um gancho na ponta.  
Ela ficou muito encantada com o rendado do crochê, e quis também fazê-lo.  
Mas era pobre demais e, não podia comprar linha para crochetar.  
A urgência  era a comida para 
a família numerosa.
Sua paixão pelo artesanato 
não aceitava desistência.
Então, ela  começou a crochetar  com a linha de carretel, que era usada para
 costurar  a roupa da roça. 
A linha era tão fina e, os rendados não  alcançavam o tamanho dos  modelos.
 Entretanto, eram mais belos, 
porque ficavam mais delicados.
Dessa época duríssima da vida, 
ficou como consolo, a lembrança de quadrados de  renda fina,
 que ela crochetou para enfeitar
 as fronhas dos travesseiros. 
Eram todos brancos e belíssimos.
 Recentemente, conheci uma senhorinha que criou sete filhos sozinha, e comeu 
o pão que o  diabo amassou. 
Trabalhou tanto na roça que,
 hoje nem saúde tem mais. 
Naqueles tempos terríveis, ela contou que  tinha tanta vontade de tomar café, 
mas não podia comprá-lo, porque estava além de suas posses. Então, ela colhia sementes de fedegoso,
que é um arbusto que  cresce nas pastagens, torrava-as, e socava no pilão 
para fazer o café. 
Tinha um sabor diferente,
mas dava para enganar.
E isso aconteceu aqui no Brasil, onde o café era a base de nossa economia...
 era a bebida mais corriqueira.
E assim, há tantas histórias belíssimas de brava gente, ,que lutou e venceu, 
porque não desistiu. 
E cada história  é um exemplo de vida.
 E não é preciso pesquisar em 
enciclopédias nem na Internet. 
Essas histórias existem na vizinhança, 
na própria família. 
Basta perguntar. E ouvir.
Todos heróis de carne e osso, todos determinados em vencer, em não desistir. 
A caminhada foi longa,  e permeada de sacrifícios e renúncias sem conta,
 que ninguém pode imaginar, nem acreditar.
Ah! ia me esquecendo
de um jovem japonês, que  há mais de um século atrás, viveu para salvar 
os lavradores mais pobres da Província de Iwate, a região mais inóspita do Japão.
Foi Professor de Escola Agrícola, 
foi poeta, foi na essência, 
 um grande educador. 
Pesquisou os  solos áridos, pesquisou os tipos de fertilizantes, que poderiam fortalecer as terras improdutivas da região.
 E tanto se entregou  na missão de ajudar e salvar os pequenos agricultores que,
 ele próprio perdeu a saúde e 
acabou falecendo, com apenas  
trinta e oito anos de vida.
O nome desse herói é Miyazawa Kenji, conhecido  até pelas crianças do
 Curso Primário no Japão. 
Ele deixou como um legado para os lavradores, além do seu exemplo de vida, centenas de poemas que falam da terra,
 do sol, da chuva, das neves.
E o seu poema mais conhecido e traduzido para todas as línguas do mundo,
 foi um grito de dor e alento, para
as pessoas sofridas da roça. 
Lavradores que perdiam toda a safra de arroz para os terríveis invernos que assolavam a região.
Longos invernos, em que a neve enterrava 
o verde arrozal, que prometia o sustento de todos na próxima primavera e verão.
O poema diz  :

          Não se deixe derrotar pela chuva.
 Não se deixe derrotar pelo vento.
                                            Nem pela neve.
     Nem pelo calor causticante  do verão.
              Viva tranquilo sem enfurecer-se.
                             Esteja sempre sorrindo.

Parece apenas um poeminha sem valor, mas tem um significado profundo, porque
 o Professor Miyazawa viveu  tudo isso, quando passou a trabalhar como lavrador,  para  realmente vivenciar a dura vida, 
dos que se dedicavam  ao cultivo da terra. Labutando tanto e perdendo safras inteiras, para as mudanças climáticas.
 E o poema também resume a força e a coragem das pessoas aqui citadas,
que não se renderam às dificuldades da vida. 
Todas elas passaram por mil percalços, 
mas não desistiram, guiadas
por um desejo, um sonho, uma fé.
 Dona Maria conseguiu criar os seis filhos;
 a amiga que ganhou a cesta básica não passa mais necessidades; 
o arrendatário teve uma colheita excelente  e pagou todas as dívidas;o menino é hoje um respeitado 
Professor de violão;
a senhorinha criou os sete filhos que a amam muito, e me serve um  café gostoso 
quando a visito e mamãe foi feliz, crochetando até 
o fim de sua longa vida.
Todas essas pessoas são heróis anônimos
de carne e osso ,
 como foi Miyazawa Kenji.
Dignos  de respeito  e reverência.


   Mirandópolis, novembro de 2011.
                                                           Kimie Oku