quarta-feira, 29 de junho de 2016

                               Amai vos uns aos outros
A humanidade começou como um bando de seres grotescos, que não se diferenciavam muito de outros bichos que habitavam a Terra.. Disputando alimentos e água com eles... Focinhando na terra como qualquer quadrúpede.
      Entretanto, o homem conseguiu superar a condição de quadrúmano para se tornar ereto, firmando-se sobre duas patas. E a partir daí, conseguiu inventar recursos inteligentes, que o ajudariam na procura de conforto, além daquela vida cheia de obstáculos da floresta fechada.
      Aprendeu a localizar fontes de água e a transportá-la em folhas  de plantas para outros membros, a se defender de bichos, e a descobrir alimentos saudáveis para si e para sua prole. Isso levou milênios... E outros milênios passariam até atingir o grau de civilização atual do computador, da era digital, que permite comunicação instantânea com gentes de todo o planeta.
      Se a evolução de facilidades e conforto material chegou ao clímax, o mesmo não podemos afirmar sobre os sentimentos da humanidade.
Dizem que o homem foi feito à semelhança de Deus, com um espírito divino e um corpo material, que não se difere em essência de outros animais, porque como eles nasce, cresce e morre. Mas, desde os primórdios há registros de ocorrências, em que esse lado animal sempre prevaleceu sobre o divino...
E Deus foi tão sábio que entregou um Decálogo, para os homens viverem em harmonia uns com outros. Na essência, os Dez Mandamentos podem ser resumidos em uma única palavra: Empatia.
O que é Empatia?
É a capacidade de se colocar no lugar do outro e sentir suas alegrias, suas dores, suas aflições. É essa capacidade que torna a humanidade solidária. É a herança divina recebida de Deus.
    Quando Deus ordenou: “Amai-vos uns aos outros”, Ele apenas estava ensinando os homens a serem empáticos, solidários...Nada mais que isso. Mas, a humanidade se enveredou pelos caminhos da Ciência e do Conhecimento e se esqueceu dessa herança espiritual. Ficou soberba.
Pela ciência e pelo conhecimento, os homens passaram a competir e deixaram de colaborar uns com outros. Amar uns aos outros? Foi transformado em Combater uns aos outros... Comprovado com os absurdos que ocorrem no mundo inteiro na luta pelo poder, pelas riquezas, por territórios, por ganância pura...
Como isso ocorre?
Pelas ideias e ambições que se inoculam insidiosamente nas mentes      dos mais novos...Discriminando os pobres, os deficientes, os desbotados, os escuros, os menos cultos, os fracos, enfim discriminando a todos que são diferentes.
A humanidade desenvolveu não sei porque, o culto do belo, do perfeito e passou a descartar tudo que foge desse padrão. Concursos de beleza, Campeonatos e Olimpíadas dos mais fortes, dos mais capazes,  dos mais competentes... Ora, cada um tem seu limite, e mesmo que eu não supere outros posso estar dando o máximo de mim...Mas, fico abaixo da média e sou descartada. Injustiça inominável.
No início da era cristã, os leprosos eram jogados fora das cidades para não contagiar outros... Quando se aproximavam de povoados em busca da esmola de alimentos, tinham que balançar sinetas anunciando a aproximação, para que os moradores se refugiassem na segurança de suas moradias. Crueldade?  Achavam normalíssimo!  E eram Cristãos!
E chegamos na era atual com Hitler, e a sua loucura de julgar os judeus como desgraça da humanidade... Seis milhões de judeus inocentes executados, por ordem de um austríaco desequilibrado...
E chegamos ao Brasil, a Portugal, aos Estados Unidos, Inglaterra e França importando moradores da África, para os transformar em escravos... Simplesmente porque tinham a pele negra.
Quanta humilhação, quanta tortura infligida a uma raça por ignorância pura e maldade dos brancos. Porque Deus lhes dera uma pigmentação que se destacava...
E chegamos à América com a Ku Klux Khan, e seus homens pálidos, vindos da Europa se julgando superiores. Incendiando casas de ex escravos africanos e dividindo ruas e meios de transporte, porque tinham medo do contágio da cor negra. Página recheada de vergonha para o orgulhoso povo americano. Brancos que iam à Igreja rezar e em seguida, executavam os negros só por serem negros...
Por tudo isso que a humanidade cultivou até agora, o ataque ao Clube de Gays ocorrido esta semana em Orlando não foi por acaso. As pessoas estão sendo formadas com preconceitos, com ilusão de superioridade na sociedade atual. E essa formação torna-as duras, opressoras. E elas se outorgam o direito de julgar outros, pelo viés da perfeição como símbolo de pureza e correção. Jovens burros!
Nas redes sociais da Internet podemos constatar essa pregação desumana, que acontece diuturnamente. Pessoas de estatura baixa, gordas, compridas demais, magérrimas, de cabelos diferentes, de dentes protuberantes, que não sabem se vestir adequadamente são todas humilhadas publicamente, como se elas tivessem culpa por serem diferentes. E recentemente, esses grupos de intolerância combatem os gays, as lésbicas, os transexuais...E acabam criando monstros extremistas que, saem executando os que têm preferência sexual diferente do padrão comum. É muito triste isso, porque cada um nasce com suas tendências e ninguém tem nada a ver com isso.
Ah! Se esses arrogantes juízes pudessem ter um pouco de empatia! Perceberiam que o mundo dessas pessoas discriminadas é cheio de insegurança e medo. Perceberiam que não sabem como encarar as pessoas da própria família, os pais, os filhos, os vizinhos, os amigos...    Não é nada fácil ser diferente. Esses críticos só irão compreender o drama da discriminação quando tiverem um familiar com essas tendências. Tendências que não foram cultivadas, mas que fazem parte da personalidade do indivíduo.
A humanidade perdeu a essência espiritual e se preocupa apenas com o lado carnal, físico, material.
E os discriminadores do mundo inteiro têm parte na culpa pelo ataque de Orlando.
Está passando da hora de seguir a máxima de Deus: amar uns aos outros. A falta de humanidade está perdendo os homens. Transformaram-se em seres cruéis, sem empatia, que não sentem a dor do outro. Que não se importam e nem se comovem com o sofrimento alheio. Isso é muito triste e doloroso.
Nós perdemos a capacidade de empatia.
Perdemos a essência divina.
Mirandópolis, junho de 2016.
kimie oku in




domingo, 26 de junho de 2016

Gente de fibra –
         Helena Floriano Barbosa

         Nunca imaginei entrevistar uma pessoa que vivenciou episódios da Revolução de 32.
          Um dia desses, o professor Gabriel Tarcizzo Carbello, meu amigo de profissão e de Ciranda, me sugeriu entrevistar uma velha senhora, que fará cem anos de existência no próximo ano. E informou-me que ela tem memória extraordinária.
         E lá fui eu, para conhecer a senhora Helena Floriano Barbosa, mãe da dona Rosa, esposa de seu Jesuíno Fagnani, o popular Zuim Gás.
         Dona Helena nasceu em Sales de Oliveira, perto de Orlândia em 25 de junho de 1914, isto é há quase, quase um século. Filha de dona Rosa e Jaco Floriano.
         Seus pais eram de origem italiana e tiveram 14 filhos. O pai, senhor Jaco Floriano foi viajante, mediador de terras, vendendo extensões de fazendas, porque naqueles idos havia muita gente querendo abrir as matas, para iniciar o cultivo de roças. E quase todo o nosso Estado ainda era uma imensa floresta. Foi também proprietário de Máquina de beneficiar arroz, teve Oficina Mecânica e ainda trabalhou em engenho de cana.
        Quando a menina Helena tinha seus seis, sete anos de idade em 1920/21, a família mudou-se para Araçatuba, que era um vilarejo de casas em meio à densa mata virgem, que a cercava. Vieram se instalar na Fazenda do amigo Ângelo Pavão, que era um rico fazendeiro de café. A sede era exatamente no local, onde está instalada hoje a Santa Casa de Araçatuba. Naquela época, as famílias mais poderosas de Araçatuba eram os Colaferro, os Varoni, os Baracat, os Caserta.
         Dona Helena lembra que havia uma Fábrica de Refrigerantes, entre as ruas Aguapei e Marechal, perto da Praça Colaferro.   
      
Em Araçatuba, seu Floriano abriu uma Oficina Mecânica e Ferraria, onde construíam jardineiras, que tinham as laterais abertas. Depois de montadas as partes de ferro eram enviadas para Presidente Prudente, para o acabamento final.
         E ainda, ele servia de intermediário para a venda de terras na região noroeste. Um dia, ele veio até a nossa região e conheceu o Bairro Km 50, que era uma vila muito próspera, bem ali na estrada de terra para as Alianças. Gostou daqui, e veio de mudança instalar a sua oficina, esperando progredir, mas o seu filho não gostou do local. E aí venderam todos os apetrechos da oficina para um senhor japonês do Km 50.
         Com o dinheiro que emprestou a juros, financiou os comerciantes que aqui vieram se instalar antes dos anos 50.
         Em Mirandópolis, dona Helena aprendeu o Curso de Corte e Costura e passou parte da vida costurando em sua máquina, que tem até hoje e considera uma preciosidade.
       Aqui, instalaram-se numa casa que ficava nos fundos do Bazar Guarany. Na frente, onde hoje está instalado o Bazar da Noriko, era a loja de armarinhos de um turco, para quem dona Helena costurou muitas camisas e cuecas para vender. Ali perto era o Bar do Ponto, onde paravam os ônibus e jardineiras e, como chegavam muitas mulheres aventureiras, havia sempre bastante confusão. Várias vezes, sua mãe foi obrigada a chamar a polícia para por ordem no local.
         Ao lado da loja havia uma Pensão, onde se instalavam todos os viajantes que aportavam na cidade. Ela se lembra que o Doutor Edgar Raimundo da Costa morou uns tempos ali na pensão.
        Na época, não existia a Igreja que hoje é o cartão postal da cidade, nem a Praça Manoel Alves de Ataíde, só havia a Estação ferroviária. Era um amontoado de casas na rua que hoje é a Rafael Pereira, na época chamada Avenida Internacional. As pessoas, as jardineiras e as carroças transitavam em ruas de terra batida, que levantava muita poeira. Tudo em torno era mata virgem e à noite, a escuridão dominava o lugar.
Por essa época foi construída a capela de madeira, e seu pai  e seu futuro marido contribuíram nessa obra. Foi nessa capela que hoje não existe mais que, ela se casaria com o senhor Elpídio Barbosa, que viera de Valparaíso. Elpídio trabalhava na Serraria de seu Belmiro Jesus. Mais tarde, ele ajudaria na construção da Matriz, assim como o seu Jaco. Com ele dona Helena teve três filhos, sendo dois homens e uma mulher.
         Daqueles tempos, ela se lembra que lavou muita roupa de fora. Lembra em especial de dona Eunice do Dr. Afonso, para quem lavou e passou a roupa durante muitos anos. Lembra que lavou também as roupas de professores, que vieram dar aulas no Ginásio Estadual: Pedro Perotti e sua esposa dona Noêmia, que seriam seus padrinhos de casamento, Dalva Colaferro, Helio Faria, Dirce Jodas Gardel, Dr. Neif e dona Antiniska, e também para a família de seu José Galvani.
         Ela lavava as roupas manualmente, porque ainda não existiam as lavadoras. E passava tudo com ferro de brasa, porque também não existia o ferro elétrico. E a água era tirada do poço. Tudo isso era muito trabalhoso, mas a jovem Helena fazia esse trabalho com gosto, porque estava juntando dinheiro numa conta poupança, para comprar uma máquina de costura.
       
Quando conseguiu comprar a máquina, passou a costurar para fora, e chegou até a fazer vestidos de noivas. Mas, mesmo assim, ela continuou lavando roupa de fora, passava ternos de noivos e engomava enxovais de noivas.
          Seu esposo faleceu há uns trinta anos e hoje dona Helena mora com a sua filha e seu genro, a quem quer muito. Logo que ficou viúva, ela passou um tempo viajando, indo ver os irmãos e filhos. Diz que aproveitou muito, conheceu lugares, foi às praias e se divertiu bastante.
         A lembrança mais inesquecível que tem é da presença de soldados mato-grossenses, que queriam arrasar a cidade de Araçatuba com um canhão, mas foram repelidos pelos “Doze de Minas” na Revolução Constitucionalista de 32. Isso ocorreu em Araçatuba, e ela se lembra que toda a população saiu em debandada com suas malas, e outros pertences no alto da cabeça, fugindo da guerra.
          Na verdade, como ela era criança, tem a lembrança deturpada de tudo que presenciou. O que deve ter ocorrido de fato é que os soldados de Mato Grosso, que eram aliados dos constitucionalistas de São Paulo, vieram para proteger a cidade dos legalistas, que eram os soldados de Getúlio Vargas. Porque os mineiros eram soldados do Ditador Getúlio e pelejaram contra os paulistas, conforme os registros da História.
A chegada dos mineiros espantou os mato-grossenses.  E em todo o Estado, os revolucionários foram arrasados pelas Forças Armadas de Getúlio. Os rebeldes paulistas perderam, porque eram apenas 40 mil soldados e voluntários contra os cem mil soldados legalistas bem armados do Governo Federal. A rendição se deu em 04 de outubro de 32, após 87 dias de peleja, e custou a vida de 934 soldados paulistas.                             
          A Revolução Paulista terminou em derrota, mas em 1934, Nova Constituição Brasileira foi promulgada, e o Estado passou a ser governado por paulistas e não por Interventores do Governo Federal. Então, o sacrifício dos que lutaram e morreram não foi em vão, pois esses dois objetivos maiores dos rebeldes paulistas foram alcançados.
         Ela se lembra também da Campanha “Ouro para o Bem de São Paulo”, que os paulistas lançaram para a população contribuir com a Revolução, doando ouro e prata, que seriam utilizados para a compra de armamento bélico.
         Também lembra da aflição de seus pais porque justamente, quando estava para ocorrer o confronto em Araçatuba, sua mãe deu à luz a um irmão seu. Como não havia condições para a família fugir, seu pai resolveu ficar e entregou tudo nas mãos de Deus. Esse menino, que nasceu em plena Revolução Constitucionalista, recebeu o nome de Juarez, em homenagem ao General Juarez Távola, que era um dos comandantes das Forças Legalistas de Getúlio. Por esse detalhe percebe-se que, a família estava do lado contrário à Revolução Constitucionalista.
          Outra lembrança dolorosa que tem é da falta de gêneros nessa época. Faltou açúcar, que foi substituído por rapadura, faltou sal, querosene e outros gêneros necessários para o consumo do dia a dia. Foram dias muito difíceis para toda a população. 
         Hoje, dona Helena aos 99 anos de idade está aposentada, tem boa saúde, não toma remédios, ouve bem, tem excelente memória, sabe cuidar de si, não depende de outros para comer e nem para tomar banho. Só não enxerga muito bem. Gosta muito de conversar e de rememorar a longa vida que viveu, e diz que foi muito feliz.
         Tem saudades de tudo que vivenciou e só espera morrer em paz. Por tudo isso, dona Helena Floriano Barbosa é gente de fibra!

         Mirandópolis, agosto de 2013.
            kimie oku in
     http://cronicasdekimie.blogspot.com



sexta-feira, 24 de junho de 2016

Ciranda junina

     Cirandar é muito bom!
     As dengosas se enfeitam, pintam os lábios com um baton, põem um chapeuzinho e vestem um lindo sorriso. É motivo pra arrumar os cabelos, pra borrifar um perfume gostoso...
    Só pra abraçar os amigos.
    Pra passar uma tarde cantando, conversando e dançando.
    Até o Milton Lima Lima e a Remir vieram de Ilha Solteira. A querida Poliana também. A Regina Mustafa e o Oswaldo Resler...
    Muito cachorro quente, muita pipoca e canjica. quentão e chocolate quente.
   A Kimie  atendendo a um pedido do seu Agenor Garcia, expert em
música da Rádio Clube local, consultou o grupo sobre a participação num Encontro de Violeiros no Ginásio de Esportes, amanhã sábado. Como parte das festividades da cidade. Foi aceito por todos.
    Foram selecionadas "Moreninha linda" e "Xintã e Xororó", ambas de Tonico e Tinoco para cantar lá. E ficou estabelecido que todos comparecerão ao Ginásio lá pelas 14 horas.
    Depois, a festa continuou pela tarde inteira, com as pessoas comendo
 pipoca, bolos e canjica. Tomando chocolate quente e quentão.
    Foi uma tarde de pura alegria.  
    Festa Caipira pra ninguém botar defeito.
    Assim foi mais uma tarde de Ciranda.


    
     Mirandópolis, junho de 2016.
    kimie oku in
    http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/



segunda-feira, 13 de junho de 2016

       Trinta e sete anos depois...
Às vezes me acontece cada surpresa!
Há uns dias atrás, encontrei uma conhecida, que me perguntou repentinamente: “Você quer uma blusa tricotada em parte?” Fiquei surpresa com a pergunta, mas logo completou “É que tem em casa uma blusa tricotada pela metade, e você poderia aproveitar a lã ou terminar a blusa.”
Aí entendi a razão da indagação. É que faço todos os anos, coletes de tricô para distribuir entre crianças que passam frio.
Daí uns dias, a amiga trouxe o material numa sacola, e vi que além da blusa tricotada em parte, havia ainda oito novelos de lã da mesma cor. Era um trabalho bonito em ponto escama, e tinha também umas agulhas de bambu.
Intrigada por ter parado a obra, perguntei à doadora as razões. Ela disse que outra pessoa estava tricotando a blusa para ela, mas falecera repentinamente de aneurisma cerebral, há trinta e sete anos...
Trinta e sete anos atrás!
Naquele tempo, a minha amiga e essa outra moça que se chamava Yasuko Doi de Cafelândia, dividiram um apartamento em São Paulo. A minha amiga trabalhava numa Cooperativa e a Yasuko numa Fábrica de Chocolates. Elas se conheceram numa pensão, e resolveram partilhar um apartamento. E conviveram por quase vinte anos juntas. Por conta dessa amizade, Yasuko resolveu tricotar uma blusa de lã para a colega, que comprara os novelos.
Quando soube dessa história ocorrida há quase quatro décadas, fiquei comovida e peguei a peça com reverência e continuei o trabalho. Tive que ajustar o tamanho dos meus pontos e acertar as tramas. Demorou um pouco, mas consegui. Só que fiz um colete para usar sobre uma camisa de mangas longas. Porque não sei fazer direito as mangas em tricô. Como o ponto utilizado era bonito, até que ficou legal. Tentei dá-lo à doadora do material, mas ela não quis. Acabei doando à minha ajudante dos serviços de casa, porque ela vem de moto, e de manhã faz muito frio por esses dias. Ficou certinho nela. E ficou feliz pelo presente inesperado.
E ainda sobraram sete novelos para fazer coletes para crianças. E já comecei a tricotar de novo, para agasalhar crianças que passam frio. A minha amiga achou que a lã já nem prestasse mais, porém está perfeita e vai dar para fazer uns três coletinhos. Apesar de terem decorrido trinta e sete anos, a lã está forte e normal. É que as lãs antigas eram retiradas dos pelos de carneiro, e duram muito. Os novelos de hoje são mais sintéticos e nem aquecem como as lãs antigas.
Essa história mexeu com o meu coração. Estranhos caminhos foram percorridos, para esse trabalho vir parar em minhas mãos. Eu nem tenho muito contato com essa pessoa que trouxe esse material, só ocasionais encontros pelas ruas... Mas, ela e sua família eram amigas de minha mãe, que já está no céu.
Pensar que uma moça esteve a tricotar uma peça para a amiga, e de repente fora embora com apenas trinta e nove anos de idade... E deixara um trabalho inacabado... E esse trabalho, passados trinta e sete anos, vir parar em minhas mãos... Se não é obra de Deus, eu não sei o que é! E fico arrepiada ao pensar que estou sendo um instrumento Dele! Não é qualquer dia que acontece um milagre desses! Cheguei a chorar quando toquei a peça pela primeira vez... E pensar ainda que depois desse tempo todo, os coletes que farei irão agasalhar crianças de creches de Mirandópolis... Estranhos desígnios! Vir para mim depois de trinta e sete anos, de uma pessoa que não conheci e nunca irei conhecer. E eu compartilhei de sua última obra artesanal!
A lã comprada pela minha amiga é de cor marrom, da linha Caline da Pingouin. Tem uns fios dourados, é meio felpuda, mas fácil de trabalhar. Vieram também as agulhas número seis, confeccionadas em bambu, que naquela época nem existiam essas de plástico e acrílico... Retrato de uma época.
Tudo isso tocou profundamente o meu coração, e resolvi partilhar essa história com meus amigos, que leem minhas crônicas. E ainda a generosidade da amiga, que entendeu as minhas intenções em tricotar para crianças.
Um pacote de lã é fácil de se comprar na loja, fácil de doar, mas há muita gente que guarda novelos antigos no fundo de malas, e acaba se esquecendo delas. Gente que como eu poderia tricotar um colete, um cachecol, uma echarpe, uma touca e doá-los para o Asilo local, porque os idosos sentem muito frio. O corpo humano vai perdendo o calor físico à medida que envelhece.
Eu optei por crianças, porque há muitas que sofrem no Inverno, e eu não aguento ver crianças passando frio. Sempre penso que, devo ter passado muito frio na minha distante infância, porque a família era imensa e éramos muito pobres...
Mas, voltando à história, estou feliz por tricotar nesses dias frios, porque a lã aquece meus dedos.  E fico imaginando qual criança é que vai ser abraçada por aquela peça, que estou preparando. Porque a criança que será vestida por ela, estará recebendo um abraço meu, sempre que for usá-la. É essa minha intenção.
Gostaria que minhas amigas aposentadas também fizessem o mesmo, porque é uma atividade manual muito agradável, que faz bem à alma. Sei de muita gente aposentada que vive a se lamentar, porque sua vida ficou vazia e sem sentido. Vamos colocar um sentido na sua vida! Viver por viver, apenas comendo e dormindo não é viver! Tem que ter uma meta, um objetivo para viver mais uma hora, mais um dia, mais uma noite. Minha mãe faleceu com mais de noventa anos, e até o fim ela fez crochê! E essa Yasuko que tricotou pela metade também tinha uma meta, que era terminar a blusa para a companheira com quem convivia...
Sei também que um dia partirei e, deixarei tudo isso pela metade. Minhas peças de crochê, de tricô, minhas crônicas, meus estudos de Japonês, meus estudos de Piano... Mas  isso não tem importância. Porque a partida é por ordem de Deus. E chegando a hora, é hora de seguir para a eternidade...
Mas, enquanto essa hora não chega, vamos viver a aventura da vida com alegria, com paixão e servir ao próximo.
Se fizéssemos um grande círculo de pessoas obrando assim, não haverá necessidade de Campanhas de Agasalho.
     Porque a minha campanha é motivada apenas por amor ao próximo.         E bendito seja aquele que inventou o tricô!

Mirandópolis, maio de 2016.
kimie oku in