terça-feira, 17 de dezembro de 2013



                Gente de fibraKawasaki sama

   Há um tempo atrás, estava eu  na cabeleireira dona Hilda dando um trato nos meus cabelos, quando ali apareceu uma senhora japonesa da comunidade.
      Como ela sempre só conversava em japonês, eu tinha grande receio em me aproximar dela, porque é uma pessoa muito considerada entre os japoneses. Era um misto de medo e reverência.
    Enquanto esperava passar o tempo do procedimento a que me submetera, peguei um livro e comecei a ler. Era um livro japonês. E aí, ocorreu um fato inacreditável.      
     Essa senhora com quem nunca havia conversado, veio até mim e perguntou o que eu estava lendo. Eu lhe mostrei. Era a biografia de um dos heróis do Japão, Oda Nobunaga. Ela pegou o livro, folheou-o, e disse que era exatamente o tipo de leitura que gostava, e ficou muito admirada por eu gostar também.
          Terminado o serviço, voltei pra casa e esqueci o assunto da batiam. Qual não foi minha surpresa, quando sua nora Kazuko me apareceu em casa daí uns dias, perguntando se eu poderia emprestar o tal livro para a sogra. Eu lhe emprestei, e disse que possuía outros.
         E isso foi o começo de uma relação agradável, que passei a cultivar com a senhora Kawasaki. Através de uma Livraria de São Paulo, compro livros originais, que os importa do Japão para mim. Estudo a Língua Japonesa há mais de vinte anos, e atualmente, estou lendo livros da História Oficial do país de meus ancestrais. Enquanto vou aprendendo a língua, vou conhecendo também a História do Japão, que é muito interessante.
       Assim, andei lhe emprestando livros sobre os Samurais mais famosos, que mudaram a história do Japão: Takeda Shingen, Minamoto Yoshitsune, Oda Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi, Tokugawa Ieyassu, Saigo Takamori, Uesugi Kenshin, Sakamoto Riyoma, além dos literatos Higuchi Ichiyo, e Miyazawa Kenji e do  famoso cientista Noguchi Hideyo. Fiquei super feliz em compartilhar as leituras, porque até então, não tinha com quem trocar as impressões sobre esses heróis.
       Ah! Devo esclarecer a bem da verdade que, esses livros são destinados aos alunos do Curso Primário do Japão, e possuem poucos kanjis ou ideogramas, por isso sou capaz de lê-los. A língua japonesa é dificílima. A senhora consegue ler tudo em japonês.        
       Devagarinho, comecei a frequentar a casa dos Kawasaki, porque a senhora estava acamada por conta de um tombo, e hoje evita sair sozinha, porque já passou dos noventa anos.
         E numa das visitas, de repente ela começou a contar passagens de sua vida. Fiquei fascinada e lhe propus uma entrevista para a coluna Gente de fibra. Ela topou. E passei uma tarde muito agradável em companhia dela, do filho Sadao e da gentil nora Kazuko. Vimos fotografias antigas, e rimos muito das coisas engraçadas, que ela foi revelando. E descobri que ela é uma pessoa bem humorada, sem restrições, e aborda qualquer assunto com coragem, sem nenhum acanhamento.
       Bem, agora após esses esclarecimentos, passo a contar a história dela. Estamos falando da senhora Kimiko Kido, que ao se casar passou a ser Kimiko Kawasaki.
         Dona Kimiko nasceu na cidade de Ibaraki, Província de Fukushima, Japão em 1923. No Japão estudou apenas dois anos, pois emigrou com a família em 1932.  Veio ao Brasil com os irmãos Kazuo, Tsuguio e Fumiko, os pais Saburo e Toku Kido, os avós paternos e mais dois tios. Ao chegarem aqui, vieram parar na Colônia do Senhor Anze em Água Limpa, na região de Araçatuba, como colonos japoneses para trabalhar nas fazendas de café.
         Era criança e ficou fascinada com os vagalumes que pisca piscavam ao anoitecer, e como havia muitas bananeiras e laranjeiras gostou do lugar. Sua irmãzinha de cinco ou seis anos, porém chorava pedindo para voltar para casa (Japão).
          Ficaram durante dois anos em Água limpa.
      Seus pais ouviram falar de uma Vila chamada São João da Saudade (primeira denominação de Mirandópolis), que estava prosperando rapidamente. E se mudaram para cá, vindo morar inicialmente em Vila Nova. Os tios foram para o Bairro Km 50, que seria o projeto da cidade de Mirandópolis. Era um lugar bastante movimentado em 1934/1935.
        No Km 50, seus tios Kido abriram uma Sapataria que logo  prosperou. Então, a família de dona Kimiko também para lá se mudou, e o pai passou a trabalhar com os irmãos na Sapataria. Sua mãe, que era costureira passou a bordar uns enfeites nas botinas.
         Nessa época, a menina Kimiko frequentou a Escola japonesa ou Nihongô Gakko, onde um pai e a filha Katsuki eram professores. Eram muito eficientes e a menina Kimiko completou os estudos até o equivalente ao Colegial. Foi matriculada na Escola brasileira também, mas ela não gostou porque a professora Maria tomava a tabuada, e como errava sempre, ficava todos os dias de castigo, atrás da porta. E quando estava sentada na carteira, ao invés de prestar atenção na aula, ficava lendo revistas japonesas pela fresta que havia no tampo da mesa. Ela escondia a revista na parte de baixo, onde se guardava a bolsa. E com essas e outras, acabou desistindo da Escola brasileira, aprendendo somente o básico para se comunicar com as pessoas, mas sabe escrever e ler em Português.
         Quando moça, fez o Curso de Corte e Costura e passou a costurar para a família.
       Em 1943 já morava na Rafael Pereira e foi solicitada para dar aulas de Língua Japonesa. E ela dava aulas particulares para duas meninas. E tinha que atravessar cafezais para chegar às casas. Hoje, ela mesma se espanta da própria coragem, pois aulas em Japonês estavam proibidas nesse período de guerra, por um Decreto do Getúlio Vargas, para que os japoneses daqui não conspirassem contra os brasileiros e os aliados.
          Com vinte e dois anos de idade, casou-se com o jovem Toshio Kawasaki, que era um mecânico e trabalhava numa Máquina de beneficiar arroz, lá na Segunda Aliança. Como era uma pessoa curiosa e habilidosa, ele havia inventado uma máquina para fazer mortadela. Sabia também consertar máquinas de costura, e um dia ele reformou a máquina alemã Pfaff da senhorinha Kimiko. Mais tarde, quando um alfaiate viu a máquina ofereceu uma Singer nova, e a dona Kimiko fez a troca.
       Ao se casar foi morar na Segunda Aliança. Moraram numa casa imensa. Os sogros moravam em Bastos. O senhor Toshio durante suas folgas, ia às casas de famílias a cavalo, consertar máquinas de costura, ela ficava sozinha e tinha muito medo. E assim, os anos foram passando, com os filhos nascendo. O primogênito Sadao, que é um especialista em Ótica, a Tomie casada com o senhor Massayuki Ariki, a Satiko casada com Jorge Ohara, a Junko casada com Teruo Matsuda e o caçula Hideo casado com Mari. Dona Kimiko mora com a família do primogênito Sadao.
      Em 1945, o senhor Toshio comprou uma pequena Relojoaria, que viria a ser a Relojoaria Kawasaki, que está no mesmo lugar atendendo à comunidade há sessenta e oito anos, atualmente sob a direção de Sadao, ou seja na segunda geração da família.
    Entretanto, essa vida tranquila seria um dia interrompida, por um acontecimento insólito. Quando o filho Sadao concluiu um Curso de Ótica, que havia ido fazer em São Paulo e voltou para casa, o pai  Toshio faleceu de repente. Tinha só quarenta e seis anos, e o Sadao era um jovem de apenas 21 anos de idade.
         Seu Toshio Kawasaki partira e deixara para o filho mais velho, o encargo de cuidar da mãe e dos quatro irmãos, ainda adolescentes. O jovem ficou totalmente desnorteado, sem saber como administrar a loja e tocar a vida. Foi então, que o primo Takeshi Kido, o mesmo Dr. Kido que serviu a comunidade mirandopolense como odontologista, veio socorrer o jovem Sadao. Dr. Kido que, à época estava com 28 anos de idade durante um bom tempo, foi orientando o jovem Sadao na administração da loja, até ele conseguir caminhar sozinho.
       Por essa ajuda providencial, ocorrida num momento tão crucial, a senhora Kimiko e o filho Sadao dizem que, sentem uma gratidão imensa e nunca poderão esquecer. Têm um carinho especial pelo Dr. Kido.
      
       As irmãs também ajudaram muito na loja, para que o Sadao pudesse se dedicar ao serviço de Ótica, atendendo a clientela, que comparecia para aviar receitas de óculos.
      Com 31 anos de idade, Sadao se casou com a senhorita Kazuko Kasaya que procedia de Pereira Barreto. Desse matrimônio nasceu o filho Ricardo, que por um problema de genética perdeu totalmente a acuidade visual.
         Dona Kimiko conseguiu casar todos os filhos, e hoje tem além dos filhos, noras e genros, mais oito netos e dois bisnetos.
     Enquanto encaminhava os filhos, dona Kimiko participou de todas as atividades da Comunidade Nipo local. Foi Presidente do Clube das Senhoras (Fujinkai) por cinco mandatos, foi Vice Presidente, Secretária e Tesoureira. Sempre colaborou com a Associação, juntamente com as companheiras Sunada, Kawamoto e Toyoshima, todas já falecidas.
     Como apreciava danças japonesas, durante dois anos tomou aulas de dança com o Professor de kabuki, Kojima Sensei. Ela e suas companheiras de dança vendiam comida japonesa para pagar as aulas do Professor. O Professor vinha de São Paulo e se hospedava nas casas dos japoneses locais.
     Um dia, ela e suas companheiras, juntamente com todos os associados resolveram fazer uma promoção de udon, e isso fez tal sucesso, que até hoje há promoção de udon e yakissoba  mensalmente, no Clube Nipo.
      Quando era jovem, o pai Toshio gostava muito de cantar. E ao adquirir a Relojoaria, passou a vender os discos de vinil de 78 rotações. E logo, apaixonados pela música japonesa, ele e seus  vizinhos Eiji e Paulo Sato começaram o Nodojiman, ou Concurso de Canto Japonês. O primeiro Nodojiman aconteceu em 1954 ou 1955 no antigo Cine São João, que era na Rua 9 de julho, ali ao lado do Maeda, abrilhantado pela Banda Musical Tietê, de Pereira Barreto.
       E em 1956, os senhores Masatoshi e seu irmão Shizuo Nakajiyou, o senhor Kawasaki e  Nagata começaram a estudar,  para formar uma banda musical do Nipo. O músico Rui da Banda Musical da cidade foi quem deu as primeiras aulas, para leitura de partituras musicais. E por uma feliz coincidência, veio gerenciar a Agência do Banco América do Sul local, o senhor Tsutomu Inoue, que tocava violão e a sua esposa Hideko tocava bandolim. Eles se dispuseram a ensinar os interessados do grupo. Além deles, havia a senhorita Alice Sato, que era formada em Música. Assim, a Tomie e a Satiko da família Kawasaki, a Mitsuko Kido e outras jovens aprenderam a tocar bandolin, acordeão e outros instrumentos, acabando por integrar o conjunto musical, que recebeu o nome de Aiko Kai. Tinha dezoito instrumentistas, que passaram a tocar nas festas de bom odori também, além do Nodojiman, por muitos anos.
      Hoje, a Banda foi substituída pelos aparelhos potentes de karaokê que existem, e o grupo foi disperso.  Mesmo assim, todos sentem saudades daqueles tempos, em que cada um dava o melhor de si, para abrilhantar as festas.         
    A senhora Kawasaki dançou Danças famosas do Japão e foi muito aplaudida, porque desempenhava bem o seu papel de dançarina.  Existem muitas fotos comprovando a qualidade de suas danças. Hoje com mais de noventa anos de idade, e após fraturar  várias partes do corpo, ainda vive com coragem e disposição admiráveis, sempre se cuidando e se enfeitando para ficar bem apresentável. Disse que viveu uma vida longa e boa e é grata a Deus. Não tem mais nenhum sonho, apenas que Deus olhe o seu neto Ricardo, que por não enxergar, sempre é a sua maior preocupação.
         Daqueles tempos saudosos de Banda de Música, de ensaios, de danças e apresentações da batiam, ainda ficou uma herança cultural preciosa na família. O neto Ricardo, mesmo não possuindo acuidade visual, é um exímio pianista e tecladista. Aprendeu a leitura Braille e toca qualquer peça dos Clássicos. Consegue ainda, reproduzir as baladas japonesas, após ouvir duas a três vezes, pois tem uma memória auditiva fantástica. Volta e meia é convidado para participar de Saraus e Audições Musicais. Atualmente, está se preparando para tocar na Missa do Galo na Matriz.
   
      Kawasaki sama, que dedicou parte de sua vida cuidando do neto Ricardo, senhora sábia, que foi um dos pilares do Clube Nipo, que deu aulas de Japonês, que jogou gate ball por anos e anos, que liderou por décadas a cultura da Colônia com os Nodojiman, com as Danças, com os Bom Odori e com as Promoções Sociais, que vive em  perfeita harmonia com a nora Kazuko, com o neto e o filho Sadao, é sem dúvida alguma, um exemplo de vida. 
         É acima de tudo, Gente de Fibra!

        Legenda:

                  01- Senhora Kimiko Kawasaki atualmente
                      02- Famíla Kido  em Vila Nova Mirandópolis - 1934
                      03- Senhoras do grupo de dança japonesa
                      04- Banda Musical do Clube Nipo
                      05- Time de gateball
                      06-  Senhora Kawasaki  numa apresentação artística
        

         Mirandópolis, dezembro de 2013.
         Kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/




quinta-feira, 12 de dezembro de 2013



                                
        25000 visualizações
   Dois anos atrás, o jovem Luan Fabrício que digitava meus textos no Jornal Diário de Mirandópolis, me sugeriu que eu abrisse um blog para publicar minhas crônicas.
       Como era totalmente analfabeta do mundo virtual, resisti. Mas, um dia por insistência de minha neta, acabei aderindo. Abri um e-mail, um blog e passei a participar do face book.
     Não foi fácil no começo, só cometia enganos e mais enganos, conseguia deletar e mandar para a lixeira todo o texto, e tinha que recomeçar e recomeçar... E vivia pedindo ajuda de técnicos, que deviam me achar completamente idiota. Mas, fui teimando e insistindo e, acabei conseguindo digitar meus textos. Até inserir fotos aprendi! E hoje consigo fazer o básico, para publicar minhas crônicas. Vitória!
       E desde então, se passaram dois anos e um mês.
    E aí, fiquei assustada com a repercussão do meu blog. Em 25 meses, consegui vinte e cinco mil visualizações ou leituras de meus textos. Tenho leitores não só no Brasil como nos Estados Unidos, na Alemanha, na Rússia, em Portugal, na Ucrânia, na França, na Malásia, no Reino Unido e no Japão. As leituras de estrangeiros constituem um quarto do total, isto é mais de seis mil leituras!
     E isso ainda não entrou na minha cabeça, pois acho incrível que haja alguém lá na Malásia, na Ucrânia ou na Rússia que esteja lendo meus textos. Gostaria que esses leitores se identificassem, dizendo o nome e o local onde estão. Só assim acho que acreditaria de fato. Infelizmente a Internet não identifica os leitores ainda.
       Já postei 253 textos, dentre os quais há breves Ensaios sobre Escritores e Poetas famosos como Cora Coralina, Pablo Neruda, Gabriel Garcia Marquez, Manuel Bandeira, José Saramago, João Cabral de Melo Neto, Tomás Mann e Mário Vargas llosa; Biografias de pessoas que, pelejaram para construir Mirandópolis como Walter Víctor Sperandio, Dirce Cury da Costa, Severina Alves dos Santos, Takeshi Kido, Lió,  Kurao Iyomasa, Raimundo Bezerra, Minako Nomizo, Valdevino Emídio de Souza e tantos outros em  Gente de Fibra; Notícias sobre Ciranda, que é um grupo que, proporciona tardes de lazer a idosos que vivem sós; e Crônicas propriamente ditas, em que  comento tudo que me comove ou me aborrece.
       Também há textos de amigos, que confiaram suas produções para serem publicadas no meu blog. São excelentes crônicas e poemas de Ademar Bispo, Maria Nívea Pinto, Lupércio Ailton Nery Palhares, Marinho Guzman e Ulisses Silva Lacerda, que vieram enriquecer o meu arquivo para sempre. Esses amigos têm ligação direta com Mirandópolis, e cultivam certa paixão por essa terra.
         Os textos mais lidos são: Floradas na Terra, Homem de bem (sobre Edmir Batista), Uma tarde muito quente (de Ademar Bispo), Kurao Iyomasa, Gennaro Ordine, Waldir José Frigeri, José Maria de Carvalho, Neyde Pavezi (todos em Gente de Fibra) e La Cucaracha.
     Interessante é que gosto é gosto. Até agora não entendi porque  todo mundo gostou de Floradas na Terra, que é a campeã e tem mais de 600 visualizações. Acho que existem textos mais interessantes, que me custaram horas e horas de elaboração, como O Evangelho segundo Jesus Cristo, Paraiso Restaurado, Ongaeshi, Viagem de Ônibus, Salas de Espera, Enfisema Pulmonar, Cremação Sagrada...       
      Ah! Aproveito para esclarecer que às vezes, uso palavras japonesas em meus textos, como esse Ongaeshi, que exprime toda a gratidão, quando se é favorecido com um grande favor de alguém.  Uso termos japoneses, quando não consigo expressar de outra forma, o que estou tentando passar. Daí a vantagem de ser meio bilíngue. E tenho alguns leitores nihonjin.
     Gosto muito de ler os comentários, que os amigos postam nos finais de textos. Essas observações preciosas são o termômetro da crônica, se agradou ou não.  Sei que muita gente não gosta de escrever, mas para mim é muitíssimo importante a opinião do leitor, e aceito críticas, quando discordem do meu pensar. Afinal todo mundo tem o livre arbítrio. E a diversidade de pensamento irá me ajudar a escrever melhor, e respeitar a opinião dos leitores.
    Ultimamente, tenho deixado de escrever Ensaios sobre os poetas e escritores famosos, que deixaram tanta obra maravilhosa para a humanidade, Preciso ainda escrever sobre Marcel Proust, Josué Montello, Graciliano Ramos e tantos outros, dos quais conheci obras inesquecíveis.
      Tenho algo importante para comunicar. Sou consciente de que o meu Português é cheio de falhas, e nessa altura da vida, acho que não vou melhorar nem a sintaxe nem a ortografia, porque já estou na fase de esquecimento, e não consigo mais gravar regras. Escrevo como quem está conversando com alguém (o leitor), com simplicidade, sem complicações, pois o que quero realmente é apenas divulgar o meu pensar, as minhas ideias. Adoniran Barbosa fez o poema Trem das onze, cheio de maneirismos e conseguiu sucesso, porque falou ao coração e todo mundo entendeu o recado. Quem dera eu chegar a esse nível. Pra mim basta que seja compreendida. Não fiz Curso de Letras e muito menos Português.
     Ah! Sempre há algum amigo sugerindo que eu organize meus textos e publique livros. Isso está fora de cogitação. Não tenho pretensão de editar livros. Os livros no Brasil ficam encalhados nas Livrarias, Bibliotecas e nas Revistarias, por falta de leitores.
         Então pra mim está de bom tamanho que, de vez em quando, algum leitor visite meu blog e leia uma crônica, que não exige mais que alguns minutos. E se possível, poste um comentário.
         E muito obrigada a todos! Estou feliz!


         Mirandópolis, dezembro de 2013.
         kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/

       


segunda-feira, 9 de dezembro de 2013



                               Viver por viver
     Estive conversando com uma senhora não tanto idosa, que vive  praticamente sozinha, e ela me contou que não tem nenhum objetivo nesta vida. Vive por viver.
         Ouvir isso me deixou arrepiada. Como é que uma pessoa pode viver por viver? Sem um objetivo sequer? Acho isso impossível.


         Todos os seres vivos têm um objetivo: a cigarra vive para cantar no Verão. A formiga vive para abastecer provisões, para garantir a subsistência da família no Inverno. O cachorro vive para cuidar do seu território e de seus filhotes. As plantas vivem para fornecer flores e frutos e sombras... Tudo tem sua razão de ser, de existir. Agora, uma senhora dizer que não tem nenhum objetivo, pra mim é demais.
         E ela disse que ouviu numa certa palestra, que todo mundo tem que ter um objetivo (mokuteki em japonês). Após a palestra, foi para casa e ficou pensando, pensando, nem dormiu à noite, porque não achou nenhum objetivo em seu viver...
         Enquanto ela comentava isso, alguém lhe perguntou: “Por que não cria um bichinho?” E ela: “Bichinho prende a gente em casa, e prende pelo coração, que se morre, a gente sofre muito. E se a gente morre primeiro, como fica o bichinho?”“ E você não gosta de cultivar flores?” “Gosto, mas quando quero ver flores, vou a uma floricultura”.
         Olha, achei o caso sério demais, como pode uma pessoa ir pela vida, como um barco sem destino levado pelo rio?
         O normal de todas as pessoas é ter uma meta, um alvo na vida. Os jovens querem ficar adultos logo, para se emanciparem, para ter carteira de motorista e dirigir. E aí, o sonho é ter um carro. E ter um namorado ou namorada, casar, constituir um lar, ter filhos.
         Bom, ela já passou por tudo isso, é viúva e não tem compromissos com ninguém, pois o filho com quem convive é adulto e não depende dela.
         Acho muito estranho, porque também estou quase nas mesmas condições dela, mas todos os dias tenho várias metas: fazer exercícios para evitar dores no corpo, preparar uma refeição gostosa e saudável, bordar para cultivar o lado artesanal feminino, tocar piano para ouvir melodias, estudar a língua de meus pais, para conhecer mais sobre o Japão, conversar com os amigos pelo face book, escrever crônicas para compartilhar ideias com os  leitores e, orar pela segurança e saúde de familiares... São pequenas metas, que me estimulam todos os dias a continuar vivendo e pelejando. Metas que, levam ao objetivo maior que é viver bem, ser feliz e não desperdiçar os momentos, que Deus vai me concedendo.
         Deve ser muito triste não ter uma meta, uma razão por que lutar, se empenhar. Porque seria tanto faz como tanto fez... Que a água vá para cima ou para baixo... Nada importa. C’est toute la même chose...
         Chegar a esse nível é o mesmo que se congelar, deixar de viver, como uma folha seca levada pelo vento, sem lutar, sem se defender, sem se importar, despreocupada com o que poderá advir...
         Mas, essa conversa me fez prestar atenção em mais pessoas idosas ou não, que ao se aposentarem se entregam a uma tristeza sem fim, achando que o mundo acabou. Meu Deus, a vida não é só trabalho! Há tanto que se aproveitar, que curtir, que desfrutar.
         O aposentado tem tempo para conversar com amigos, visitar gente querida, ajudar algum vizinho doente, fazer um mimo bordando ou crochetando, para dar de presente a alguém que foi gentil com a gente. Conversar com o carteiro, com a margarida que passa varrendo a rua, dar-lhe um cafezinho, ir pescar, andar pelas ruas da cidade, para conversar com algum conhecido, ir ao bar da esquina tomar um cafezinho. Essas pequenas ações é que fazem a nossa ligação com o mundo, com a sociedade.
         Ficar no cantinho da casa, lamentando a tristeza da solidão, do abandono é o mesmo que aguardar a morte. E a vida é tão breve. O momento que passa não volta mais. Por que desperdiçá-lo suspirando? Esse minuto que não volta mais deve ser usado cantando, dançando, fazendo exercícios com os braços, caminhando com amigos, papeando com familiares. Mais tarde, alguém já terá partido e, as coisas não conversadas serão motivo de mais tristezas e remorsos. Aí, a lamentação vai crescer mais.
         Toda pessoa deve ter uma meta pelo menos por dia: dar uma pequena caminhada, ler algo interessante, dar um telefonema para aquele amigo ou parente de quem não se tem notícias, consultar o médico para descobrir as causas das dores na coluna, no joelho, no ombro... Isso significa zelar de si próprio, para não onerar ninguém com o desconforto da dependência. Porque se a pessoa não tem objetivo e não se cuida, vai descobrir um terrível objetivo mais tarde, que é se livrar da dependência de alheios, quando isso for praticamente impossível.
         Dizem que o choro é a manifestação de pena de si mesmo. Acredito que seja mesmo. A gente chora quando fica muito decepcionada, quando leva uma rasteira, quando perde uma pessoa querida. Chora de dor da perda, de comiseração de si mesma. E isso é uma coisa boa, serve de catarse, para aliviar a alma. Depois do choro vem o sorriso, o alívio. Então, é muito bom chorar para desafogar o peito, que parece explodir de mágoa, de tristeza, de dor. E isso acontece esporadicamente. Ninguém vive chorando constantemente, porque o choro é uma válvula de escape. Limpa a alma.
         E as pessoas que vivem travadas, sem uma esperança, um sonho, um desejo? Será que choram? O choro levaria a uma decisão com certeza. Decisão de descobrir um objetivo, uma meta, uma razão de viver.
         Gostaria de ajudar essa amiga que não tem nenhum objetivo, para que a sua vida seja mais agradável e cheia de esperanças... Entretanto, não sei o que lhe dizer. Como fazer uma pessoa normal retomar o gosto pela vida?  E a vida é tão breve!
         Talvez a convide para participar da Ciranda, onde aparecem tantas pessoas solitárias, querendo amizades, carinho, companhia...
        
         Mirandópolis, novembro de 2013.      
         Kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/




segunda-feira, 2 de dezembro de 2013



                               Última cirandada do ano
     Na sexta-feira dia 29 deste, fizemos a última reunião da Ciranda.
         Houve um imprevisto e fizemos na Cozinha Caipira, lá na Chácara do Dedé, na estrada para a Usina.
         Compareceram cerca de trinta cirandeiros. E a tarde não prometia muito, porque estava quente demais. Mesmo assim, o pessoal foi chegando, e se ajeitando para conversar com os amigos. A novidade do dia foi a chegada da Jandira Morales e seu esposo Dinho. Chegaram meio ressabiados, achando que eram estranhos no  ninho, mas logo perceberam que conheciam quase todos e ficaram à vontade.
         Na primeira hora, todos ficaram trocando as notícias de famílias e de amigos. Servimos um lanche gelado e o pessoal se animou. Começou a cantoria, comandada pela Vina, Dona Fermina, Dedé e Rachel. E aí todos ficaram animados. E cantaram, cantaram, enquanto lá fora se aproximava um temporal. Tudo ficou muito escuro. Para distrair a atenção formamos a roda da Ciranda e brincamos de cirandar. Seu Orlando declamou seus poemas, assim como o Angulo Bernardes Marcos, o popular Dinho e mais alguns cirandeiros que cantaram na roda, dançaram, fizeram graça.   
      As novas cirandeiras Jandira e Aparecida se declararam felizes, por estar fazendo parte do grupo e, agradeceram por terem sido convidadas. Prometeram participar de outras reuniões.

         Aproveitei o momento e expliquei que na Ciranda há três restrições: É proibido discutir Religião, falar de Política e cobrar taxas, porque esses assuntos acabam criando situações desagradáveis. E a Ciranda só tem um propósito: proporcionar um pouco de alegria para as pessoas idosas que vivem sós
         Lá fora choveu, mas foi um chuvisqueirão, sem maiores problemas. A chuva refrescou o ar e tudo ficou mais agradável.
         Servimos melancia como sobremesa, e combinamos que faremos um almoço no próximo encontro.      
         Ao final, dei os recados dos amigos ausentes e desejamos boas festas e um Bom Natal para todos.
         Quando os cirandeiros partiram já estava anoitecendo.
         Ano que vem tem mais, se Deus quiser!
        
         Mirandópolis, novembro de 2013.
         kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/


quinta-feira, 28 de novembro de 2013


                        Gente de fibra
                Hayao Kojima

     Às vezes, Deus estabelece desde cedo o destino de seus filhos. E nem sempre atentamos para isso.  O nosso entrevistado de hoje, Hayao Kojima teve seu caminho traçado desde jovem. 
         Hayao Kojima, o farmacêutico mais antigo da cidade nasceu na Segunda Aliança em 1936, tendo, pois 77 anos de idade dedicados à vida de medicamentos e curativos. Sua família era numerosa, composta de sete irmãos. Sua mãe tinha bronquite asmática e sofria muito com as crises, que a deixavam sem ar. Toda vez que isso acontecia, ela precisava tomar uma injeção para aliviá-la. Vendo seu sofrimento, o jovem Hayao adolescente , aprendeu e passou a aplicar as injeções para debelar as crises. E assim, bem jovem ainda, resolveu ser farmacêutico, para cuidar dos que precisavam de assistência, como a sua mãe.
         Seus pais eram japoneses oriundos de Nagoya, da província de Aichi ken. Como imigrantes vieram parar em nosso município, mais precisamente na Segunda Aliança. Lá nas Alianças, seu pai trabalhou na BRATAC, que era uma Cooperativa fundada pelos japoneses imigrantes, que comprava os casulos de seda, produzidos pelos agricultores da região. Esses casulos eram encaminhados para a Indústria de fiação de seda, e foi muito importante para economia do país.      
         Quando se mudaram para Mirandópolis em 1948, os pais abriram a Sorveteria Meia a Meia. Era um Bar, Sorveteria e vendia Udon, prato típico japonês à base de macarrão, que o próprio pai preparava. Esse estabelecimento ficava no local onde hoje é a Farmácia São Paulo, de Sérgio Zuin na Rafael Pereira.
         Hayao nem concluiu o Curso Ginasial, pois precisava trabalhar para ajudar a família. Assim, ainda garoto foi trabalhar na Farmácia do senhor Moribe, que mais tarde seria do Senhor Yanagui. Essa Farmácia era a União, na esquina da Rafael Pereira com a João Domingues de Souza.  A conclusão de estudos não foi possível também, porque foi convocado para servir ao Exército Brasileiro. Foi servir em Corumbá, Mato Grosso.
         Nessa época, década de 50, na Avenida Rafael Pereira havia muitos japoneses com seus armazéns e outras lojas. Lembra que havia a família Motomiya, que tinha um Armazém de Secos e Molhados, a Sapataria dos Kido, o Bazar dos Mochida, que hoje é da Noriko e Mineo Nakano, o Bar do Ponto que era dos Yamada. Havia ainda, os Takayanagui, os Tanaka, os Nakamura, os Suguisaka, os Ijichi. Naquela época, não havia quase carros e as carroças, charretes e cavalos enchiam as ruas nos dias de compras.  Enquanto a família fazia as compras, os animais eram amarrados numa cerca de arame farpado do outro lado da rua, voltados para o pátio da Estação Ferroviária. Eram dias agitados, porque todo o povo da roça vinha para a cidade e, as ruas e lojas ficavam bem movimentadas.
      Quando foi liberado do Quartel, Hayao foi para São Paulo, mais precisamente ao Bairro Santo Amaro, onde aprendeu os ossos do ofício, com o senhor Yoshinobu Ito da Farmácia Nossa Senhora Aparecida. Lá ficou por três anos. Em seguida, fez o Curso Oficial de Farmácia em São Paulo, equivalente a uma Faculdade de Farmácia, que nem existia ainda.  O Curso era muito puxado, os Professores eram bem exigentes. E a prova final era realizada no próprio Centro de Fiscalização. Hayao se lembra até que, na parte prática do seu exame final, teve que preparar manualmente um supositório.

  
   Naquela época, havia muitas Farmácias na cidade. Havia a São Luiz de Delfino Silveira Pinto, a Nossa Senhora Aparecida do Mário Koike, a do Delmiro Luiz Rigolon, que trouxe sua Farmácia de Machado de Mello, a Farmácia São Paulo de João Zuin, a Farmácia Central dos Irmãos João e Carlos Fujita e Alcides Galvani, a Farmácia de Machado e Yanasi, que mais tarde seria do senhor Silvino, lá onde é hoje a Auto Escola do Vítor Nakamura, e a Farmácia do Senhor Nelson Yurasseck, que também iniciara no ramo em Amandaba.
         Quando voltou de São Paulo, após concluir o Curso, seu irmão Carlos e o senhor Takatomo Ijichi haviam adquirido a Farmácia São José, que era do senhor Baricordi, localizada exatamente no lugar onde está a Farmácia Tietê hoje, na esquina da Rafael Pereira com a Rua Dr. Edgar Raimundo da Costa.
          Anteriormente, a Farmácia havia sido da senhora Valdemuza de Mello e sua irmã. Elas a venderam para o senhor Silvino do Espírito Santo, que por sua vez vendeu para o senhor Baricordi. O senhor Takatomo Ijichi e o irmão Carlos Kojima, que também era um farmacêutico a compraram do senhor Baricordi, batizando-a de Farmácia Tietê, porque o senhor Ijichi era de Pereira Barreto, cidade localizada às margens do Rio Tietê.
         Em 1963, os Irmãos Kojima adquiriram a parte do senhor Ijichi, e em 1972, Hayao comprou a parte de seu irmão, que se transferira para São Paulo, onde foi se dedicar ao comércio de roupas.

         E há mais de cinquenta anos, Hayao está cuidando da população mirandopolense, com o fornecimento de medicamentos. Lembra que houve época em que, era necessário ir às casas dos doentes para aplicar penicilina, de quatro em quatro horas. Isso demandava muito tempo. Teve que trabalhar muito. E o difícil é que grande parte das contas só eram pagas na safra. E a safra do café e do algodão só ocorria uma vez por ano. E quando a safra não era boa, o comerciante sofria também, porque a dívida ficaria para ser saldada só no ano seguinte. A maioria das enfermidades eram a gripe, diarreias e curativos de machucados.
         O que mudou hoje, em relação ao comércio de medicamentos é que o governo está tentando controlar a venda dos antibióticos, para diminuir a automedicação. Mas, isso é uma questão de cultura, e vai demorar para o povo tomar consciência de que, sempre é necessária a orientação médica, para usar os remédios corretos. O farmacêutico concorda com a medida do governo. Se o paciente não segue as orientações médicas, e se automedica de forma equivocada, poderá com o tempo desenvolver resistência a antibióticos, que dificultarão seu tratamento. E a doença, que seria vencida com sete dias de antibióticos certos, poderá se tornar incurável.
         A Farmácia Tietê faz parte da Franquia Multidrogas.  Hayao Kojima é um dos sócios fundadores dessa franquia. Essas franquias foram surgindo para unir e fortalecer as Farmácias. Em grupo, têm condições de adquirir mais medicamentos e com preços mais acessíveis, facilitando na revenda.
         Hayao se diz muito satisfeito de ter sido farmacêutico. Durante mais de meio século se dedicou a essa missão de servir à comunidade, e acha que foi útil e valeu a pena. Conseguiu formar uma bonita família com a dona Marina Fukuda, que era uma Cabeleireira Profissional bem competente. Após o casamento, dona Marina ficou ainda um tempo trabalhando como Cabeleireira, em seu Salão, para adquirir uma casa para sua mãe viúva e para uma irmã deficiente. Depois, passou a ajudar na Farmácia, onde atendia sempre com muita atenção e um bonito sorriso.
    Dona Marina foi uma batalhadora, pois além de cuidar da casa e dos três filhos, ainda se dedicou por anos e anos à Farmácia e ao Clube Nipo local, participando de campanhas, de comemorações e outros eventos culturais. Hayao foi Presidente do Grupo Old Boys e do Clube Nipo, mas nunca pode se dedicar muito, porque o seu trabalho na Farmácia não lhe permitia ausentar-se. Então, a esposa Marina fez a sua parte, com muita dedicação. Ele mesmo se espanta de constatar como ela conseguiu dar conta de tudo. Infelizmente, a dona Marina já partiu há quatro anos, deixando além do esposo, mais três filhos, sendo dois homens e uma mulher,  um genro, duas noras e duas netas. Os filhos já estabelecidos estão bem, a filha e um filho também se dedicam à área da Saúde. Provavelmente o caçula seguirá as pegadas do pai, continuando com a Farmácia, pois já há um tempo está junto, trabalhando como Farmacêutico.
    
          Como ficou sozinho sem a Marina, a filha dá toda atenção ao pai, almoçando em sua companhia sempre que pode, e ele se sente grato por isso. Os amigos Itio Nakano, Takeshi Kido, Haruo Nakano periodicamente se reúnem com ele para conversar, e preservar a velha amizade. E recentemente, a convite de seu filho primogênito fez uma turnê lá pelo Japão, especialmente na Ilha de Okinawa, onde moram os parentes de sua nora. Disse que foi uma viagem maravilhosa, que Okinawa realmente é indescritível de tão bela. Diz que ficou estarrecido de ver o tamanho das instalações da Base Militar Americana nessa ilha.
         Mesmo com setenta e sete anos, seu Hayao vai à Farmácia todos os dias, e não consegue ficar longe dela. Cuida ainda de um sítio, onde cria gado de corte.
       Seu Kojima é um homem realizado, que passou a vida fazendo o que gosta de fazer. Só lamenta ter perdido a companheira Marina, pois no próximo ano completariam as bodas de ouro. Diz que a vida foi boa e ele foi feliz, nada tem a lamentar e só quer curtir o tempo que lhe resta em paz.
       Hayao Kojima, nissei, brasileiro, farmacêutico, que durante décadas serviu e continua servindo à população de Mirandópolis é gente de fibra!  

   
         Mirandópolis, novembro de 2013.
         kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/



sexta-feira, 22 de novembro de 2013



                Gente de fibra – Lió

       O cidadão mais conhecido de Amandaba atualmente é o Lió.
         Lió e o apelido do baiano Leopoldo José Santana. Nasceu lá nas terras do cacau num lugarzinho chamado Xapuri, perto de Canavieiras, Bahia em 24 de abril de 1934 tendo, pois 79 anos de idade. Este cidadão administra um famoso Restaurante de comida caseira no Bairro de Amandaba,em Mirandópolis.
       Quando lhe pedi uma entrevista,  seu Lió resistiu dizendo que a sua história é muito triste e não valia a pena contá-la. Depois de alguma insistência, concordou.
        Lió nasceu numa família de posses, seu pai havia sido polícia em Canavieiras, que fica perto do mar e possuía uma fazenda de cacau, manga e gado. Como havia vinte e dois filhos, todos tinham que trabalhar muito desde crianças. E colhiam o cacau, que era colocado nos caçuás para levar até a baica, que era uma espécie de terreirão. Depois de colhido, o fruto era partido para se retirar as amêndoas. Estas ficavam empilhadas na baica para esgotar o vinagre que contêm.  Esse vinagre também tinha sua utilidade. Só então eram espalhadas na baica para a secagem. À noite, eram colocadas dentro de um galpão coberto, de onde eram retiradas no dia seguinte até a secagem final. Quando estavam prontas, as amêndoas eram ensacadas e despachadas para o porto, para serem exportadas.   Havia muito trabalho, mas a família vivia bem porque todos pelejavam, e tinham uma vida mais ou menos confortável.
    
     Mas, aconteceu um fato que arrasou com o destino da família. Perto da  fazenda, havia um grupo de índios e bugres que criavam porcos. Estes não eram alimentados e, movidos pela fome vinham até a fazenda de seu  Ceciliano José Santana, pai do Lió e comiam toda a mandioca que era para o consumo da família.  Certo dia, seu Ceciliano perdeu as estribeiras e matou todos os porcos. Os índios deram parte e o pai foi preso. A mãe desesperada com isso, juntou todo o dinheiro até as últimas moedas, e conseguiu que um advogado o liberasse. Quando os índios souberam de sua soltura, vieram todos armados de arco e flecha para matar o seu Ceciliano. Este, que era um homem forte estava armado de um clavinote, que era uma arma poderosa de fogo da época, e enfrentou os vizinhos. E disse que mataria a todos, se não saíssem de sua propriedade. Com medo da arma, os índios recuaram, mas o chefe deles rogou uma praga: “Você está livre dessa, mas vai perder tudo e vai passar necessidade nesse mundo”
         A praga pegou, o homem ficou doente, o gado foi morrendo, o cacau não deu mais e por fim, perderam a fazenda. Sem ter a quem recorrer, a família atravessou o sertão e foi parar num lugar chamado Bonito. Com o pai doente, os filhos enfrentaram a vida trabalhando onde houvesse quem os contratasse. Não havia escola no lugar, e a vida de todos era só trabalhar. Passaram muita fome. Lió e os irmãos iam pelas fazendas próximas moer cana, conduzir boiada para vender por léguas e léguas, às vezes demorando mais de um mês para voltar. Não tinham onde dormir, e a roupa era só a que tinham no corpo. Quando voltou de uma dessas duras viagens, o pai havia falecido.
         Desgostoso com tanto sofrimento, despediu-se da mãe e veio para o Estado de São Paulo, prometendo ganhar dinheiro para lhe enviar. Veio parar em Machado de Mello em 1949. Tinha apenas 14 anos de idade, mas já havia sofrido muito. Anos mais tarde, Lió foi ver a mãe lá na Bahia.
         Ninguém queria contratá-lo por ser menor de idade... Aí, foi trabalhar para o senhor Wada que tinha um sítio de cafezal perto do bairro,  e uma Máquina de beneficiar café em Mirandópolis. Perto do pontilhão existia a Serraria do senhor Matias. E lá trabalhava  o carreiro Borges, que buscava toras para a Serraria. Esse Borges morava num rancho, perto do Grupo Escolar de Amandaba, e o Lió foi morar com ele. Cada vez que chegava das viagens, o seu Borges trazia mudas de árvores, que o Lió foi plantando em volta da casinha. Hoje é  aquela matinha que existe perto da Escola, com dezenas de árvores.
          O tempo passou e o Lió já mais forte e mais maduro foi contratado para fazer derrubadas de matas, para os fazendeiros da região. Trabalhou na Fazenda Tingoré em Andradina. Derrubou matas até a beira do Rio Feio, para formar cafezais na Fazenda São Caetano do senhor Milton Gottardi. Trabalhou também montando as enormes torres de energia elétrica e atuou em Marília, Vitória do Espírito Santo, Rio de Janeiro. E na Ilha Solteira furou muitos buracos para fixar as bases das torres. Torres essas, que cruzam todo o espaço brasileiro levando energia para os diversos lugares.
       Lió trabalhou também para o senhor Luís Marcondes, ajudando-o a colocar telhas e o relógio na Igreja matriz de Mirandópolis. Lembra que o padre Epifânio não dava folga, cobrava perfeição no serviço e sempre lhe chamava a atenção. Implicado com as exigências do velho padre, Lió costumava esperar o momento certo, para jogar um pouquinho de massa na cabeça dele, de lá do alto da torre, só para provocá-lo.
                Conheceu a moça que seria sua esposa, a dona  Duzolina,  quando ela derriçava café para os Gottardi. Com ela, tiveram sete filhos, dos quais dois são falecidos. Dentre os filhos há um encarregado de uma firma para a qual trabalha, o outro tem Mercearia, e uma das filhas é Enfermeira. Todos os filhos são casados e colaboram nos trabalhos do Restaurante, e mesmo os que trabalham fora ajudam nos finais de semana, quando o movimento é maior. Além dos cinco filhos, genros e noras, há catorze netos e onze bisnetos.
         Há uns trinta anos, cansado de batalhar na lavoura, seu Lió comprou o prédio do seu Paulo Kanamaru, que tinha uma Sorveteria. E aí instalou um barzinho, onde vendia peixe frito e cerveja. E o Bar caiu no gosto do povo, mais precisamente da moçada de Mirandópolis. E quem não conhecia, perguntava onde era o barzinho de peixe frito. E as pessoas de Amandaba respondiam: “É ali, ó!” E foi assim que o homem ficou com o apelido de Lió. Com a frequência de consumidores aumentando, seu Lió resolveu fornecer comida também. E a família toda se envolveu no atendimento ao público. E  o cardápio era bem simples, composto de arroz, feijão, farofa, pururuca, salada, carne de porco frita e frango frito.  E há seguramente quase três décadas que, essa refeição está garantindo o sucesso do Restaurante do Lió. Tem assíduos consumidores, que vêm de Andradina, Araçatuba, Guaraçaí, Mirandópolis... até de São Paulo.
         Mas, não havia espaço suficiente para servir a clientela. Seu Lió plantou centenas de árvores na esplanada da velha Estação ferroviária abandonada, e instalou mesas sob o arvoredo. E assim está usufruindo de um espaço que estava perdido e cheio de mato. Sua obrigação é manter o local limpo e seguro. Há dezenas de mesas rústicas ao ar livre, que ainda são insuficientes em certos dias de domingo e feriados.
         O Restaurante só começa a atender a partir das dez horas da manhã, e fornece marmita para quem não pode ir até lá.  Só fornece comida durante o dia, à noite não. Normalmente, fornece de 200 a 300 refeições por semana. E quem as prepara são a sua esposa dona Duzolina, seu filho Valdete, as noras Jo, Shirlei  e a ajudante Maria. Todos os membros da família ajudam atendendo às mesas, preparando e entregando marmitas e na faxina final. Toda a família come no restaurante.
         Seu Lió não nega um prato de comida a andarilhos que passam por lá. É que ele já passou muita fome com a família, e sabe como é duro para um pai ,não ter um pão para saciar a fome de um filho. E toda vez que ele se lembra desse pedaço de sua vida não consegue segurar as lágrimas. Chora de verdade...
      E aí bate umas saudades dos antigos moradores de Amandaba... Seu Adelar Junqueira, seu Paulo, seu Nelson, Zezão açougueiro, Seu Nelson Yurasseck... que tinha uma farmácia bem ali do lado do Restaurante, quando o seu Paulo  Kanamaru tinha o Bar e Sorveteria.
      Hoje ele possui algumas casas no bairro e uma chácara, que está ajeitando devagarinho. Seu maior sonho é ajeitar o Restaurante, com uma cozinha bem equipada, para dar conforto aos que lá labutam.
         Já beirando os oitenta anos de muito trabalho e sofrimento demais, seu Lió ainda é uma potência de coragem e disposição, mas quando se toca no seu passado de jovem, ele chora sem poder exprimir tudo que sofreu nessa vida.
         Leopoldo José Santana, o famoso Lió de Amandaba, baiano arretado de bom e muito querido por todos os seus amigos e clientes, por tudo que já passou e venceu é um homem de fibra!

         Mirandópolis, novembro de 2013.
         kimieoku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/