sábado, 30 de maio de 2015

                                Tião e João Mikio
    Eu o conheci quando trabalhava na Loja Tecidos Mirandópolis, onde atuou por longos anos, servindo a população com muita presteza e elegância.
      Depois, eu o via vendendo algodão doce pela cidade e água de coco, com a simpatia de sempre. E por fim, montou um barzinho, que sempre atraia os amigos para tomar uma água de coco, um sorvete...
      Enquanto pelejava pela vida, frequentava a Igreja Messiânica, onde foi amigo de minha mãe dona Aurora. E como os demais membros, servia a população orando pelos doentes, ministrando o johrei, que é uma oração para aliviar o sofrimento das pessoas. Estava sempre de bem com a vida...
      Ultimamente, organizava festas de crianças, com o brinquedo pula-pula, seus algodões doces, as bexigas coloridas. Estava sempre cercado de crianças...
      A cidade conheceu o Tião alegre, positivo, sempre sorrindo...Mas, carregava uma dor muito grande no peito. Não tinha saúde. Tempos atrás, teve que se submeter a uma cirurgia do coração. E foi por essa época que tive um contato mais próximo com ele. Toda semana, ele ia a Araçatuba buscar seus remédios do coração no Centro de Saúde. Ia de madrugada, e vinha a pé até o trevo esperar carona para voltar para Mirandópolis. E eu lhe dei carona uma porção de vezes. Eu voltava toda segunda-feira de Araçatuba, onde ia nos finais de semana ajudar um filho que tinha comércio lá. Era ótimo ter sua companhia na volta de Araçatuba. Sempre descia ali na esquina da nove de julho, para ir direto trabalhar na Tecidos Mirandópolis...
      Numa dessas viagens, ele me contou que ficou tão envergonhado de sair pela primeira vez, para vender algodão doce. Tinha vergonha de se encontrar com os amigos, mas a necessidade do dia a dia o obrigava a apelar para essa atividade. Foi em Amandaba. E confessou que os amigos foram chegando, e lhe deram a maior força. Então, nunca mais ficou com vergonha. Belas lembranças o Tião deixou em nossa memória. E mais ainda na de crianças.
      O João Mikio veio para Mirandópolis trabalhar no Banco do Brasil, quando era a época de vacas gordas. A Agência local tinha dezenas de funcionários, que se uniram na construção da AABB, ou Associação Atlética do Banco do Brasil. E como o comércio e a lavoura iam de vento em popa, clientes doavam novilhas para churrascos. E era churrasco em todos os finais de semana... Como era um clube fechado, só os familiares dos funcionários o frequentavam. E havia os jogos de truco, com aquela gritaria escandalosa, que nunca cheguei a entender... E o futebol de campo e de salão... com os campeonatos envolvendo funcionários de outros Bancos da cidade. O Clube era rústico e mal acabado, mas cheio de vida, bem frequentado.
E o basquete das esposas dos funcionários... Tive o privilégio de participar, apesar de ser baixinha. Era apenas para brincar e passar as horas. E no final, depois de suar a camiseta, tomávamos a cervejinha gelada com aperitivos que o Wilson Imolene sempre nos brindava. Essa brincadeira durou dez anos, e só foi aposentada porque funcionários foram transferidos, levando as basqueteiras para outros locais. Quando uma delas ficava prenhe, nós xingávamos os esposos.... E havia a sauna também, que curtimos muito... Depois, a piscina.
Era tanto churrasco, tanta cerveja que, um dia todos os funcionários estavam com taxas elevadíssimas de colesterol e triglicerídeos. E aí, todo mundo teve que fazer regime...
Quando recordo esse tempo de nossas vidas, comparo-o com O Grande Gatsby, filme que registrou uma época de ouro do passado... Para mim realmente foi uma época de ouro... Que nunca mais voltará.
O João chegou e cativou todo mundo. Eu me lembro que  tinha um humor impagável. Certa vez contou que, quando passou no Concurso do Banco foi nomeado para atuar numa pequena cidade perdida no interior da Bahia. E lá, ninguém havia visto um japonês ou descendentes... Então, quando ele se dirigia ao Banco, todos os moradores ficavam espiando e tecendo comentários... Certo dia, ao voltar com os colegas, havia uma platéia para vê-lo passar. E ele falou alguma coisa para os companheiros. E então, do meio do povo, alguém gritou: “E ele fala!”
Já aposentado, ele passou a cultivar a terra, como todo japonês, a criar gado e cuidar de horta. E foi nessas incursões, que ele e a Keiko se reaproximaram de nós, pois apareciam no nosso sítio para trocar ideias com o meu esposo. Foram poucas visitas, mas que marcaram com sua alegria, e entusiasmo de viver. E estava programando uma reunião futura em seu sítio, para inaugurar sua casa e tomar uma cervejinha conosco. Mas, Deus o levou.
Em seu lugar ficou uma imensa saudade.
Saudades do Tião.
Saudades do João Mikio.
Mas, muito obrigada por terem existido!
Vocês fizeram a diferença em nossas vidas...

Mirandópolis, maio de 2015.



quinta-feira, 28 de maio de 2015

                               Doença em família
    Ando bem incomodada ultimamente.
      É que estão ocorrendo muitos casos de doença de amigos e parentes. Há tantas famílias sofrendo com pessoas queridas acamadas.
     Conhecer muita gente ou ter uma família numerosa significa que está sempre envolvida com problemas. É verdade que, há momentos felizes também como nascimentos, aniversários e casamentos. Mas, o mais frequente são os problemas com doenças, com falecimentos que nos atingem no dia a dia. Como minha família é numerosa, sempre há alguém precisando de ajuda médica, e outros cuidados. E por ser idosa, conheço muitos amigos, e dentre eles também há casos de doenças. Todo dia, alguém me comunica que certo amigo ficou gravemente doente, ou que algum familiar foi acometido de um mal incurável... Tudo isso é muito triste, mas já até virou rotina, pela frequência que ocorre. Infelizmente.
        Não passa um mês sem o falecimento de um amigo querido ou de um conhecido. E a gente vai perdendo o chão. Às vezes, volto de um velório e logo fico sabendo de outro funeral. E isso vai apertando o cerco, como se me acuasse, como se me fizesse ir para a ponta da fila, para ser a próxima...
        Por outro lado, tenho que considerar que, foi muito difícil para a família Kawasaki perder vários familiares num pequeno espaço de tempo. Foram cinco perdas em dez meses...
        E sei de amigos que estão pelejando para recuperar a saúde ou para salvar algum membro da família... Alguns tiveram um mal estar súbito que os deixou acamados, tornando-os dependentes para as necessidades básicas.  E aí, é necessário o home care, que é uma assistência médica em casa, que algumas famílias afortunadas podem dispor graças aos onerosos Seguros  Saúde... E fraldas descartáveis, e alimentação apropriada, e cuidados especiais... A rotina da casa fica de pernas pro ar... Outros menos afortunados ficam amarrados ao Hospital Público local, que pouca ajuda pode oferecer. Dizem as más línguas que deixar lá um doente é deixá-lo para morrer...
        O que mais dói é ver uma criança nascer sem condições de se tornar independente. O dia a dia dos pais é triste, recheado de medo, revolta, esperança, orações, suspiros...  E há casos de crianças saudáveis que, de repente param e a vida fica travada... Não há explicação para esses casos... E o sofrimento dos pais parece ser até maior, porque conheceram a criança vendendo saúde, cujo futuro parecia tão promissor... E tudo isso é interrompido. Por que?
        Tive uma amiga, que um dia adotou uma recém nascida. E a criou com muito mimo, porque a filha legítima já era adolescente, e podia se dedicar à pequena. Até os dois anos de idade, a criança se desenvolveu normalmente e se tornou a paixão da família. A mãe tinha tanto orgulho e, vivia mostrando para os amigos os encantos da menina... Mas, um dia, ela começou a travar e foi aos poucos paralisando-se. E foi irreversível, apesar de tentar todos os recursos possíveis e disponíveis na época... Enfim, depois de meses de sofrimento e impotência entremeada de esperanças, a pequerrucha acabou partindo. Foi muito doloroso. Para essa mãe ficou apenas o consolo de umas fotografias da menininha, que ela mostrava para todo mundo, rindo e chorando e contando como ela fora feliz por ter cuidado desse anjinho...
        Toda família tem alguém doente, que precisa de cuidados, de atenção. E observando as ocorrências de dezenas de famílias, cheguei à conclusão que, quando adultos ficam doentes de males irreversíveis, é preciso abaixar a cabeça e aceitar, porque são adultos e já viveram a sua cota de vida. Difícil é aceitar males irreversíveis em criancinhas, que nem viveram ainda... Até hoje fico questionando Deus pelos anjinhos que nascem só para sofrer.
        E toda família que, está passando por essa situação precisa do consolo de amigos, de uma visita, de palavras de estímulo, de coragem para cumprir o que lhe foi destinado. Porque não é fácil cuidar de um doente durante as vinte e quatro horas do dia. A vida de mães e pais que estão passando por isso, fica completamente desorganizada, e muitos deles se esquecem de viver a própria vida. Dedicação extrema, que o doente exige ou requer e que torna os cuidadores meio autômatos, sem alegria,   sem espaço para realizar seus desejos... Visitar doentes é difícil?  Mesmo assim, é necessário que os amigos o façam. Porque se um amigo não estende a mão e o ombro amigo, quem o fará?  E praticar a solidariedade é preciso.
        Amanhã, o amigo poderá também precisar de ajuda... Ninguém sabe o que o destino nos reserva no porvir.
        Todos nós falamos com firme convicção que, não desejamos ficar acamados e dar trabalho para outros. Mas, isso não depende  de nossa vontade. Tem alguém lá no alto que tudo vê, tudo decide e dispõe de tudo. Ninguém quer viver pela metade, sendo auxiliado nas mínimas necessidades, porque é humilhante demais não poder cuidar de si próprio, e ter que ser lavado, higienizado e alimentado por alheios. Isso não é viver.
Mas, a vida muitas vezes vai embora devagarinho, como uma vela que vai sendo consumida pelas chamas. E nada pode mudar esse processo. E nós sofremos vendo uma pessoa querida ir se apagando como uma vela. Sofremos pela nossa impotência, pela nossa incapacidade de ajudá-la nesses momentos finais. Cabe a nós apenas orar, orar, orar e pedir a misericórdia de Deus. E proporcionar-lhe o máximo de conforto possível nessas horas derradeiras. Sem dor.
Ver um ente querido ser consumido por dores lancinantes é uma experiência terrível Aliás, eu gostaria de saber a razão de existir a dor. Ela judia das pessoas e ninguém lucra com isso. Já perdi uma pessoa querida passando por dores indescritíveis. Era tanta dor, que ela perdeu a voz para gemer, mas continuou se contorcendo até perder a consciência. E eu me senti uma inútil, sem poder ajudar a dirimir a dor. Até hoje me dói tanto relembrar a cena...
Apesar disso tudo, viver é preciso, porque a vida é uma graça que a poucos foi concedida. Então, travemos os dentes e vivamos com coragem, enfrentando todas as dores e todos os sofrimentos a nós destinados. E viva a vida!

Mirandópolis, maio de 2015.
Kimie oku in


       



        

quinta-feira, 21 de maio de 2015

   Aura Divina

         Li em algum lugar que o coração das pessoas é que faz o mundo girar. Parece uma ideia tola, mas se pensarmos bem, veremos que há certo fundamento.
Pensemos numa casa que foi habitada durante anos por determinada família... Quando seus moradores partem e a casa fica vazia, começa a deteriorar-se sem uma razão aparente. Se outros moradores vierem a ocupá-la, ela se manterá de pé. Mas, se ficar vazia será uma casa condenada. Mesmo que seja habitada por animais acabará morrendo. Já vi isso acontecer com casas ocupadas por vacas e morcegos...
Se uma casa/matéria ocupada por humanos pode ser mantida viva, deve haver algo inexplicável nesses mesmos humanos, para segurar o chão, as paredes, o teto, as portas, as janelas... Sem tocar nelas...
O que seria isso?
Energia, luz, potência?
Não sei se é apropriado ou não, eu chamaria essa energia de “aura”, que Deus nos concedeu como uma porção sagrada, para nos diferenciar das demais criaturas. Se os humanos fossem como os outros animais que nascem, crescem, se cruzam, procriam e morrem, não precisariam dessa aura, dessa força espiritual.
 Por que Deus nos atribuiu tal aura?
Porque fomos feitos à sua semelhança.
Mas, ele não nos fez santos, porque também somos matéria bruta, tosca e perecível... Deu-nos entretanto, o livre arbítrio. Então podemos arbitrar em sermos tolos ou sábios, santos ou malfeitores... Essa foi a maior tacada de Deus para com a humanidade.
E é exatamente essa aura que todas as mulheres, herdam quando passam a ser mães. As mães é que sentem em toda a plenitude essa força espiritual, que as faz sorrir, chorar, orar, cantar, emocionar ou desesperar-se...
As mães e os pais em menor grau, ao deixarem os filhos como partes de si neste mundo, transcendem de seus corpos e caminham pelo mundo dos filhos, mesmo que os caminhos sejam escuros e desconhecidos... Eles oram sempre para que o sol brilhe, que a chuva chova, que o vento sopre e, que a água jorre das fontes para que a vida dos filhos seja possível.
Como vêm, o ser humano não se limita apenas em fazer   suas necessidades primárias. Há algo nessa relação familiar que, transcende a matéria, algo feito de puro sentimento, de bem querer. E ninguém consegue se libertar desses laços...
Nosso mundo já passou por tantas tragédias como a fome, a peste, a escravidão, as guerras, os furacões, os terremotos, as explosões de usinas nucleares e a desgraça dos psicotrópicos... Tragédias que produziram milhões de vítimas inocentes...
E sempre, sempre a humanidade se une e faz o impossível para tentar salvar as vítimas... O que move essa humanidade?
Solidariedade? Compaixão? Misericórdia divina?
Acho que é essa aura é que move as pessoas. É ela que continua empurrando a Terra no espaço sideral, para formar dias e noites, luz e escuridão.
Então não seria demais afirmar que “o coração das pessoas é que faz a mundo girar”
   Nunca esqueçamos que a misericórdia e a compaixão nos foram concedidas para diferenciar das demais criaturas.     
          É por tudo isso que a casa se mantém de pé!

Mirandópolis, maio de 2015.
          kimie oku in


quarta-feira, 20 de maio de 2015

                        Saudades das batians
   Hoje perdi uma preciosa amiga. Tinha 92 aninhos, e eu sabia que não iria conviver muito com ela, quando começou a nossa amizade há dois anos.
     Eu a respeitava muito e não tinha coragem de me aproximar dela, pois não saberia estabelecer um diálogo, devido à pobreza do meu Japonês. Ela só conversava nessa língua. Mas, um dia aconteceu algo incrível! Ela me dirigiu a palavra! Eu estava lendo um livro japonês, e ela queria saber o que era. Espantadíssima, mostrei o livro. Era a biografia de Oda Nobunaga, um dos heróis da História do Japão. Ficou admirada de eu saber ler um pouco de japonês. Daí uns dias, ela me pediu que lhe emprestasse o livro. Tínhamos o mesmo gosto pela História antiga do Japão. Foi assim que começou.
     Como estudo a língua de meus antepassados, leio livros da História do Japão, pois enquanto aprendo a língua, vou conhecendo a História do país de meus ancestrais.
     Depois desse primeiro contato há uns dois anos, passamos a trocar livros, e bem ou mal eu conseguia me comunicar com ela. E cada vez que me encontrava com ela, ficava mais encantada pela sua simplicidade e sabedoria. Passei a visitá-la, pois ela tinha dificuldade de locomoção pela idade avançada (90 anos!). E passei bons momentos, ouvindo coisas do passado, sobre amigas que havia perdido, sobre atividades realizadas no Clube Nipo... E um dia, ela começou a contar fatos engraçados de sua vida. Então lhe pedi uma entrevista, para contar a sua vida em Gente de Fibra, que publiquei no Jornal Diário da cidade. Em Gente de Fibra, relato a biografia de gente que ajudou a construir a cidade de Mirandópolis, e já publiquei dezenas delas. Histórias de gente simples que passou a vida toda trabalhando e ajudando a sociedade a se desenvolver... Desde o sorveteiro de rua, ao dentista, o último charreteiro, o professor de violão e outros tantos... Que já ultrapassaram a conta de cinquenta gentes de fibra.
E sexta passada, dia 24 de abril de 2015 foi o funeral de minha respeitável e querida amiga Dona Kimiko Kawasaki, que foi um exemplo de cultura, beleza e líder da comunidade japonesa local. Para mim foi uma preciosa amiga que respeitava muito.
     E, após o funeral, fiquei pensando nas doces batians que perdi ultimamente. A primeira foi a Senhora Natsuko Yuassa. A senhora Yuassa era a mãe do nosso querido médico Dr. Roberto Yuassa, que tanto bem já fez em prol da nossa gente.
     A abordagem com essa senhora foi diferente.
     Um dia, caiu em minhas mãos um livro em japonês, que era a história dessa senhora, contada por ela mesma. À época, eu estava iniciando o estudo da Língua Japonesa, da qual era completamente analfabeta. Tentei ler o livro, usando dicionários... Levei meses e só entendi algumas passagens da vida dela. Curiosa como sou, juntei coragem e atrevimento e fui visitá-la. Nessa primeira visita, só consegui lhe explicar que queria entender o livro. Comunicação era impossível: ela só falava japonês e eu não entendia nada, absolutamente nada do que me dizia. Mas, foi gentilíssima e me pediu para voltar lá. E assim, pouco a pouco fui chegando e aprendendo tanta coisa, que me ensinou. Com sua orientação, consegui ler e entender a história de uma jovem que viera ainda adolescente, como imigrante para o Brasil. Do sofrimento, das lutas, da dificuldade de adaptação...
Nossa amizade durou mais de vinte anos, até ela partir... Passei tardes inesquecíveis, ouvindo suas memórias do Japão, sua tristeza pela perda do neto tão jovem ainda e do esposo... Era uma poetisa, e escrevia poemas para um Jornal japonês, publicado no Brasil... Tinha uma cultura sólida e vasto conhecimento do comportamento humano. Aprendi muito com ela. Aprendi a amá-la também! Tenho saudades das horas que passei com ela...
     Outra batian querida foi a Senhora Someko Miyamaru, que faleceu em 2013. Ela morava na esquina da Praça Manoel Alves de Ataíde, no casarão que fica próximo à antiga Casa de Saúde, hoje inativa.
     Quando mamãe era viva, eu a levava nas casas onde se celebravam cerimônias religiosas, em memória de falecidos das famílias... E ao terminar a celebração, ia buscá-la. E volta e meia, dava carona para a senhora Miyamaru também. Depois que mamãe faleceu, fui visitá-la um dia. E ela me pediu: “Você não é filha da Senhora Osaki? Então, faça a parte dela, me visitando de vez em quando! Sua mãe foi embora, mas gostaria que você viesse porque sou muito sozinha, e não posso ir até a sua casa!” Ela tinha problemas de varizes nas pernas, que dificultavam seu caminhar.
     Condoída pelas condições dela, passei a visitá-la de vez em quando. Levava DVDs de novelas japonesas e coreanas, que a deixavam encantada. Levei também CDs de música japonesa, que ela amava.
     Ela sempre me perguntava as mesmas coisas sobre minha aposentadoria, sobre as atividades de meu esposo, sobre os familiares... E contava passagens de sua vida repleta de trabalho, que a deixaram inutilizada, com as pernas cheias de varizes dolorosas... Disse que um dia, o Dr. Yoshito Kanzawa a repreendera porque trabalhava demais na roça. Ele teria dito: “Você não é homem para se matar de tanto trabalhar!” Mas, trabalhava muito porque o esposo falecera e tinha sete filhas e apenas dois filhos. Quando ia vê-la, ela segurava minhas mãos para que eu não viesse embora... Era uma mulher alegre e sempre me levantava o astral quando saía de lá. Faleceu há uns dois anos... Nossa amizade durou mais ou menos uns dez anos...
     Interessante é que tenho vocação para ouvir pessoas idosas. É que só os idosos podem me ajudar a fortalecer meu conhecimento da Cultura Japonesa. O contato com essas senhoras me fez praticar a língua, e hoje consigo me comunicar em japonês, embora meu Japonês seja meio arrevesado... Mas, valeu a pena ter convivido com elas, e partilhado de suas vidas. Vidas de trabalho, de sacrifícios e de muitas saudades...
     E por fim, quero falar de outra batian, que amei demais e não soube lhe dar o devido valor. Minha Mãe!  Foi uma moça valente que ficou órfã ainda adolescente, e teve que cuidar dos irmãos e do pai de uma hora para outra. Casou-se com apenas dezoito anos e criou doze filhos! Teve problemas com papai, que bebia muito, mas ela foi firme até o fim, mesmo depois que ele partiu. Trabalhou como uma escrava para dar conta de criar os filhos e, viveu noventa anos. Quando na velhice, não tinha mais trabalhos a fazer, visitava pessoas doentes e ministrava o johrei, que é uma oração da Religião Messiânica. E por mais de trinta anos, percorreu a nossa cidade, orando pelos doentes... Era conhecida como dona Aurora. E fazia um crochê belíssimo. Ela amava fazer crochê. Na família, há dezenas de peças feitas por ela, que nós usamos com um misto de saudade e reverência. Mamãe Torá Tsutsumi Osaki também é uma batian, que se transformou em estrela lá no céu. Preciosa estrela!
     Hoje estou também no limiar da vida, e olho para trás, sempre com saudades. Saudades de gente tão gentil, que me permitiu partilhar de suas vidas, só pela companhia, dividindo a solidão de suas tardes...
     E acredito que fui uma pessoa privilegiada, por ter sido agraciada pela simpatia dessas batians queridas...

     Mirandópolis, abril de 2015.
     kimie oku in



quarta-feira, 13 de maio de 2015

         Descoordenação Motora
       
      De repente, senti dificuldades em abotoar o punho da camisa. Consegui abotoar é verdade, mas demorei para fazê-lo. E fiquei bastante preocupada.
       Ultimamente, sinto que o peso dos anos vai afetando partes do meu corpo. E não sou de entregar os pontos. Faço minha caminhada diária, exercito os braços, as pernas, o pescoço, a coluna e até os dedos das mãos.
        Mesmo com todos esses exercícios diários, o corpo vai perdendo a agilidade e a força. Antes, abotoava a camisa facilmente e amarrava os cadarços dos tênis num segundo.
      Hoje demoro mais. Estou mais lerda em todos os sentidos.
      Existem recursos para cuidar da pele e evitar as rugas... Existem complementos alimentares para não travar as articulações... Existem Academias que cuidam das partes afetadas do corpo, com mais atenção e exercícios adequados... Existem remédios para controlar a hipertensão arterial, o diabetes... Existem remédios para afinar o sangue, para baixar o colesterol, para ajudar os rins a funcionarem direito... E existem alimentos light para o consumo adequado e saudável... Há mil recursos para melhorar o nosso desempenho.
      Mesmo assim, os Consultórios Médicos e Hospitais estão sempre lotados de pacientes, pedindo ajuda. Nos consultórios médicos e nos hospitais, nunca o paciente é atendido na hora marcada, porque há muitas emergências...
    A população centenária está crescendo assustadoramente no mundo, e os governos não estão muito preocupados em oferecer assistência adequada... Ao dar uma volta na cidade, a gente percebe como as coisas mudaram ultimamente... Existem vagas para o estacionamento de carros dos idosos, ao lado dos cadeirantes. Mas, as vagas são reduzidas em proporção aos  motoristas idosos. No mínimo, a proporção deveria ser de dez por cento, assim mesmo nem todos seriam atendidos... E a fila dos idosos em agências bancárias, hospitais e casas de comércio para atendimento preferencial, sempre é muito longa. Ainda bem que bancos e hospitais dispõem de cadeiras nas salas de espera...
     Ao observar as pessoas que passam pelas ruas, percebemos como grande parte delas têm dificuldade em caminhar. Mesmo adultos de meia idade, com apenas quarenta, cinquenta anos estão arrastando as pernas, capengando, usando muletas, carregando o corpo com dificuldade extrema... Essa deficiência adquirida por causas diversas é a que mais se evidencia, mas existem outros problemas que não saltam aos olhos, como o problema da perda de acuidade auditiva, visual e de memória.
     O que será que está acontecendo com a humanidade?  Por que viver se tornou um peso?  Onde estamos errando, para maltratar do próprio corpo assim?
      Se nos compararmos com os bichos, percebemos que o nosso estilo de vida mudou muito desde a nossa criação.
   Assim como todos os demais seres vivos, fomos colocados no Paraíso, que era uma floresta natural onde não faltava água, ar e comida. Ao sermos expulsos de lá, nossa sina passou a ser de lutar pela sobrevivência. E então, passamos a caçar os bichos e procurar frutos para consumir...
      Todos os bichos comem apenas para saciarem a fome.
     O homem, não! Ele come, come, come, até ficar empanturrado e passar mal. Esse defeito é uma das principais causas das doenças, ou falta de saúde dos humanos. E agora, a humanidade está sofrendo por causa de obesidade, por excesso de peso. E em consequência, seus joelhos, suas pernas e articulações são detonados e começam a doer. E aí recorre às bengalas, às muletas, às cadeiras de rodas. E o pior de tudo é que recorre aos remédios ilegais vendidos por conhecidos, para tirar as dores... Não são remédios, porque não eliminam as causas das dores, apenas disfarçam provisoriamente as dores... E são fabricados em fundos de quintais, por gente que só quer ganhar dinheiro, enganando os que sofrem. Se fossem remédios aprovados pelo Conselho Nacional de Medicina, seriam vendidos em farmácias. Basta pensar nisso para constatar que, tudo isso é ilícito e faz mal. E fazem mal mesmo, porque essa droga ilegal vai se acumulando no organismo e trará efeitos colaterais assustadores, como inchaço, arritmia e problemas do coração. É urgente pensar nisso!
     Enquanto o cidadão consegue ir e vir, sua vida flui mais ou menos regularmente. Mas, no momento em que isso se torna impossível, sua vida fica travada definitivamente... Porque o homem é um ser caminhante, e sendo assim, não pode ficar extático, sem movimentos.
     E para se evitar tudo isso, é preciso caminhar. Caminhar faz bem. Faz o coração acelerar, faz o sangue circular mais depressa, faz os nervos se exercitarem para não  travar,  faz o corpo perder o excesso de peso, faz a pele transpirar eliminando as toxinas...
    E todos sabem que com o advento dos veículos motorizados, o homem ficou preguiçoso e não caminha mais.
    Os animais ao contrário, continuaram no seu estilo de vida, lutando pela sobrevivência, que ficou mais difícil devido à inconsciência do homem, que destruiu o seu habitat natural. Os bichos andam como nos primórdios dos tempos e, bem ou mal vão seguindo sua dieta, sem comer demais e mantendo a saúde sem problemas. Os bichinhos de estimação é que ficaram diferentes devido à interferência do homem, que tenta a todo custo humanizá-los...
       O homem é um ser racional. Racional?
     Deus nos concedeu o livre arbítrio para usar a razão à vontade. Daí as incoerências, que a humanidade vem praticando... Comer demais, deixar de caminhar, deixar de exercitar-se, consumir carne em excesso, consumir porcarias como psicotrópicos, cigarros e bebidas alcoólicas... Todo esse regime está realmente destruindo a humanidade. E o pior é que, cada vez mais jovens estão se perdendo por esses desvios.
     E nós da fase outonal da vida, procuramos seguir as regras da vida saudável a todo custo... Mas, os anos pesam...
      E é natural que, a descoordenação de partes do nosso corpo vá se acelerando para os embates finais da vida.
        Tudo isso é uma preparação, que devemos aceitar.

        Mirandópolis, abril de 2014.
        kimie oku in
        http;//cronicasdekimie.blogspot.com.br/


segunda-feira, 4 de maio de 2015

Cirandada de abril

O mês de abril sempre é agradável, porque é tempo de Outono. No Outono, os dias ficam luminosos, o calor diminui bastante e a chuva dá o seu ar de graça.
E no dia 30, último dia do mês fizemos o nosso encontro de Ciranda.
Sentimos a falta do Professor Joãozinho e Mariinha, porque ela perdera na véspera um irmão, o Didier Secanho. Também faltaram uma dezena de amigos por problemas de saúde, e outros compromissos. Mesmo assim, compareceram mais de duas dezenas de cirandeiros.
Gerval e Jovanini compareceram bastante animados e, juntos com o seu Albertino animaram a tarde toda, com os acordes das sanfonas e do violão. E como acontece sempre, os cirandeiros formaram uma roda e cantaram. Fizeram a brincadeira da Galopeira, prolongando o som até os pulmões aguentarem... E a dupla Gerval e Jovanini cantaram várias músicas engraçadas de seu repertório. Foi bastante engraçado e foram bem aplaudidos.
Quem não queria cantar ficou conversando com os amigos em outras rodinhas, trocando notícias.
Como é costume foi servido um bom lanche e refrigerantes, além do cafezinho de dona Cleuza, anfitriã.
Seu Orlandinho declamou seus poemas, e foi muito aplaudido. A Vina, a Cleuza e a Nair soltaram a voz, cantando músicas de Sílvio Caldas e de Monsueto.
E assim foi a nova tarde dos Cirandeiros!
À tardezinha, todos voltaram para suas casas, bastante animados e já contando com o encontro de maio.
E viva a Ciranda!



Mirandópolis, maio de 2015
kimie oku in