domingo, 23 de maio de 2021

 

            Provérbios

     “Sangue é mais denso que água”

Vertido para o japonês é: 血は水より濃い

É um dito popular mais profundo do que uma simples comparação. A referência é a família. Significa que os laços de sangue são mais fortes ao se comparar os membros de uma sociedade. É porque a família é a célula inicial do indivíduo ao nascer, e tem uma ligação profunda com ela. Mesmo entre os demais seres podemos notar a ligação que existe entre pais e filhos. Entre cães, entre gatos, entre galinhas... A mãe e o pai defendem a prole.

Nos seres humanos, percebem-se claramente os laços de afetividade que se desenvolvem ao longo do tempo. Mesmo os avós idosos e muitas vezes já sem boa memória, são amados pelos netos. É o sangue, essa torrente que passa de geração a geração que estabelece essa ligação.

Até os tempos atuais, as famílias têm mantido esse padrão. Os pais socorrem os filhos, e estes a eles nas horas de dificuldades. E isso é mais que justo porque os filhos foram cuidados ao nascerem até se tornarem adultos. E no limiar da vida, quando os pais já estão alquebrados com o peso dos anos, os filhos retribuem os cuidados recebidos, para que tenham um final digno. Bem, existem exceções lamentáveis nos dias de hoje...

Mas, pela lógica em geral as famílias priorizam seus membros numa situação de emergência. Porque o DNA fala mais alto. Não tem como negar. A família é o apoio, a segurança e a reserva com que se pode contar em momentos críticos.

“Estranho que mora perto que um parente distante”

Vertido para o japonês:       遠い親戚より他人

Família é fundamental, mas quando ela mora longe, os vizinhos é que servem de apoio. Normalmente, nos momentos críticos, os vizinhos é que socorrem uns e outros. Daí, esse ditado: Estranho que mora perto do que um parente distante. Vizinhos sabem mais dos problemas que os afligem, do que seus parentes distantes. Mesmo com o avanço dos meios de comunicação, muita coisa não é comunicada aos pais, aos filhos e outros parentes que moram longe. Mas, aos vizinhos, sim.

Então, um vizinho que não tem laço de sangue, que está ali ao alcance de um grito é que presta o socorro necessário em situações de emergência.

Concluindo: O sangue é mais denso que a água, mas um estranho próximo é mais útil que um parente distante. Então, procuremos viver em harmonia com os vizinhos. Porque viver não é fácil. Todos os dias, um desafio.

     E a gente leva melhor a vida quando aprendemos a respeitar a todos. Parentes ou não.

Porque consanguinidade fala alto, mas amizade é fundamental.

Mirandópolis, maio de 2021.

kimie oku in

http://cronicasdekimie.blogspot.com


quinta-feira, 6 de maio de 2021

 

            YOSHITSUNE  

Quando bebê, sua mãe caminhou na dura nevasca durante horas e horas em busca de ajuda. Ele no colo da mãe, e mais dois meninos, que choravam de frio, fome e canseira... Caminhando aos trambolhões na neve sem fim. Ela buscava ajuda de uma parenta distante no interior. Seu esposo Minamoto Yoshitomo, Capitão do Clã Fujiwara fora derrotado e executado pelas forças de Kiyomori Taira. Eram os idos de 1100, há mais de novecentos anos.

Esse bebê era Ushiwaka Maru, que mais tarde seria conhecido como Minamoto Yoshitsune. É a mais dolorosa e comovente história de samurai que li.

Mas, toda a caminhada fora em vão. Ninguém podia socorrer a esposa e os filhos de Minamoto Yoshitomo, pois  espiões inimigos estavam rondando o Vilarejo. Desesperada, a mãe Tokiwa resolveu voltar para a capital Kiyoto, quando soube que sua mãe estava refém dos Taira...

Movida pela coragem foi falar com o poderoso  Kiyomori, chefe supremo do Clã inimigo.  E disse que daria a sua vida para salvar a mãe e os filhos...

Kiyomori ficou impressionado com a elegância natural e a beleza de Tokiwa, e pela semelhança com sua falecida mãe. Nesses tempos de guerra, o regulamento mandava executar toda a família e os descendentes dos inimigos, para evitar problemas futuros. Mas, Kiyomori não fez isso. Mandou os meninos maiores estudar num Mosteiro, para serem Monges e não guerreiros. Os filhos adultos de Kiyomori pediam para o pai executá-los. Mas, ele conservou o pequeno Ushiwaka e a mãe junto de si, transformando-a numa concubina... Além desses três meninos, Yoritomo um meio irmão de Ushiwaka também fora desterrado por Kiyomori para a Província de Izu.

E Ushiwaka Maru cresceu com outras crianças do Castelo, recebendo um carinho especial de Kiyomori. Em sua inocência, julgava que ele era seu pai... Quando completou sete anos de idade foi mandado para o Mosteiro  de Kurama para também ser um Monge. Lá, com ajuda de um preceptor, dedicou-se ao estudo das Escrituras Sagradas. Um dia, apareceu no Mosteiro, um Monge que estivera a serviço da Família Fujiwara e falou ao jovem agora com dezesseis anos sobre a sua origem. Falou também do meio irmão Minamoto Yoritomo que estava vivo em Izu.

Quando o garoto soube de sua origem, passou a se exercitar para ficar forte e lutar contra os inimigos. Ao anoitecer, ele se embrenhava na mata escura e ficava horas e horas praticando exercícios para se desenvolver. Usando paus como espadas praticava toscamente a esgrima.

Mas, a curiosidade não o deixava sossegado. Procurou amigos para saber sobre a família de seu pai. Aos poucos se inteirou de toda a história. E ficou bastante confuso ao descobrir que o senhor Kiyomori, que ele tanto admirava tinha mandado executar seu pai e demais membros da família.

Uma noite, saiu do Mosteiro e tocando a flauta que ganhara de sua mãe, estava passando na ponte Gojou em Kiyoto. De repente, se deparou com um homem gigante com uma longa espada. O estranho ordenou que o jovem lhe entregasse a espada que carregava na cintura. Ele recusou. Então, o outro declarou que estava na ponte, tomando as espadas de todos que por lá passassem. Já havia recolhido centenas e a de Ushiwaka seria a milésima... Como este não concordou, o homem avançou sobre ele com sua naginata (espada longa) para cortá-lo. Mas, Ushiwaka saltou sobre o beiral da ponte, deixando o outro atordoado. E de pirueta em pirueta conseguiu escapar da terrível espada... O gigante ficou impressionado com o jovem, porque ninguém até então o havia vencido. E a partir desse dia, Musashi Benkei que era o seu nome, passou a seguir Ushiwaka até o Mosteiro, oferecendo os seus préstimos. Insistiu tanto que foi aceito, e se tornaria o seu guardião e parceiro até a morte.

Um dia, apareceu no Mosteiro um ambulante que convidou o jovem a ir a Hiraizumi em Iwate ken encontrar-se com seu parente Fujiwara Hidehira. Foi uma longa jornada, porque naquele tempo não havia outro meio de locomoção que andar a pé. Benkei o acompanhou, assim como três amigos que levavam uma vida de privações na capital.

Hidehira gostou de Ushiwaka, que havia proclamado a  maioridade, adotando o nome de Minamoto Yoshitsune Kuro. Durante cinco anos, Yoshitsune ficou com os parentes se preparando para as batalhas, que viriam para derrotar a família Taira. E um dia, foi se encontrar com o irmão Yoritomo, em Kamakura perto de Tóquio. Este que também fora desterrado por Kiyomori, era de natureza desconfiada, e recebeu o meio irmão Yoshitsune com certa ressalva. Yoshitsune, porém feliz de conhecer um irmão, ofereceu seus préstimos para unir forças e vingar a morte de seu pai.

Kiyomori herdara o poder de seu pai, que havia derrotado o grupo de piratas e corsários que aterrorizava os navios do Mar de Seto. E toda a família era bem considerada pela Casa Imperial. Utilizando a sua influência, conseguiu que uma de suas filhas se tornasse a esposa do Príncipe herdeiro. Quando nasceu um neto, Kiyomori percebeu com orgulho que era o avô do futuro Imperador... Com esse poder, Kiyomori passou a nomear seus familiares para os cargos mais importantes do governo, em detrimento de outros mais capazes. A família Taira ficara tão poderosa até um de seus membros declarar que “se não for um Taira não é gente!”

Mas, poder demais corrompe, e aos poucos a violência, os abusos e a injustiça praticados pelos Taira revoltaram a população, que aqui e ali provocavam escaramuças... Impostos elevadíssimos que a família cobrava levaram a população a passar necessidades, a ponto do Imperador pedir ajuda a Yoritomo de Kamakura.

Entrementes Yoshinaka de Kiso, primo de Yoritomo se antecipou e chegou à capital, expulsando a família de Kiyomori, que levando o neto herdeiro do trono se refugiou em Fukuhara, Kobe. Yoshinaka foi tratado com deferência pelo Imperador Go Shrakawa que o nomeou Guardião do Palácio. Mas, Yoshinaka e seus soldados também começaram a cometer atrocidades contra a população. E Go Shirakawa recorreu novamente a Yoritomo para salvar a capital Kiyoto.

Yoritomo organizou um exército e ordenou ao seu irmão Noriyori e a Yoshitsune para pacificar a capital, no que foram bem sucedidos. Go Shirakawa ficou encantado com a atuação de Yoshitsune e o nomeou Protetor da Capital. Isso irritou Yoritomo, que a partir daí passou a odiar o irmão.

Mas, Yoshitsune devia combater os Taira, conforme o trato inicial com Yoritomo. A mais famosa batalha ocorreu em Ichino Tani. As forças de Taira estavam acampadas em Fukuhara, diante do mar aberto. Atrás estavam protegidas com uma montanha que terminava num penhasco quase vertical. Todos estavam tranquilos, pois Yoshitsune não dispunha de uma esquadra para atacar pelo mar. E pela montanha era inimaginável. Indagando aqui e ali, Yoshitsune soube que as cabras da montanha conseguiam descer por ali. Então, fez um cavalo seguir morro abaixo. Vendo que era possível, resolveu atacar por aí. Muitos cavalos despencaram e seus donos morreram juntos. Mas grande parte da tropa desceu incólume e partiu para o ataque. Os soldados de Kiyomori estavam dormindo e foram pegos de surpresa. Apavorados, os homens fugiram para o mar para o abrigo dos navios ali atracados... Foi uma vitória e tanto de Yoshitsune.

As forças de Taira fugiram para Kiyushu, e Yoshitsune voltou para a capital, para reforçar o exército. O Imperador ficou muito satisfeito e pediu que Yoshitsune ficasse na capital para garantir a paz. Mas, ele saiu em perseguição aos Taira que estavam em Kiyushu. Entretanto, Yoritomo ficava cada vez mais incomodado com o sucesso do irmão. Via nele um rival e nunca um parente próximo. Yoshitsune, porém era sincero e queria uma relação amistosa com o irmão. Tinha um natural carisma de atrair amigos e parceiros pela hombridade e coragem. Estava inocente da inveja e do rancor de Yoritomo.

Um monge foi enviado para emboscar e matar Yoshitsune... Benkei o apanhou e entregou para o amo. Yoshitsune, porém acreditou na inocência dele e o deixou ir. Isso só não terminou em tragédia porque Shizuka a esposa de Yoshitsune mandou segui-lo. E descobriu a armação. Benkei o executou a mando de Yoshitsune. Isso enfureceu Yoritomo, que mandou um exército caçar o irmão...

Entrementes, Yoshitsune estava no encalço dos Taira que se refugiaram em Kiyushu. Yoshitsune estudou o horário exato das marés, porque o combate seria nas ilhas, e ele não dispunha de muitos navios. Os Taira possuíam uma frota imensa. E o combate se deu à beira mar... Quando os inimigos resolveram atacar o exército de Yoshitsune, a maré os afastou mais e mais, não possibilitando o ataque e Yoshitsune conseguiu vencê-los com seu pequeno exército... E ali aconteceu um fato curioso que ficou para a posteridade. Da parte dos Taira, um barco veio se aproximando devagar, ostentando um leque com o sol nascente da Bandeira japonesa. Era uma provocação para Yoshitsune com a meia irmã, filha de Kiyomori segurando o mastro. Qualquer um que se habilitasse a derrubar o leque poderia atingir a jovem... E se algum soldado de Yoshitsune conseguisse derrubar o leque, a vitória estaria confirmada... Foram momentos de grande tensão. E o barco vinha, com a moça corajosa desafiando o próprio irmão... E um jovem arqueiro conseguiu sem titubear, com apenas uma flechada derrubar o leque no mar... Foi tão preciso, sem ferir a portadora que todos aplaudiram, até os homens de Taíra. Então, as mulheres da família de Taíra se jogaram ao mar, para não caírem nas mãos inimigas. E levaram junto o pequeno Príncipe herdeiro. Assim foi o lastimável fim dos poderosos Taira ou Heishi...

Mesmo com tudo isso, Yoritomo não reconheceu a bravura de Yoshitsune e a perseguição se tornou mais acirrada. Cada vez mais as tropas de Yoritomo se aproximavam e Yoshitsune pediu abrigo ao tio Fujiwara Hidehira, de Hiraizumi, onde passara boa parte de sua juventude. Foi bem acolhido assim como a Benkei e os outros amigos mais próximos. Estavam todos se preparando para enfrentar as forças inimigas, quando o tio Hidehira faleceu de repente. Antes de morrer, ele aconselhou os filhos a protegerem Yoshitsune. Seu herdeiro Yasuhira, porém atraiçoou e o denunciou a Kamakura.  Dois irmãos seus que protegiam o primo também foram mortos por Yasuhira... E Yoshitsune se viu de repente, acuado diante de quinhentos soldados de Kamakura. Ele e Benkei só dispunham de uma dezena de parceiros... Sem saída, Yoshitsune praticou o seppuku ou suicídio, para não ter a desonra de ser morto pelos inimigos. E Benkei morreu lutando bravamente, com o corpo varado de flechadas. Foi  bravo e fiel companheiro até o fim...

Os inimigos levaram a cabeça de Yoshitsune para o irmão Yoritomo, que o expôs em praça pública numa estaca... Até os vassalos de Yoritomo choraram ao avistarem essa cena... Só o sanguinário irmão não se comoveu.

Antes de ir para Hiraizumi, Yoshitsune pedira a Shizuka que voltasse para Kiyoto, prometendo que iria ao seu encontro na Primavera que se aproximava. Mas, Shizuka  foi descoberta e levada para Kamakura, onde deu à luz a um filho de Yoshitsune. O cruel Yoritomo mandou matá-lo e jogá-lo num rio... Daí um tempo, Shizuka também morreu sem nunca mais ter encontrado o esposo...

Yoritomo seria venerado por ter se tornado o primeiro Xogun e por ter instalado o Regime Feudal ou Kamakura Bakufu no Japão. Esse Regime tirou o poder de administração da Casa Imperial, de tal forma que Yoritomo se transformara num General Imperador, com todo poder de mando em suas mãos. Politicamente, realizou muitas benfeitorias, templos às dezenas... Mas... Foi cruel demais com o irmão Yoshitsune. E ninguém sabe até hoje o que o moveu para fazer isso.

E os japoneses nunca se conformaram com o triste fim desse jovem guerreiro, que era simples, compassivo e morreu com apenas trinta e um anos. Transformaram-no numa lenda, e todos os livros e filmes com esse tema tratam-no como um herói injustiçado. Não aceitaram sua morte e chegaram a pregar que ele se transformara no famoso guerreiro mongol Gengis Khan, que conquistou toda a Ásia. Para consolar os milhões de fãs...

Eu pessoalmente, confesso que sinto uma comoção profunda quando leio sobre esse jovem, que não conheceu o pai, foi confinado num Convento e quando descobriu com alegria um irmão de sangue, foi por este odiado e executado.

Resta-me agora reler sobre Yoritomo e descobrir algo que explique essa maldição...

Mirandópolis, maio de 2021.

kimie oku in

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