sábado, 1 de agosto de 2015



                          Viagem do Coração 
    
    Como aprecio uma boa viagem, fico observando as pessoas que postam fotos de lugares exóticos que visitaram. E percebo que em geral, elas viajam apenas para passar uns dias em lugares inusitados, sem tirar nenhum proveito das diferenças que há nesses lugares. E nem passam alguma informação interessante para os pobres mortais como eu, que nunca saem da toca.
      Embora goste de viajar, para mim não tem sentido viajar sozinha em lugares paradisíacos, se não houver um parceiro ou parceira para trocar impressões. Aliás, tenho pena dos viajantes solitários, porque o melhor de uma viagem é compartilhar lugares, momentos e novidades com alguém.
      Conheci um médico, mas médico de verdade que cuidava de seus pacientes com muita competência e empatia, até se aposentar. Todos os anos ele tirava férias de um mês e viajava para o exterior. Dizia que não queria ficar rico, nem ambicionava ter fazendas e boiadas... Só queria curtir a vida com a família. Então, nas férias ele arrebanhava toda a família e planejava suas viagens. Se um dos filhos não queria ir por causa da namorada, ele levava a namorada também... E as viagens eram muito instrutivas, porque aproveitavam ao máximo os recursos que havia nos lugares visitados. Exemplificando: Em Nova Iorque, visitou o Museu de História Natural e ficou impressionado com as peças expostas demonstrando como o homem quadrúmano se tornara ereto. No Canadá, reparou na vegetação diferente que há por lá devido ao clima rigoroso do Hemisfério Norte... Nas Ilhas gregas, reparou no modus vivendi dos habitantes de lá. Também para mim não teria sentido conhecer um determinado lugar, sem compartilhar essa alegria com alguém. Aliás, quanto mais gente puder partilhar, maior será a alegria.       
     

Por tudo isso, gosto de assistir a um Programa na televisão japonesa NHK, chamado “Viagem do Coração” ou Kokoro no tabi. Acho que está no ar há uns cinco anos e é um grande sucesso.
 Nesse programa, um ator de cinema e tevê, Hino Shohei de 65 anos percorre o Japão de ponta a ponta numa bicicleta, visitando lugares para atender a solicitações dos telespectadores. Estes enviam e-mails pedindo que o senhor Shohei vá até o lugar que marcou a sua infância, o vilarejo em que nasceu, o arrozal em terraços aproveitando o terreno acidentado, as montanhas que cercavam sua aldeia, o  Templo que frequentou quando jovem, o rio onde nadou com amigos, a Escola que frequentou no Colegial, o campo de beisebol onde foi muito feliz e os Festivais regionais... Enfim, os pedidos são os mais diversos, e cada dia
é uma surpresa.
Para que as viagens ocorram há um equipe, que seleciona as mensagens por Província, que pesquisa o lugar nos mapas, que calcula distâncias, que define o meio de locomoção a ser utilizado nos trechos mais difíceis, recorrendo a ônibus, lanchas ou até mesmo aviões. Mas, grande parte é feita de bicicleta, e sempre há um staff de quatro ciclistas que garantem o apoio imediato, composto de  cinegrafistas, guias e mecânicos. E acredito que haja uma equipe motorizada que acompanha de longe, embora nunca apareça no programa. E é tão agradável de se ver o grupo de cinco ciclistas percorrendo as estradas tão lisas e seguras, mesmo no interior do Japão.  Não há buracos, crateras e lugares perigosos como acontece aqui... Até no meio das montanhas, nos vilarejos perdidos na densa mata, os caminhos são sempre lisos, seguros e bem sinalizados, de causar inveja aos brasileiros. E o grupo já é tão conhecido em todos os lugares pela difusão da tevê, que sempre é saudado com palavras de estímulo de motoristas, que passam pela mesma estrada. E muitos fãs pedem para tirar fotos com o ator.
      Além do grupo percorrendo estradas e pequenas vilas, atravessando pontes (como há pontes e como há rios!) e chegando ao destino, o programa se esmera em mostrar lugares pitorescos, o canto dos pássaros, os peixes nas águas límpidas, as neves coroando montanhas, os lavradores pelejando em suas labutas, as árvores floridas, o vento executando um bailado nos verdes arrozais, os bosques verdejantes, os cavalos na verde pastagem, a neve caindo, a chuva molhando os ciclistas... Tudo muito bonito de se ver. E o fundo musical cantado ou assobiado fala de um lugar de sonhos, onde existe um tesouro para descobrir. E quando chegam ao destino, os cinegrafistas filmam o lugar, mostrando detalhes e detalhes e o senhor Hino se acomoda num lugar, e relê a mensagem que motivou a viagem. Ela é sempre lida ao se iniciar a viagem e no final para dar um arremate à excursão. O telespectador acaba conhecendo vários lugares e histórias verídicas, que não raro emocionam... A interatividade lá funciona de fato. E visualizar o grupo enfrentando subidas e descidas sem fim, passa uma energia positiva ao telespectador.
     Aqui no Brasil, lembro que existia um programa desse tipo na tevê, e se não me engano era uma moça chamada Paula Saldanha que fazia essas viagens. Só que não era de bicicleta. Era de carro, barco, avião... E mostrou várias regiões do Brasil. Mas, não havia o lado íntimo e saudosista das mensagens, cujos autores devem se emocionar muito, ao rever os lugares de seus sonhos partilhados na telinha com milhões de telespectadores.
   

  Fico imaginado como seria esse programa no Brasil. Quantos imigrantes, que vieram da Europa e do Japão e os africanos que vieram forçados, não teriam uns lugares bem guardados no coração, que    gostariam de rever?  Os alemães que inicialmente se radicaram no Sul e estão espalhados pelo Brasil; os japoneses que derrubaram matas em Mato Grosso, no interior de São Paulo e Paraná e estão espalhados pelo país e os africanos que estão por toda a parte... Todos devem ter um lugarzinho do coração, que seria sua pátria de verdade... Além disso, o Brasil é imenso e há tantos lugares não explorados que os brasileiros gostariam de conhecer...

      Como gosto de postar fotos no face book, constato como tem gente por todo o país, que cultiva essa saudade, esse amor pela paisagem primeira da infância...  E como o nosso país é imenso e poucos podem ter o luxo de rever os lugares de seus sonhos, as fotos no face ajudam muito a matar saudades...
     Há uns dois anos, percorrendo o Estado de Mato Grosso do Sul, vi muitas casas de tábuas em fazendas, cercadas de bambuzais. Ora, como sei que os japoneses é que tinham o costume de plantar bambu, fiquei imaginando como seus antigos moradores gostariam de rever esses lugares... Só de olhar essas paisagens, me bateu imensa saudade de um cantinho, onde passei minha infância e adolescência. E me doeu profundamente ao pensar nas pessoas que, nunca puderam rever suas pátrias do coração...

   Eu tive oportunidade de revisitar os meus lugares do coração, mas fiquei desoladíssima... Não havia mais nada do que ficou na memória... A casa ajeitada, o poço que forneceu água saborosa por décadas, o pé de limão galego, o chiqueiro onde grunhiam porcos famintos, o curral com o interminável bé, bé, bé dos bezerros chamando suas mães, as tulhas cheias de espigas de milho e sacos de arroz e feijão, os pés de manga espada e coração de boi, o terreiro do café cercado de crisântemos, as garagens do caminhão e da carroça, o pé de amora junto à vasca de bater roupa ...  Nada disso existia mais. Transformaram o local em pastagem e o gado está destruindo tudo. O que mais doeu foi terem soterrado o poço, de onde tirei tanta água boa e fresquinha. O sabor dela permanece até hoje no meu paladar...
      As coisas mudam e tudo se transforma, eis a dura realidade. Por isso não fiquei revoltada. A pátria do coração está inalterada e a levo na memória sempre, e quando bate aquela saudade consigo voar até lá. Acho que é por tudo isso, que gosto de ver o programa japonês “Viagem do Coração”

     Quem dera um dia alguém faça um programa semelhante, para mostrar os cantos escondidos que há neste vasto país. Lugares esquecidos, mas que falam ao coração de pessoas que por lá andaram, pelejaram e saíram em busca de outras paragens... E hoje cultivam imensas saudades...
      Afinal, não há ninguém que não tenha uma “pátria natal”, para onde gostaria de empreender uma derradeira Viagem do Coração, antes de partir para sempre.



      Mirandópolis, julho de 2015.
      kimie oku in




      

4 comentários:

  1. Muito bom este texto. Vou começar a detalhar melhor as fotos.das minhas viagens.

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  2. Não vejo a hora de nas sexta-feira esse programa, sempre na espera que apareça um local que ja estive, teve um bem proximo em Niigata, como é gostoso .... que saudades

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  3. Programa sensacional. Me faz imaginar minha vida no Japão(coisa que muito almejo).

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