segunda-feira, 13 de junho de 2016

       Trinta e sete anos depois...
Às vezes me acontece cada surpresa!
Há uns dias atrás, encontrei uma conhecida, que me perguntou repentinamente: “Você quer uma blusa tricotada em parte?” Fiquei surpresa com a pergunta, mas logo completou “É que tem em casa uma blusa tricotada pela metade, e você poderia aproveitar a lã ou terminar a blusa.”
Aí entendi a razão da indagação. É que faço todos os anos, coletes de tricô para distribuir entre crianças que passam frio.
Daí uns dias, a amiga trouxe o material numa sacola, e vi que além da blusa tricotada em parte, havia ainda oito novelos de lã da mesma cor. Era um trabalho bonito em ponto escama, e tinha também umas agulhas de bambu.
Intrigada por ter parado a obra, perguntei à doadora as razões. Ela disse que outra pessoa estava tricotando a blusa para ela, mas falecera repentinamente de aneurisma cerebral, há trinta e sete anos...
Trinta e sete anos atrás!
Naquele tempo, a minha amiga e essa outra moça que se chamava Yasuko Doi de Cafelândia, dividiram um apartamento em São Paulo. A minha amiga trabalhava numa Cooperativa e a Yasuko numa Fábrica de Chocolates. Elas se conheceram numa pensão, e resolveram partilhar um apartamento. E conviveram por quase vinte anos juntas. Por conta dessa amizade, Yasuko resolveu tricotar uma blusa de lã para a colega, que comprara os novelos.
Quando soube dessa história ocorrida há quase quatro décadas, fiquei comovida e peguei a peça com reverência e continuei o trabalho. Tive que ajustar o tamanho dos meus pontos e acertar as tramas. Demorou um pouco, mas consegui. Só que fiz um colete para usar sobre uma camisa de mangas longas. Porque não sei fazer direito as mangas em tricô. Como o ponto utilizado era bonito, até que ficou legal. Tentei dá-lo à doadora do material, mas ela não quis. Acabei doando à minha ajudante dos serviços de casa, porque ela vem de moto, e de manhã faz muito frio por esses dias. Ficou certinho nela. E ficou feliz pelo presente inesperado.
E ainda sobraram sete novelos para fazer coletes para crianças. E já comecei a tricotar de novo, para agasalhar crianças que passam frio. A minha amiga achou que a lã já nem prestasse mais, porém está perfeita e vai dar para fazer uns três coletinhos. Apesar de terem decorrido trinta e sete anos, a lã está forte e normal. É que as lãs antigas eram retiradas dos pelos de carneiro, e duram muito. Os novelos de hoje são mais sintéticos e nem aquecem como as lãs antigas.
Essa história mexeu com o meu coração. Estranhos caminhos foram percorridos, para esse trabalho vir parar em minhas mãos. Eu nem tenho muito contato com essa pessoa que trouxe esse material, só ocasionais encontros pelas ruas... Mas, ela e sua família eram amigas de minha mãe, que já está no céu.
Pensar que uma moça esteve a tricotar uma peça para a amiga, e de repente fora embora com apenas trinta e nove anos de idade... E deixara um trabalho inacabado... E esse trabalho, passados trinta e sete anos, vir parar em minhas mãos... Se não é obra de Deus, eu não sei o que é! E fico arrepiada ao pensar que estou sendo um instrumento Dele! Não é qualquer dia que acontece um milagre desses! Cheguei a chorar quando toquei a peça pela primeira vez... E pensar ainda que depois desse tempo todo, os coletes que farei irão agasalhar crianças de creches de Mirandópolis... Estranhos desígnios! Vir para mim depois de trinta e sete anos, de uma pessoa que não conheci e nunca irei conhecer. E eu compartilhei de sua última obra artesanal!
A lã comprada pela minha amiga é de cor marrom, da linha Caline da Pingouin. Tem uns fios dourados, é meio felpuda, mas fácil de trabalhar. Vieram também as agulhas número seis, confeccionadas em bambu, que naquela época nem existiam essas de plástico e acrílico... Retrato de uma época.
Tudo isso tocou profundamente o meu coração, e resolvi partilhar essa história com meus amigos, que leem minhas crônicas. E ainda a generosidade da amiga, que entendeu as minhas intenções em tricotar para crianças.
Um pacote de lã é fácil de se comprar na loja, fácil de doar, mas há muita gente que guarda novelos antigos no fundo de malas, e acaba se esquecendo delas. Gente que como eu poderia tricotar um colete, um cachecol, uma echarpe, uma touca e doá-los para o Asilo local, porque os idosos sentem muito frio. O corpo humano vai perdendo o calor físico à medida que envelhece.
Eu optei por crianças, porque há muitas que sofrem no Inverno, e eu não aguento ver crianças passando frio. Sempre penso que, devo ter passado muito frio na minha distante infância, porque a família era imensa e éramos muito pobres...
Mas, voltando à história, estou feliz por tricotar nesses dias frios, porque a lã aquece meus dedos.  E fico imaginando qual criança é que vai ser abraçada por aquela peça, que estou preparando. Porque a criança que será vestida por ela, estará recebendo um abraço meu, sempre que for usá-la. É essa minha intenção.
Gostaria que minhas amigas aposentadas também fizessem o mesmo, porque é uma atividade manual muito agradável, que faz bem à alma. Sei de muita gente aposentada que vive a se lamentar, porque sua vida ficou vazia e sem sentido. Vamos colocar um sentido na sua vida! Viver por viver, apenas comendo e dormindo não é viver! Tem que ter uma meta, um objetivo para viver mais uma hora, mais um dia, mais uma noite. Minha mãe faleceu com mais de noventa anos, e até o fim ela fez crochê! E essa Yasuko que tricotou pela metade também tinha uma meta, que era terminar a blusa para a companheira com quem convivia...
Sei também que um dia partirei e, deixarei tudo isso pela metade. Minhas peças de crochê, de tricô, minhas crônicas, meus estudos de Japonês, meus estudos de Piano... Mas  isso não tem importância. Porque a partida é por ordem de Deus. E chegando a hora, é hora de seguir para a eternidade...
Mas, enquanto essa hora não chega, vamos viver a aventura da vida com alegria, com paixão e servir ao próximo.
Se fizéssemos um grande círculo de pessoas obrando assim, não haverá necessidade de Campanhas de Agasalho.
     Porque a minha campanha é motivada apenas por amor ao próximo.         E bendito seja aquele que inventou o tricô!

Mirandópolis, maio de 2016.
kimie oku in




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