quarta-feira, 26 de novembro de 2025

 

Senhoras e senhores,

Estou aqui para lhes contar uma história.

Como Professora trabalhei no Grupo Escolar de Amandaba, onde atuei há mais de 50 anos.  E conheci muitas crianças a quem ensinei por longos anos. E conheci seus pais. Foi assim que conheci o senhor Kaoru Hattori, cujos filhos Mitsuo e Tomiko foram alunos meus. Bons alunos.

Amandaba já foi um bairro bastante povoado e tinha comércio mais forte que Mirandópolis.

Após me transferir para a Escola Ebe Aurora, comecei a escrever crônicas para o Jornal do seu Idanir Momesso e anos depois para o Jornal Hoje da Alice Barravieira. Crônicas são comentários dos fatos que ocorrem no dia a dia. Escrevi pelo prazer de escrever, simplesmente.

Além das crônicas, passei a contar as histórias de trabalhadores que construíram Mirandópolis. Contei histórias lindas de comerciantes, charreteiros, farmacêuticos, barbeiros, dentistas, boiadeiros, lavradores. Gente de fibra. Gente que muito labutou para a grandeza de nosso município. E me lembrei

de contar a história do senhor Kaoru Hattori.

Seu Hattori veio do Japão há 92 anos.

Sua família era da Província de Fukushima. Seu avô Shiguezo foi um bravo soldado que se destacou na Primeira Guerra Mundial. E por esse mérito, o filho Tadaichi,  pai do seu Kaoru teve a honra de ser nomeado Guarda da Família Imperial. 

Mas, as guerras contínuas do Japão tornaram difícil a vida dos japoneses e, a família Hattori se emigrou para o Brasil em 1933. Seu Kaoru era uma criança de oito anos de idade. Aqui, enfrentaram mil dificuldades, derrubaram matas, plantaram café, algodão, arroz, feijão. Inicialmente em Lins, depois às margens do rio Tietê.

Seu Hattori estudou um ano no Japão e não conseguiu continuar os estudos de japonês aqui, porque seu Professor foi convocado para a Segunda Guerra. Então, estudou numa escola rural onde aprendeu a ler e escrever em Português. Mas lê e fala fluentemente o japonês.

Em 1940, a família se transferiu para a Fazenda Buenópolis em Lavínia e em 1946 para Amandaba, onde comprou o sítio que tem até hoje. Conheceu a prosperidade plantando cebola, mas essa fase logo passou.

Seu Hattori casou-­se com a senhorita Tokiko Sakine com quem teve cinco filhos. Sua esposa já é falecida, mas os filhos estão vivos. E tem muitos netos.

Em Amandaba havia muitos japoneses imigrantes, que fundaram a Associação Japonesa de Amandaba, que promovia festas e competições esportivas. No cinquentenário da Imigração Japonesa em 1958, eles mandaram construir um obelisco marcando a data, com a bandeira japonesa e a brasileira, e registraram os nomes das famílias que ali moravam. Tudo em kanji, ainda está lá na pequena praça local, com os nomes dos Uemura, Kanamaru, Onishi, Suguimoto, Hattori, Sano, Nakashima, Sako, Matsunaka, Yamaguchi, Koakutsu, Seimo, Yoshikawa,Terao e Shoji Ochi.

Um dia, o Vereador Tsuyoshi Takagui propôs ao seu Hatori uma campanha para realizar o maior sonho de todos os amandabenses, que era asfaltar a estrada que liga o bairro a Mirandópolis. São apenas seis quilômetros que, em tempos de chuva tornava quase impossível transitar por ela. Eu mesma como professora fiquei muitas vezes atolada ali, esperando ajuda de tratores.

O seu Hattori assumiu essa missão de corpo e alma, pedindo a colaboração dos fazendeiros e sitiantes, que sofriam para trazer seus produtos para a cidade. Livro de ouro foi passado entre pessoas que colaboraram prontamente. Essa verba era necessária para ir à capital e, entrevistar-se com as autoridades, para conseguir a aprovação do projeto.

Essa campanha teve o apoio do Prefeito da época Mitsutoshi Ikejiri, que intermediou junto ao Secretário de Transportes, Walter Nory, e ao Governador Orestes Quércia que aprovaram o projeto. E a estrada asfaltada foi inaugurada em1993, com o nome de Estrada Tadaichi Hattori, que foi o Guardião da Família Imperial do Japão.

Foi uma realização de grande porte, que beneficiou não só os amandabenses, mas os mirandopolenses também. E se realizou graças ao empenho do senhor Hattori, principalmente.

Foi preciso vir um menino de oito anos do distante Japão em 1933, para se realizar o sonho maior de todos os moradores de Amandaba e arredores.

Seu Hattori também se destaca por realizar missas em reverência aos falecidos.  Por anos seguidos tem cumprido essa missão, para confortar as famílias japonesas de religião budista.

Por ter se adaptado no Brasil, um dia foi solicitar a cidadania brasileira na Polícia Federal. Indagado por qual razão queria ser naturalizado brasileiro, prontamente respondeu:

“Vim do Japão ainda criança com a família, e meu pai não conseguiu vencer aqui. Eu quero adquirir o Título de Eleitor, para votar em nossos governantes. Não quero voltar ao Japão, porque já tenho filho nascido no Brasil e quero morrer aqui!” Diante de tal resposta, sua naturalização foi aprovada na hora.

Essa frase define bem o caráter desse senhor que hoje completou cem anos de longa existência, permeada de lutas, sonhos e muito, muito trabalho. Japonês/brasileiro de coração, benquisto de todos, não viveu em vão. Deixou a marca de sua passagem aqui em Mirandópolis. Estrada Tadaichi Hattori.

Por tudo isso, o senhor Kaoru Hattori é sem dúvida um Homem de fibra!

Parabéns e que Deus o abençoe e a toda a família.

Mirandópolis, 29 de novembro de 2025.

 Kimie Oku in

http://cronicasdekimie.blogspot.com

 

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