quarta-feira, 7 de março de 2012

A VICINAL


         Estava completamente absorvida no tema África para a próxima crônica, quando o Diário me pediu algo sobre  o aniversário de Mirandópolis, para esta edição especial.
         Dei tratos à bola e fiquei travada. Escrever sobre esta cidade? Não é meu “furusato”, pois nasci em Lavinia.
        Mas há um tempo, venho pensando em escrever sobre a vicinal, que liga Mirandópolis a Lavinia.
        Hoje ela está asfaltada e tem tráfego intenso, graças à proximidade das duas cidades. São apenas seis quilômetros de extensão, mas cheios de curvas, curvas fechadas e perigosas.
      Mas é uma vicinal e como tal deve-se percorrê-la mais devagar, mesmo porque não há acostamento e sempre há o risco de se trombar com algum animal.
   Tenho belas recordações dessa estrada. Nos anos cinqüenta, era totalmente de chão batido que, no verão levantava poeira e na época das chuvas virava um barreiro só.  Passei por essa estrada, muitas e muitas vezes, porque morava em Lavinia e estudava aqui.
        Na verdade viajava de trem, mas quando este se atrasava, o que não era raro, nós os estudantes de Lavinia, apelávamos para a carona de carros e caminhões, na estrada de terra. Como éramos mais de trinta adolescentes, carona era mais de caminhão, mesmo.
    Mas, muitas vezes fizemos o trecho a pé, por falta de carona. Caminhávamos reclamando, cansando, com bolhas nos pés... Naquela época, achávamos ruim andar seis quilômetros. Mas hoje, penso que era como um piquenique não programado. Íamos caminhando em grupo, falando bobagens, brincando, provocando uns aos outros, e rindo muito... anos verdes da adolescência, em que tudo  tinha graça, e que deixaram boas lembranças.
        Lembro que a estrada começava logo ali, na  rua que hoje conduz ao cemitério. Não havia casas à beira do caminho. E tudo era cafezal. Cafezal verde, onde agora só há pastagens. Havia o matadouro municipal, onde se abatiam os bois, para o consumo da população local. Os imensos eucaliptos no alto do barranco, nem existiam ainda.
       No bairro 70 (não sei porque setenta), a estrada foi desviada para passar o asfalto. Antes fazia uma curva quase circular e, passava por uma escolinha rural, onde a amiga Izelter deu aulas por décadas...
        Não havia  condomínios nem pesqueiros, nem restaurante à beira do caminho, nem casas da COHAB...
     Tudo era cafezal, ladeando a estrada até a entrada de Lavinia. Caminhávamos com preguiça, chorando as bolhas dos pés e... de repente, “bé-é-é-é-é-é-em-em-em-em....”
        Era um berrante chamando a boiada,  que  vinha ao nosso encontro. Aí esquecíamos a canseira, as bolhas e subíamos céleres nos barrancos, com medo dos bois. Num piscar de olhos, todos estavam no alto, mirando a boiada que passava, ocupando toda a largura da estrada, que na verdade era bem estreita.
     Tínhamos muito medo de dar de cara com boiadas, porque os boiadeiros, ou condutores de comitivas nem se importavam com os passantes.
        Quando a poeira baixava, voltávamos à estrada
        E então, era só risada. Gozação pela falta de jeito de uns e outros, que escorregavam do barranco, quase na cara dos bois....
        Hoje, os bois não andam nas estradas – são conduzidos em gaiolas de caminhões.
        Hoje não há mais cafezais.
Hoje só há pastagens.
Mesmo assim, gosto de pegar o carro e percorrer essa vicinal, que felizmente não foi descaracterizada pela invasão dos canaviais.
Hoje há tantas casas à beira do caminho, e as duas cidades estão se aproximando, esticando os braços para se darem as mãos.
     Isso porque, há um  intenso intercâmbio entre as duas, devido às compras, ao trabalho nas Penitenciárias e escolas, e aos parentes e  familiares que moram lá ou cá.
        Em futuro não muito distante, Mirandópolis e Lavinia serão uma só cidade. E isso será ótimo.
        Amo Lavinia, por ser meu furusato ou terra natal.
        Amo Mirandópolis, por ser o meu cantinho, a minha referência, neste vasto mundo de Deus.
        E quando as duas cidades se conectarem, essa vicinal tão comum, tão caipira se transformará numa bela avenida de duas mãos, celebrando para sempre, a união de gente simples e amiga de lá e daqui.
      Lavínia e Mirandópolis se fundindo numa só, como estão dentro de mim. Por uma vicinal.

                Mirandópolis, junho de 2010.
                                   kimie oku

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