sábado, 5 de março de 2016

         Era uma vez....
   Conversa entre um avô e um neto daqui a uns cem anos:
     “Sabe, meu pequeno, há muitos e muitos anos, a Terra era habitada por umas criaturas verdes que não andavam, mas eram muito amigas dos homens e dos animais. Ocupavam grande parte da superfície desse planeta, e era uma felicidade descansar junto delas, porque nos protegiam do calor do sol, dessa secura da terra.... Possuíam os formatos mais variados, umas eram tão enormes e poderiam abrigar centenas de pessoas sob sua abas. Outras eram finas, compridas e elegantes. A característica principal dessas criaturas era que estavam fixas no solo, e não andavam, não se moviam do lugar e não falavam.  Mesmo assim, eram vivas e cresciam e se multiplicavam sem dificuldade. Até os animais gostavam de ficar junto delas...
     Como se chamavam, avozinho?
     Eram conhecidas como Árvores, netinho.
Ár- vo- res?
     Sim, árvores com que Deus cobriu a superfície da Terra, para esta não se desintegrar. Era uma cobertura de cor verde que existia em todos os lugares, formando florestas fechadas. Funcionavam como protetoras do solo, e exerciam funções como fazer o ciclo d’água, atraindo a chuva para regar a terra, e levando-a de volta ao céu, para formar nuvens. Nuvens eram massas de vapor d’água, que ficavam suspensas no ar à espera de um vento frio, para se transformarem em chuva, que era um rio que caía do céu em forma de longas tiras de água. Essa chuva molhava o solo e renovava a vida em todos os sentidos.
A Terra bebia a chuva, os animais corriam felizes e os camponeses agradeciam a Deus a bênção, porque suas plantações iriam produzir muita comida, para sustentar suas famílias... A chuva escorria pelo chão, enchia os regatos, os rios e os pântanos, que eram as reservas desse líquido precioso, que hoje quase nem temos mais. Havia tantos rios, com tanta fartura que funcionavam como artérias da Terra, e suas águas límpidas irrigavam tudo e saciavam a sede dos seres vivos. Era uma alegria ver crianças como você nadando na água limpa e fresca dos riachos, em dias muito quentes como hoje...
Como essas coisas faziam esse ciclo, vô?
Elas sugavam a água do chão, se alimentavam dos nutrientes e depois, através das folhas respiravam devolvendo um vapor d’água ao ar, que iria formar as nuvens. E ao respirar, as folhas também soltavam um gás chamado oxigênio, que é muito necessário para os seres viventes como nós.
Mas vô, elas só faziam a água subir e descer dos céus?
Não, meu querido.
Elas possuíam mil utilidades. Além das sombras, nos forneciam alimentos como laranjas, maçãs, mangas, bananas, jabuticabas, jacas, ingás, mamões, palmitos, cocos e uma centena de outras frutas, que hoje não existem mais. Quando não ofereciam frutas, elas ficavam floridas e embelezavam o mundo com mil cores, e seus perfumes faziam a loucura dos insetos e passarinhos, que vinham sugar seu mel. Era uma festa maravilhosa para toda a natureza ver essas árvores cobertas de flores... Havia árvores que só produziam frutas que nos alimentavam... Outras ofereciam a beleza das flores e exalavam deliciosos perfumes... Outras ofereciam sementes que serviam de alimentos como cocos, tâmaras e castanhas... De algumas outras, nós aproveitávamos o tronco para usar a madeira para construir nossos abrigos. E quando ficavam velhas e sem serventia, usávamos seus galhos para queimar e nos aquecer nas noites de inverno... Mas, todas elas nos forneciam a sombra que você tanto gosta, meu querido.
Mas, vovô, por que não existem mais? Eu nunca vi uma coisa dessas... Queria ter conhecido para ser amigo dela, comer suas frutas, cheirar seus perfumes e brincar na sombra...
Pois é, meu netinho. Isso é uma longa e triste história da humanidade. É a história da ignorância, da ambição desmedida do homem na Terra.
Quando Deus colocou o homem na terra, ofereceu uma floresta sem fim composta de milhões dessas árvores, onde ele podia se abrigar, se alimentar e viver em harmonia com outros seres... Era um lugar perfeito, era o Paraíso...
     No começo, o homem usou as ramagens para fazer um abrigo, e conviveu mais ou menos em paz com outros bichos... Bebendo a água limpa dos riachos, comendo as frutas saborosas que as árvores ofereciam. Aos poucos, porém foi aperfeiçoando suas artes e, ao mesmo tempo que criava suas ferramentas de trabalho, foi destruindo as árvores que existiam ao seu redor. Começou a derrubar as matas, para construir uma porção de casas... Que se transformaram em cidades... Até então, poderiam viver bem e em paz... Usufruindo do paraíso criado por Deus.
Mas, alguém inventou uma coisa chamada Moeda. Moeda ou dinheiro, ou money, ou dindin...
Que servia de troca das coisas, que sobravam em algumas casas e faltavam em outras...
Inicialmente as trocas eram de moedas por comida. A comida necessária passou a ser comprada de quem a possuía em excesso. Trocava-se por moedas, que poderiam ser trocadas por outras coisas.
A Moeda enlouqueceu o homem. De repente, ele ficou ganancioso, querendo mais e mais moedas, para poder comprar mais coisas e mandar no pedaço...
Foi assim que o homem descobriu a força do poder sobre outros homens. E infelizmente gostou muito disso.
Então, veio a saga de alguém que manda e outros que obedecem. E veio a servidão, o domínio de uns sobre outros, veio a tristeza da escravidão... O homem poderoso passou a dominar os que não tinham moedas, submetendo-os a serviços degradantes por um prato de comida... E nessa esteira de ambição e poder, o homem foi derrubando florestas inteiras de árvores milenares para vender a madeira, que trocava por moedas e mais moedas. E não replantava para renovar essas matas... E em poucos anos, florestas inteiras foram devastadas, restando uma árvore aqui e outra ali. Mesmo estas foram destruídas, porque atrapalhavam as máquinas, que usavam para colher os talos de cana para produzir combustível... E a superfície da Terra ficou pelada dessa cobertura verde. E todos os rios foram secando...
A ganância humana criou um sistema de explorar tudo a sua volta, para transformar em moedas. Quem tinha mais moedas era o manda chuva do lugar...
Eu me lembro meu querido netinho que, havia umas árvores chamadas ipês, que mesmo sozinhas no meio da pastagem verde, se cobriam de flores amarelas, e era uma felicidade vê-las...
Muita gente tomou consciência da destruição e procurou defender essas amigas... Mas, o poder do dinheiro foi forte demais e a batalha foi perdida.
Sabe meu querido, se tivéssemos uma só árvore aqui no quintal, eu faria um brinquedo para você que o deixaria muito feliz.
Que brinquedo seria, vovozinho?
Amarraria uma corda num dos braços da árvore, e faria um balanço para você. E o colocaria sentado ali e balançaria pra lá, pra cá, pra lá, pra cá...
Como era mesmo o nome dessa amiga, vô?"



Mirandópolis, fevereiro de 2016.
kimie oku in


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