sábado, 4 de fevereiro de 2017

     A Solidão
         Todas as vezes que terminamos o encontro mensal da Ciranda, gosto de postar umas fotos no face, para participar aos amigos locais e de longe como estão os conhecidos idosos daqui. E as fotos já são um sucesso, pois amigos que moram fora se encantam de rever pessoas que não vê há anos. Mesmo quem é da cidade fica feliz de constatar que, certas pessoas estão cantando e cirandando, procurando driblar a solidão. Numa roda de amigos.
É certo que o grupo não é grande, e há dezenas de idosos que precisariam estar cirandando com a gente. Mas o local é pequeno, e levar gente para tumultuar não faz parte de nossos planos. Queremos antes de tudo, proporcionar segurança e conforto, para o convidado sentir vontade de voltar sempre.
Tenho sido mal interpretada por algumas pessoas, porque deixo de convidá-las. É que há um critério para selecionar as mais necessitadas. Considerando que o objetivo principal da Ciranda é proporcionar um pouquinho de lazer aos idosos solitários, procuramos selecionar os mais sós, os que estão esquecidos, que nunca recebem visitas, que não têm uma vida social ativa. E há tantos idosos nessas condições. A solidão é a maior dor de um ser humano, porque significa abandono, esquecimento e ingratidão. Muitos avós e pais estão assim abandonados há anos... Os jovens não têm tempo para dar atenção aos idosos. E não adianta tentar conscientizá-los... Eles vêm os idosos como carta fora do baralho, que têm que ficar quietinhos em seu canto, não incomodando ninguém. Entretanto, mesmo idosos e feios, e desgrenhados, e esquecidos, e sem vaidades, eles sentem a tristeza dos dias vazios, dos meses vazios, dos longos anos vazios sem uma visita de um filho, um telefonema de uma neta, um alô de um amigo. Apesar das limitações da idade, das pernas alquebradas, da visão meio apagada, da memória lerda, todos ainda sentem vontade de sorrir, de dar uma boa gargalhada, de receber um abraço de uma pessoa querida... É verdade que a vida está corrida, e todos estão pelejando atrás do sustento de sua prole, mas um alô para os velhos da família, um abraço, uma visitinha não atrapalharão os compromissos... A agenda não é tão cheia assim. A desculpa é sempre falta de tempo e muito trabalho. Que  no mais das vezes é apenas uma desculpa esfarrapada...
Confesso que eu também fui assim. Preocupada com o bem estar dos filhos e do marido, muitas vezes deixei de dar a atenção devida à mamãe idosa e solitária. Quando despertei, ela já estava meio esquecida e ausente... Mesmo assim, ainda deu tempo para cuidar dela, e proporcionar o conforto da minha presença nos últimos anos de sua vida. E sou muito grata a Deus por ter me despertado em tempo.
E no contato com as pessoas idosas que conheci, percebi como elas vivem sós... esquecidas dos filhos, dos netos, dos amigos. Como dizem os jovens, a velhice é foda, a velhice é muito triste.
Despertei para essa questão ao conhecer algumas batians que viviam sozinhas, somente com as cuidadoras. Essas batians falavam em japonês, e quando as visitava era uma felicidade porque eu entendia a sua fala. A felicidade de falar na língua materna e ser compreendida! Não sei falar corretamente, mas entendo bem a língua japonesa coloquial, e a comunicação é possível. Conheci senhoras muito cultas e finas como a batian Kimiko Kawasaki, a Natsuko Iwasa, a Someko Miyamaru e outras brasileiras como a dona Onofra, a dona Palmira, a Lourdinha, a dona Maria... Todas já falecidas, com quem aprendi muita coisa. Mulheres notáveis que carrego no coração.
E ao prosseguir com os encontros mensais da Ciranda, procuramos sempre proporcionar uma tarde feliz aos convidados. E recentemente, descobri que os cirandeiros se alvoroçam totalmente quando tem Ciranda. Vão à cabeleireira cortar e tingir os cabelos dando um jeito no visual, pintam as unhas, e escolhem uma roupa diferente e alegre para se animarem. A Ciranda desperta para a vaidade, para a vida!
E o mais interessante é que lá depois dos abraços e beijos, elas contam suas peripécias: que foram tratar dos dentes, que a córnea recebida deu certo, que terminaram as sessões de quimio e radio, que a tosse está parando, que tomaram a vacina contra a gripe...  Que o neto entrou numa excelente Faculdade... Que viajou uns dias com o filho... Que participou dos Santos Reis... E há também notícias não tão animadoras... Os joelhos que não dão trégua, a coluna que incomoda, o esquecimento, as saudades do filho jovem que se foi...
E assim todos contam as suas mazelas, fazendo uma catarse para uma amiga, um amigo... E depois, aliviados de suas cargas que incomodam vão cantar e dançar. E aí é só alegria. Alguém conta uma coisa engraçada e todo mundo dá uma boa gargalhada. Acredito sinceramente que, a Ciranda deu certo porque essas pessoas solitárias de repente, se sentem amparadas por tantos amigos, que as escutam, as consolam, as ajudam a carregar o fardo da vida.
E assim driblamos a solidão mês a mês...
E somos felizes.
Cirandando.

Mirandópolis, janeiro de 2017.
 kimie oku in



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