domingo, 25 de novembro de 2018



                 Professores de 1965...


       Um dia, a nossa amiga Regina Rosado resolveu matar as saudades de um tempo que passou. Há cinquenta anos, quando ainda era jovem, na flor da idade e se formara Professora...
      Porque quando se é jovem e é estudante, ninguém pensa em separação, em distâncias, em saudades... Mas, ao se formar na Escola Normal Noêmia Dias Perotti, de Mirandópolis, cada Professor recém formado tomou um rumo na vida e o grupo não se reuniria mais...
      Mas a Regina encafifou que queria ver os colegas de classe, que conviveram por três anos nos corredores e nas salas daquela escola. E resolveu que traria a turma toda para um encontro...
Pensar é fácil, fazer é que são elas!
Ao contatar os amigos de perto e de longe, descobriu que alguns já tinham partido definitivamente. Triste pelas perdas, sentiu que mais que nunca deveria promover o encontro, antes que todos fossem embora.
E em 2015, ela conseguiu reunir grande parte dos amigos para um almoço de confraternização aqui em Mirandópolis. Nem todos vieram porque alguns estavam com problemas de saúde, e outros tinham compromissos inadiáveis. Mas o encontro foi um sucesso, tanto que resolveram reunir-se também no ano seguinte. E assim eles têm se encontrado para saudar a amizade e a vida, que lhes proporcionou a alegria de ser professores.
E ontem, aconteceu mais uma reunião. Foi um almoço. Todos em volta da mesma mesa, trocando notícias, contando experiências, falando de suas famílias... Encontro tranquilo, recheado de lembranças. Lembranças também dos que já estão em outro plano... Dos oito companheiros que foram morar no céu.                         
A grande novidade foi a participação do Professor José Otávio Zanin, que representando o corpo docente da época veio rever os ex alunos. Foi uma alegria muito grande para todos revê-lo e ouvi-lo sobre a nobreza da missão de Professor. E o que mais tocou a todos foi ele enaltecer os jovens de 15 anos que terminavam o Ginásio, e ingressavam na Escola Normal de Formação de Professores (hoje Magistério). Jovens inocentes que estavam descobrindo o mundo e, que três anos depois se formavam Professores! Sem conhecer absolutamente nada da vida, essa leva de professores recém formados foi encaminhada para as Escolinhas Rurais para alfabetizar crianças!
Jovens de 18, 19, 20 aninhos inocentes, sem nenhuma experiência da vida se viram de repente, diante de um imenso Desafio! Bando de crianças curiosas que queriam aprender. Aprender a ler, a escrever, a calcular, a descobrir o mundo. Mas, o Professor tão inocente como eles, mal conhecia o mundo e nem sabia por onde começar... E a classe tinha três grupos de alunos: do primeiro ano, alunos xucros de tudo que nunca haviam pegado num lápis; do segundo ano que mal sabiam ler e escrever, e do terceiro ano que já lia e escrevia mais ou menos bem. E para cada grupo um programa diferente deveria ser desenvolvido! Enquanto o professor atarantado passava um texto no quadro negro para o terceiro ano, os do primeiro e do segundo se engalfinhavam em lutas por não terem o que fazer... Aí enquanto ensinava o beabá aos novatos, os do terceiro ano gritavam: Terminei, fessora! Olha, era preciso ser malabarista para dar conta de tudo! E no final do ano, a avaliação era feita através de um exame preparado na Delegacia de Ensino, e aplicado por Inspetores escolares... Eles torciam o nariz se o resultado não era bom. Mal sabiam como era difícil ensinar a três turmas diferentes em quatro horas diárias de ensino.
Mas, com o passar dos anos, todos de uma forma ou outra deram conta do recado! Não foi fácil para ninguém. E sabemos que a falta de tempo, a inexperiência e a falta de orientação deixaram muitos professores frustrados. Alguns até desistiram da profissão...
Hoje analisando o que passou, fico admirada de constatar como os governantes entregaram uma geração inteira nas mãos de professores tão inexperientes, tão imaturos, tão desamparados! Para os jovens normalistas recém formados era um desafio quase que intransponível.
Na época não havia linhas de ônibus para essas escolas rurais, ou se ia de charrete ou, morava lá em quartos de peões de fazendas, sem nenhum conforto. Não havia eletricidade, fogão a gás, telefone,  televisão, menos ainda celulares... Professores não possuíam carro próprio... Mas, viver era preciso, ensinar era preciso e, todos de um jeito ou outro foram superando as dificuldades, e alfabetizaram a maioria da meninada. Tanto é que hoje há tanta gente engajada no mercado de trabalho, porque aprenderam a ler e escrever através desses bravos professores. O Desafio fora vencido!
Mas, voltemos à reunião de ontem.
Através dos depoimentos individuais, constatamos que todos venceram os desafios e deram conta de outras missões - Professor que se tornou Bancário, Professor que se tornou Reitor de Universidade,  Professoras que usam a aposentadoria como voluntárias em campanhas para o Hospital do Câncer e da AACD, Professor que cuida da fazenda herdada, Professora que se tornou Prefeita e está pelejando para reerguer o nosso município nesses tempos tão difíceis...Todos, todos ainda na luta, cuidando de netos, da família e conduzindo a vida de forma organizada e certinha.
Mais que formar profissionais de Ensino, a Escola Normal de Mirandópolis formou cidadãos honestos, trabalhadores e dignos que mudaram gerações e gerações de jovens através do ensino.
Talvez nunca sejam reconhecidos suficientemente, mas a felicidade de ensinar e mostrar o caminho do conhecimento a gerações e gerações de crianças e adolescentes é uma bênção que nunca lhes será roubada. E cada Professor sabe que não viveu em vão, porque fez a diferença para tanta gente. Pelos caminhos percorridos sempre deixou o exemplo da honra, do patriotismo e da dignidade.
  Porque o Professor é acima de tudo uma referência da Humanidade.




Mirandópolis, novembro de 2018.
kimie oku in





  

2 comentários:

  1. Olá, professora!
    Que virou profe, tia e agora prô.
    Gostei de mais essa captagem de histórias que você faz com maestria.
    Vocês, ao longo do tempo, souberam ser Educadores, Ensinadores, psicólogos, etc...
    E é por isso, que aqueles que foram vossos alunos, hoje, reconhecem o aprendizado e lembram de seus mestres com carinho e se recordam de seus nomes completos.
    Parabéns, a você e a todos que exerceram e enaltecem a profissão que abraçaram.
    Beijão!

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    1. Obrigada, Ulisses!
      Se a gente formar uma rodinha e começar e recordar tudo que passamos, precisaríamos de mil encontros pra desfiar tudo. Assim como você e seus colegas bancários devem ter causos e causos pra relembrar... Porque é a história de uma vida inteira dedicada a uma missão. Missão dura, cheia de contratempos, de crianças pobres e professores que nem sabiam de seus direitos. Sabiam sim de suas obrigações, que os faziam madrugar todos os dias, e enquanto se dirigiam à escola iam matutando como despertar a curiosidade da molecada para o estudo de acidentes geográficos como montanha, ilhas, península... Coisas que nem o Professor conhecia de perto.

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