Fukuzawa Yukichi
Houve um tempo no Japão em que os trabalhadores eram meros escravos de seus patrões. Era a época do Xogunato ou Bakufu, cujos representantes eram os Daimyos... Esses Daimyos eram senhores poderosos que possuíam vastas terras e viviam em constante guerra com seus vizinhos, para lhes tomar suas propriedades e aumentar os próprios domínios. Esses domínios eram fortemente defendidos por um exército de samurais ou espadachins. E os Daimyos ou Tonosamas tinham o poder de vida e morte sobre seus vassalos... O povo humilde vivia entre a cruz e a espada...
O pai de Fukuzawa Yukichi era um samurai. Mesmo sendo um homem
culto servia ao Tonosama como um trabalhador braçal, porque era um samurai de
categoria inferior. Naquela época, as famílias estavam restringidas às castas
da pirâmide de classes sociais. E não podiam mudar de categoria. Quem nascia numa
família de sapateiros assim deveria continuar pelos séculos afora...
Quando criança, Yukichi detestava Escola e estudos e proclamava
isso para a família. Mas era uma criança inteligente e o pai desejava um futuro
melhor que o seu para o filho. Então decidiu que o garoto seria um monge, ou
bonsan. É que um monge poderia estudar e revelar suas habilidades. Era o único
caminho de estudos para a gente plebeia. Mas, o pai faleceu quando Yukichi
tinha apenas três anos de idade...
Seu irmão mais velho Sannosuke tomou as rédeas da casa e passou
a servir ao Tonosama. E decidiu que Yukichi deveria ir à escola para iniciar
sua educação, mas o garoto revoltou-se e não aceitou. Então sua mãe lhe contou
o desejo do falecido pai para fazer dele um monge. Yukichi ficou bastante
abalado e disse que nunca, jamais seria um monge. A mãe muito sábia então fez
um acordo com ele: Não o mandaria para um Templo como futuro monge, desde que
ele passasse a estudar. E foi assim que o caminho se abriu para o jovem, que um
dia mudaria a História do Japão.
Na Escola se revelou um aluno aplicado e sobressaiu logo na
classe. Era muito dedicado e nunca aceitava como verdades o que outros lhe
diziam. Um dia, ele foi espiar o oratório que havia nas proximidades e,
percebeu que todos os crentes estavam apenas orando para uma pedra! Uma pedra
como as dezenas que havia no caminho. Depressa, sem que ninguém visse, ele
trocou a pedra por outra. Queria saber se seria castigado pelos céus pela má
ação. Uma mulher veio e juntou as mãos e orou. E nada aconteceu. Ele ficou
pasmo, porque diziam que ali era sagrado e ninguém nem podia tocar no interior
do altarzinho (Batiga ataru! O castigo viria!).
Fukuzawa percebeu que as verdades sempiternas eram um monte de
mentiras para uns dominarem outros. E desse dia em diante, ele passaria a
conferir in loco tudo que ouvia falar.
Nessa época, o Japão era um país fechado, só se relacionando
comercialmente com a China e a Holanda. Olhava com desprezo os demais países do
mundo e vivia em completo ostracismo, ignorando o que se passava fora do seu
território. Eles temiam o Cristianismo, que derrubaria suas crenças sobre a
divindade do Imperador. Acreditavam que era no Japão que o Sol nascia e, o
Imperador descendia diretamente do Rei Sol (daí o sol na bandeira japonesa). A
família imperial era venerada como se realmente tivesse descido dos céus! A nós
parece conto de carochinha!
E justamente nessa época ali chegou o Comandante Peri, trazendo
uma intimação do Presidente americano para abrir os portos do Japão ao comércio
exterior Se se recusasse, os americanos atacariam o Japão com forte artilharia.
E demonstraram isso atirando com o canhão em alto mar. Foi um Deus nos acuda!
Os poderosos Daimyos tremeram na base e perceberam que, seus milhares de
espadachins não seriam páreo para armas de fogo. Os japoneses só guerreavam com
espadas. E os americanos disseram que voltariam em um ano para receber a
resposta. Foi um Deus nos acuda! O Japão precisava se armar e de repente,
formaram-se duas correntes: uma pela abertura dos portos e outra contra. A Casa
Imperial era fortemente contra.
Foi então que o Sannosuke Fukuzawa teve a ideia de encaminhar o
irmão Yukichi para estudar holandês. O objetivo era traduzir os livros
holandeses que ensinavam a produzir armas de fogo. O Japão precisava formar sua
defesa, seu exército e sua artilharia.
Yukichi se dedicou totalmente a essa tarefa e aprendeu a ler
holandês em cem dias! E passou uns cinco anos estudando essa língua estrangeira
e chegou a traduzir Dicionários Holandeses para o Japonês. E foi Professor de Holandês...
No ano seguinte, conforme promessa, os americanos voltaram e
mesmo não tendo autorização da Casa Imperial, diante da ameaça americana de um
ataque, o Representante mor do Xogunato Ii Naosuke assinou o Acordo, abrindo os
portos para o Comércio com os Estados Unidos, a França, a Inglaterra, a Rússia,
além da Holanda.
Foi uma abertura e tanto! De repente, estrangeiros invadiram os
portos e os japoneses ficaram pasmos ao perceber a diferença física, além da
língua inglesa tão difícil de compreender...
E foi aí que Yukichi percebeu decepcionado que o Holandês não
mais servia. E teve que começar do zero, estudando Inglês...
Quando o Japão mandou uma missão aos Estados Unidos para acertar
os termos do Acordo Comercial, Fukuzawa fez parte da Delegação. E chegando lá,
todos os japoneses ficaram maravilhados com o progresso ocidental em termos de
conforto nas casas, de transporte, de urbanização... E Yukichi constatou com
pesar que, a sua terra natal estava muito aquém da cultura ocidental. Que era
preciso retomar o tempo perdido e levar essa cultura para o Japão. E comprou o
Dicionário Webster, que seria o primeiro a entrar no Japão.
Quando o Japão mandou uma missão diplomática para a Europa,
Fukuzawa foi como intérprete do grupo. Foram recepcionados com muita festa e
tudo indicava sucesso da missão. Mas... Ao retornarem da Rússia para a França
perceberam que o clima havia mudado, todos foram tratados com muita frieza.
É que enquanto estavam percorrendo a Europa, houve um incidente
grave em Kagoshima ken. Um Daimyo e seu séquito estava se dirigindo para Edo (Tóquio)
e no meio do caminho, um turista inglês a cavalo tentou passar ao lado do
palanquim. Isso foi considerado uma agressão inominável e, os samurais do
Daimyo derrubaram o cidadão estrangeiro e lhe cortaram a cabeça! Naquela época,
os vassalos e todos os cidadãos deveriam se ajoelhar e postar suas cabeças no
chão, para a passagem de autoridades e até para os samurais. Quem ousasse
levantar a cabeça, tê-la-ia decepada... O costume era esse. Mas o cidadão
inglês não sabia de nada...
E Fukuzawa percebeu todo o atraso do Japão nesse incidente e no
fato de nos países ocidentais haver Democracia, que permitia aos cidadãos
escolherem livremente seus governantes. E então, resolveu contar para os jovens
japoneses o que estava ocorrendo no mundo.
Passou a escrever livros e mais livros em linguagem acessível, e
fazia palestras, tentando despertar a consciência da juventude, uma vez que os
adultos não botavam fé em suas premissas.
Felizmente, seus livros tiveram sucesso e foram muito
procurados. A Escola que abriu ensinava inglês e era bem frequentada. E pouco a
pouco, a juventude japonesa, que nunca aceitou a servidão dos vassalos aos
senhores feudais, acabou despertando. É verdade que os conservadores não
aceitavam as ideias inovadoras e até um amigo do Fukuzawa foi assassinado, por
pregar a ocidentalização de costumes.
Naosuke que assinou o Tratado de Abertura dos Portos também foi
assassinado numa emboscada. Pelo grupo que não aceitava estrangeiros no Japão.
Atraso grande, ideias medievais, difíceis de superar...
Fukuzawa Yukichi foi o homem que modernizou o Japão anacrônico,
combatendo velhas ideias de domínio e servidão. Foi ele quem disse a um pai que
lamentava o nascimento de mais uma filha: “E que mal tem em ser uma menina?
Desde que seja forte e saudável, fique feliz!” Naquela época o machismo
imperava e todos queriam só filhos homens...
Também ele pregava a igualdade entre os homens: “Deus não
colocou ninguém acima de uma pessoa, nem abaixo dela”
“A melhor forma de ser livre é através do estudo”
E ele provou isso não só libertando a si mesmo, como ao próprio
país natal através do estudo. Estudo que durou a vida toda!
Ele é considerado a luz que incandesceu para tornar o Japão um país
moderno, libertando-o dos grilhões do anacronismo.
Mirandópolis, janeiro de 2020.
Revisado em abril de 2022.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
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