Bakumatsu (fim do Xogunato)
Por um século e meio (1467 a 1615), o Japão assim como vários países da Europa foram controlados pelo Feudalismo.
Feudalismo se constituía numa organização
social, em que senhores poderosos, com vastos domínios territoriais exploravam
os seus vassalos, sem prestar contas a ninguém. Mesmo que no país houvesse um
Rei ou um Imperador, eles eram senhores absolutos em seus domínios, com poder
de vida e morte sobre os dependentes. Conforme crescia o seu poder, mais queriam
terras e usavam seus vassalos para atacar e tomar propriedades alheias,
incendiando castelos e exterminando os proprietários.
Como
uma violência chama outra, de repente todo o país estava em convulsão. Os
soldados desses Feudos, os famosos samurais iam todos os dias para a guerra com
suas espadas, como os funcionários públicos hoje vão para suas repartições
trabalhar. E a matança se generalizou... Ninguém estava seguro. É verdade que
isso ocorria não só no Japão, mas também em vários países da Europa. Faltava um
chefe de Estado que tivesse autoridade e poder suficiente para acabar com essas
guerras, e estabelecer a ordem...
No
Japão era bem pior. Havia uma lenda que considerava o Imperador como o Divino Filho
nascido diretamente do Deus Sol... Então, todos os súditos deveriam se prostrar
diante dele, em sinal de respeito e veneração... Isso desde os primórdios dos
tempos... Era uma ideia profundamente arraigada no povo.
Mas,
conforme o poder dos Suseranos ou Senhores Feudais foi crescendo, também
assumiram essa postura de deuses divinos e passaram a exigir que todos se
prostrassem à sua passagem, com a cabeça tocando o chão. E quem não o fizesse
tinha a cabeça decepada na hora, pelos samurais. Eram os tempos bárbaros. Tanto
poder atribuído a gente, que portava espadas afiadíssimas só podia conduzir à
matança generalizada. Então até os samurais começaram a exigir que os pobres,
os lavradores e pequenos ambulantes lhes rendessem essa veneração. Matava-se
por qualquer motivo. O povo tinha medo até de respirar diante dos samurais...
Então, Oda Nobunaga um poderoso Suserano resolveu acabar com essas guerras e
começou a unificação do Japão. Depois dele, Toyotomi Hideyoshi deu
continuidade. E finalmente com Tokugawa Ieyasu o país se estabilizou, com um
Imperador e um Xogun comandando o país. Era o fim da Era das Guerras.
E
durante duzentos e cinquenta anos, a Era Tokugawa ou Era Edo foi de relativa
paz. Duzentos e tantos anos já haviam se passado desde o tempo de Nobunaga,
Hideyoshi e Ieyasu. Mas, o país continuava fechado para o mundo, só mantendo
relações comerciais com a Holanda e a China. E o velho hábito de humilhar as
pessoas mais humildes continuou. Ninguém podia aspirar à mudança de casta social
a que pertencia. Quem nascera numa casa de lavradores ou pescadores, deveria
continuar nessa ocupação até o fim dos tempos.
Então
em 1853, aportou nas costas do Japão o Comodoro Matthew Perry com uma frota de quatro
navios de guerra movidos a vapor. Missão? Entregar uma carta do Presidente
norte-americano ao Xogun para abrir os portos ao comércio exterior. Esses navios
eram dotados de canhões que poderiam destruir tudo que mirassem. Foi um
tremendo susto, pois o Japão nem conhecia navios assim, e qualquer batalha era
feita com espadas... Como combater canhões
com espadas?
Perry
voltou para sua terra, depois de estabelecer o prazo de um ano para o Japão
decidir. Se não abrisse os portos o país seria bombardeado... Foi um frisson!
De repente, o Japão teria que abandonar sua política de Isolacionismo e abrir
os portos para o mundo. E a população se
dividiu em dois grupos distintos: os favoráveis à abertura dos portos e os
conservadores isolacionistas. Os isolacionistas defendiam o poder do Imperador
que consideravam divino, e os bárbaros estrangeiros deveriam ser
expulsos.
Pressionado pelos
Suseranos mais fortes, Ii Naosuke que representava o Xogunato assinou pela
liberação dos portos de Hakodate e Shimoda. Mas, os radicais não lhe perdoariam
essa decisão e o executaram numa emboscada.
Por
essa época havia em Tosa em Kochi ken uma Escola de Esgrima comandada por Takechi Hanpeita,
que era um conservador radical e pregava o Isolacionismo absoluto. Pregava que o Imperador era divino e como tal
não deveria permitir a presença de estrangeiros em seu território. A Escola
localizada em Tosa ficou famosa e teve centenas de seguidores. Quando decidiu se
posicionar contra a presença de estrangeiros, fez todos os associados jurarem
fidelidade à causa, carimbando suas digitais com o próprio sangue... Essa lista
de mais de cem assinaturas ainda existe num Museu... Sua convicção chegou ao
paroxismo de formar esgrimistas para executar cidadãos, que pensavam diferente.
Na calada da noite, esses espadachins atendendo às ordens de Hanpeita
executaram o Governador de Tosa, e mais outros políticos favoráveis à
modernização do Japão. Esses terríveis espadachins ficaram conhecidos na História
como hitogiri ou cortadores de gente, ou assassinos. Dentre eles um jovem que
venerava Hanpeita, Okada Izo obedecia cegamente sem analisar as próprias ações.
Teve participação na execução do governador de Tosa, Yoshida Toyo e outra
autoridade Honma Seiichiro. Mas como
criminoso foi preso e teve a cabeça decepada no final... Outros hitogiri foram
Kawakami Gensai de Kumamoto ken, Kirino Toshiaki de Satsuma, Tanaka Shinbe de
Satsuma, que participou da emboscada contra Ii Naosuke, representante do Xogun.
Foi por essa época que um comerciante inglês Charles Lennox Richardson e
acompanhantes montados em cavalos,
seguindo para a cidade de Kawasaki depararam com a comitiva de um Suserano de
Satsuma. Sem conhecer as regras de prostração diante do palanquim, eles tentaram
passar pela comitiva. Mas foram atacados e Richardson morto no local pelos
samurais, que alegaram falta de respeito... Por esse crime o Xogunato teve que
ressarcir o governo inglês, com uma indenização de dezesseis milhões de libras
esterlinas.
Essas
atrocidades ocorreram no mesmo período em que o Japão decidia se abriria os
portos ou se expulsaria os estrangeiros... Diante dessas barbaridades o
Xogunato criou o grupo Shinsengumi, para reprimir os assassinatos e restaurar a
Lei e a ordem em Tosa. Hanpeita e seus mais radicais seguidores assassinos foram
presos, condenados e tiveram que praticar o harakiri.
Enquanto
isso ocorria, havia um grupo tentando acabar com o Xogunato, que havia perdido
o controle da Nação. Sakamoto Ryoma de Tosa, Saigo Takamori de Satsuma, Toshimitsu
Okubo de Chosu e Nakaoka Shintaro e Katsu Kaishu. Todos eles estavam
preocupados com a situação caótica do país.
O
encontro de Ryoma com Katsu Kaishu, que era um Oficial da Marinha do Xogunato iria
acelerar o processo de mudanças. Um dia, Katsu perguntou: “O que tem ao redor
do Japão?” E Ryoma: “O mar!” “E o que é necessário para protegê-lo?” “Uma frota
marítima!” “Pois bem é isso, devemos construir uma força Naval Japonesa antes
de brigar com outros países!” E havia o John Manjiro que esteve por dez anos
nos Estados Unidos e conheceu o sistema Democrático de Governo. Quando ele e o
Katsu Kaishu relataram que o mandatário de lá era escolhido pelo povo, os
japoneses ficaram perplexos. Até um cidadão comum poderia ser Presidente, desde
que fosse eleito... E Ryoma se tornou um discípulo de Katsu para construir de fato uma Base Naval. Ele se entrevistou com os políticos mais
proeminentes para conseguir as verbas. Foi para Osaka, para Kiyoto, para Edo...
Convocou operários entre os ronins, ou espadachins sem emprego e se dedicou
totalmente à causa da Marinha com Kaishu.
Havia
dois exércitos poderosos que viviam em litígio. O de Satsuma, um Feudo ao sul
de Kagoshima era o domínio do clã Shimazu há séculos. Seu exército comandado
por Saigo Takamori era frontalmente contra o Xogunato e defendia a devolução do
poder ao Imperador.
O
Feudo de Choshu onde hoje é Yamaguchi ken era o domínio de Mori Terumoto, que
era também contra o Xogunato, mas também arqui-inimigo de Satsuma... Foi aí que
o Ryoma interveio. Entrevistou-se com ambos os comandantes e após muito
diálogo, os convenceu a unir as forças para derrubar o Xogunato. Após muita
negociação, houve um pacto e partiram para atacar as forças do Xogun. Eram
apoiados pelos soldados do Império.
E
houve o confronto de Toba Fushimi, ou a Guerra dos Boshin. As forças de Choshu,
Satsuma e Tosa contra o exército de Tokugawa que durou quatro dias, e os Imperialistas
foram vitoriosos. Yoshinobu Tokugawa se rendeu, e Saigo mandou confiscar suas
terras. E o Xogun revoltado, do Castelo de Osaka preparou um ataque contra a
Corte. Mas as forças de Choshu e Satsuma eram mais bem equipadas e tomaram o
Castelo de Osaka e o Xogun teve que renunciar. Dos cento e vinte mil soldados
envolvidos, cerca de três a oito mil foram mortos. Esse foi o preço para acabar
com o Xogunato. As forças derrotadas do Xogunato foram poupadas graças a Saigo
Takamori, que queria construir um país de paz e desenvolvimento.
E a
Restauração Meiji foi declarada.
Infelizmente,
Sakamoto Ryoma e Nakaoka Shintaro não chegaram a assistir a chegada da nova
Era. Eles que tanto pelejaram, lutaram e pregaram a união dos japoneses, só
viram seus amigos de infância serem executados um a um, por terem usado suas
espadas a serviço de Hanpeita para assassinar gente, que desejava a
modernização do Japão. Ryoma foi responsável também pela renúncia do Xogun
Yoshinobu, evitando assim que houvesse mais derramamento de sangue. Sakamoto e
Shintaro foram emboscados num Hotel e assassinados pelos radicais que queriam manter
o país isolado do mundo. Ryoma tinha apenas 33 anos, e é considerado o Pai da Marinha
Imperial Japonesa.
A
Restauração Meiji foi proclamada em 04 de janeiro de 1868. Ela devolveu o poder
de comando do Japão ao Imperador, estabelecendo o fim definitivo do Xogunato ou
do Feudalismo.
A
Era Meiji durou de 1868 a 1900 e foi um tempo de renovações políticas,
religiosas e sociais profundas. O Império desistiu do Isolacionismo, deixou de
expulsar os estrangeiros e estabeleceu um Comércio Exterior mais atuante.
Enfim,
o Império construiu um Estado Novo e uma Nação Moderna. Acabou com a Teocracia,
extinguiu os samurais, abriu os portos para o mundo, ocidentalizou os costumes
e urbanizou os vilarejos.
Hoje
Xoguns, Daimyos e Samurais são apenas personagens de filmes e animês, que fazem
sucesso no mundo todo. Mas, esses personagens realmente existiram numa época, que
se perde nas brumas do tempo, época difícil de fomes e guerras. Felizmente,
tudo isso já passou.
E
graças a heróis conhecidos da História e outros desconhecidos que morreram nas
batalhas encetadas pelas causas radicais, que a humanidade costuma defender.
O
Japão teve que passar por essas vicissitudes devido às ilusões criadas de
divindade da Família Imperial, devido ao radicalismo de ideias incutidas na
população e devido ao orgulho embutido nos comandantes ao longo dos séculos.
Felizmente, as mudanças vieram, forçadas é verdade mas vieram! E tornaram o
Japão uma das potências mais respeitadas no mundo de hoje. E que respeita todas
as Nações do mundo, indistintamente.
E
isso graças a gente heroica, que deu a alma e a vida pelo Japão de paz que hoje
conhecemos.
Que nunca nos esqueçamos disso!
Mirandópolis,
novembro de 2020.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br
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