terça-feira, 3 de novembro de 2020

 

                      Uchinanchu


A pedido de amigos estou escrevendo sobre Okinawa, essa ilha maravilhosa que se localiza ao sul do Japão.

Hoje, Okinawa é uma Província do Japão, mas já foi domínio da China e dos Estados Unidos.

Ela faz parte do Arquipélago Ryukyu, uma cadeia de 169 pequenas ilhas no Mar da China Oriental, entre Taiwan e Japão. População de um milhão e quinhentos mil habitantes, aproximadamente. Clima tropical que possibilita o cultivo de cana de açúcar, batata doce e frutas tropicais como abacaxi e banana. Sua capital Naha se localiza no extremo sul. Okinawa é famosa pelas belas praias que atraem turistas do mundo inteiro.

A ilha de Ryukyu foi um reino independente, Reino das Léquias (leques?) entre os séculos XV e XIX. No final do século XIV estava dividida em três Reinos: ao Norte os feudos de Hokuzan, pobres mas militarmente organizados. No Centro dominavam os Chuzan, de feudos mais ricos e poderosos. E ao Sul dominavam os Nanzan, que controlavam os Portos de Naha e Kumemura. Como no Japão esses grupos entraram em conflito, e os Chuzan venceram. A Ilha foi unificada por Sho Hashi, que se tornou Rei e se estabeleceu no Castelo de Shuri, onde passou a governar o país.

 O país prosperou através do comércio com Vietnã, Coréia, Sumatra, Japão e Sibéria. Foi a Era Dourada, próspera sem guerras. Mas como era um entreposto comercial entre China e Japão, passou a ser cobiçada pelos países vizinhos. Em 1429, o Imperador Ming da China o reconheceu como Estado soberano, mas passou a cobrar tributos de Okinawa. Soberania limitada...

Em 1590, o poderoso Xogun do Japão Toyotomi Hideyoshi solicitou ajuda militar ao Rei Sho para invadir China. Como eles dependiam da China, o Rei recusou. E então, em 1609 o senhor feudal Shimazu de Satsuma, Japão invadiu Ryukyu, destronou o Rei e tomou posse da Ilha. Embora os okinawanos tivessem que prestar tributos aos japoneses, Shimazu permitiu que a família de Sho continuasse governando a Ilha. E para manter as aparências como Ilha independente, os japoneses e os okinawanos foram proibidos de se visitar. Isso levantou uma barreira cheia de preconceitos, que durou até recentemente.

Quando eu era jovem, os nikkeis do Brasil se referiam aos imigrantes de Okinawa com desprezo. E eu não entendia a razão. Mesmo os casamentos com eles eram restritos. Um dia, um jovem daqui se casou com uma descendente de uchinanchu. E na festa de casamento, a família da noiva trouxe um grupo de dançarinos para apresentar um show no Clube Nipo. Literalmente foi um show nunca visto antes. O vestuário alegre e todo colorido, o ritmo da música, os instrumentos musicais, os passos dos dançarinos deixaram a comunidade nikkei boquiaberta. Todos perceberam que a cultura okinawana era rica e digna de respeito.

Bem, mas continuando a história, em 1879 Japão anexou as Ilhas e China se opôs. Estados Unidos intermediaram favoravelmente ao Japão. E continuou pertence ao Japão até 1945, quando os Estados Unidos invadiram a Ilha na Segunda Guerra. Houve a terrível Batalha de Okinawa, em que morreram setenta e dois mil soldados americanos e duzentos e cinquenta mil militares e civis japoneses. Esses civis eram okinawanos ou uchinanchus...

Com a derrota do Japão, os americanos tomaram a ilha e ali estabeleceram uma Base Militar, que permanece até hoje. Os soldados ocidentais baseados lá acabaram se relacionando com as moças uchinanchu e geraram filhos. Esses filhos, resultado da miscigenação de japonesas com americanos são chamados hafu, isto é meia e meia, ou metade japonês e metade americano. São os mestiços. Havia muita discriminação, mas hoje com a globalização, as raças se misturaram tanto que há hafus de várias raças e ninguém mais se preocupa com isso.

Em 1972 os Estados Unidos devolveram a Ilha ao Japão, mas a Base Militar continua lá. Com isso, a discriminação contra os okinawanos foi diminuindo aos poucos, porque eles passaram a ser definitivamente considerados japoneses. Japoneses que falam outra língua, têm uma cultura totalmente diferente e cuja origem ninguém ainda desvendou. Se, são originários das Ilhas da Polinésia, da antiga China ou dos japoneses do período Jomon... Mas, isso não tem importância, o que importa é que japoneses, okinawanos e brasileiros somos todos irmãos, oriundos de um mesmo Deus.

 Um amigo meu esteve de passagem ao largo da Base Militar Americana, e disse que ficou muito impressionado. É imensa e tem um Exército, perto de 50 mil homens! Além de porta-aviões e armamento pesado... A presença dessa Base e as manobras que fazem têm incomodado muito os moradores da Ilha, que querem preservar a natureza. A poluição sonora chega a níveis insustentáveis, quando os aviões fazem treinamentos. E todos os moradores reclamam dessa presença de estrangeiros, mesmo porque volta e meia estão acontecendo casos de estupros de crianças nativas... O governo japonês alega que essa Base representa segurança para os japoneses, constantemente ameaçados pelos norte coreanos.  Mas está sendo pesado para os habitantes da Ilha. E as desabitadas Ilhas Senkaku controladas pelo Japão, estão sendo disputadas pela República Popular da China e por Taiwan.

Então, mesmo no Paraíso terrestre não faltam problemas!

Como estamos tão distantes e só vemos imagens maravilhosas das praias de Okinawa, nunca pensamos em problemas. Mas a presença dos americanos ali realmente é um preço duro para se pagar, por ter sido anexado ao Japão. Os okinawanos ainda sonham com Independência, mas a globalização torna isso quase impossível.

Bem, mas ainda há muito que conhecer sobre os uchinanchu. Eles têm linguagem própria e diversos dialetos. Descobri algumas palavras na língua nativa: mamãe seria Anma, papai é Su, irmão é Chode, amigo é Dushi, obrigado é Nife, senhores é Gusuyo, feliz é Usaibin, descendentes é Nife Debiru, Deus é Kami, oratório da cozinha é Hinukan, que é o Guardião do Fogo, Sanshi é um shamisen de três cordas, Yutá é mãe de Santo, Kachashi é uma música para todos dançarem em final de festas. Também percebi que Norte é Hoku, Centro é Chu e Sul é Nan como em japonês (Hokuzan, Chuzan e Nanzan).

As escolas locais estão se empenhando em preservar a rica cultura nativa, ensinando cânticos e danças desde o Curso Primário. Essa cultura é muito atraente porque o povo é bastante comunicativo. São alegres e transmitem muita coisa positiva. Suas danças e seu ritmo já ganharam o mundo! Há que se preservar! E o cuidado que têm para cuidar da natureza é um exemplo inigualável.

Até agora eu só sabia que os uchinanchu gostam muito de Goyá ou Nigauri, ou Melão de São Caetano. E sabia que eles têm cabelos fartos e fortes; e que Campo Grande capital de Mato Grosso do Sul tem o maior reduto de uchinanchus do Brasil.

Mas com essa pesquisa descobri tudo isso que escrevi, e estou encantada com esse povo, que sabe ser feliz e leva a vida numa boa. Mais feliz ainda pela colaboração de Kenji Tengan um uchinanchu de boa cepa, que me passou tantas informações.

Vou encerrar usando alguns termos da língua uchinanchu!

Gusuyo, estou usaibin por ter conhecido a história de Uchinaa. Nife debiru Kenji Tengan pela ajuda. Yutá e Kami te protejam!

Mirandópolis, novembro de 2020.

kimie oku in

http://cronicasdekimie.blogspot.com

 

 

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