YOSHITSUNE
Quando
bebê, sua mãe caminhou na dura nevasca durante horas e horas em busca de ajuda.
Ele no colo da mãe, e mais dois meninos, que choravam de frio, fome e
canseira... Caminhando aos trambolhões na neve sem fim. Ela buscava ajuda de
uma parenta distante no interior. Seu esposo Minamoto Yoshitomo, Capitão do Clã
Fujiwara fora derrotado e executado pelas forças de Kiyomori Taira. Eram os
idos de 1100, há mais de novecentos anos.
Esse
bebê era Ushiwaka Maru, que mais tarde seria conhecido como Minamoto
Yoshitsune. É a mais dolorosa e comovente história de samurai que li.
Mas,
toda a caminhada fora em vão. Ninguém podia socorrer a esposa e os filhos de
Minamoto Yoshitomo, pois espiões
inimigos estavam rondando o Vilarejo. Desesperada, a mãe Tokiwa resolveu voltar
para a capital Kiyoto, quando soube que sua mãe estava refém dos Taira...
Movida
pela coragem foi falar com o poderoso Kiyomori,
chefe supremo do Clã inimigo. E disse
que daria a sua vida para salvar a mãe e os filhos...
Kiyomori
ficou impressionado com a elegância natural e a beleza de Tokiwa, e pela
semelhança com sua falecida mãe. Nesses tempos de guerra, o regulamento mandava
executar toda a família e os descendentes dos inimigos, para evitar problemas
futuros. Mas, Kiyomori não fez isso. Mandou os meninos maiores estudar num
Mosteiro, para serem Monges e não guerreiros. Os filhos adultos de Kiyomori
pediam para o pai executá-los. Mas, ele conservou o pequeno Ushiwaka e a mãe
junto de si, transformando-a numa concubina... Além desses três meninos, Yoritomo
um meio irmão de Ushiwaka também fora desterrado por Kiyomori para a Província
de Izu.
E Ushiwaka
Maru cresceu com outras crianças do Castelo, recebendo um carinho especial de
Kiyomori. Em sua inocência, julgava que ele era seu pai... Quando completou
sete anos de idade foi mandado para o Mosteiro de Kurama para também ser um Monge. Lá, com
ajuda de um preceptor, dedicou-se ao estudo das Escrituras Sagradas. Um dia,
apareceu no Mosteiro, um Monge que estivera a serviço da Família Fujiwara e falou
ao jovem agora com dezesseis anos sobre a sua origem. Falou também do meio
irmão Minamoto Yoritomo que estava vivo em Izu.
Quando
o garoto soube de sua origem, passou a se exercitar para ficar forte e lutar
contra os inimigos. Ao anoitecer, ele se embrenhava na mata escura e ficava
horas e horas praticando exercícios para se desenvolver. Usando paus como
espadas praticava toscamente a esgrima.
Mas,
a curiosidade não o deixava sossegado. Procurou amigos para saber sobre a
família de seu pai. Aos poucos se inteirou de toda a história. E ficou bastante
confuso ao descobrir que o senhor Kiyomori, que ele tanto admirava tinha
mandado executar seu pai e demais membros da família.
Uma
noite, saiu do Mosteiro e tocando a flauta que ganhara de sua mãe, estava
passando na ponte Gojou em Kiyoto. De repente, se deparou com um homem gigante
com uma longa espada. O estranho ordenou que o jovem lhe entregasse a espada
que carregava na cintura. Ele recusou. Então, o outro declarou que estava na
ponte, tomando as espadas de todos que por lá passassem. Já havia recolhido
centenas e a de Ushiwaka seria a milésima... Como este não concordou, o homem
avançou sobre ele com sua naginata (espada longa) para cortá-lo. Mas, Ushiwaka
saltou sobre o beiral da ponte, deixando o outro atordoado. E de pirueta em
pirueta conseguiu escapar da terrível espada... O gigante ficou impressionado
com o jovem, porque ninguém até então o havia vencido. E a partir desse dia,
Musashi Benkei que era o seu nome, passou a seguir Ushiwaka até o Mosteiro, oferecendo
os seus préstimos. Insistiu tanto que foi aceito, e se tornaria o seu guardião
e parceiro até a morte.
Um
dia, apareceu no Mosteiro um ambulante que convidou o jovem a ir a Hiraizumi em
Iwate ken encontrar-se com seu parente Fujiwara Hidehira. Foi uma longa
jornada, porque naquele tempo não havia outro meio de locomoção que andar a pé.
Benkei o acompanhou, assim como três amigos que levavam uma vida de privações
na capital.
Hidehira
gostou de Ushiwaka, que havia proclamado a
maioridade, adotando o nome de Minamoto Yoshitsune Kuro. Durante cinco
anos, Yoshitsune ficou com os parentes se preparando para as batalhas, que
viriam para derrotar a família Taira. E um dia, foi se encontrar com o irmão
Yoritomo, em Kamakura perto de Tóquio. Este que também fora desterrado por
Kiyomori, era de natureza desconfiada, e recebeu o meio irmão Yoshitsune com
certa ressalva. Yoshitsune, porém feliz de conhecer um irmão, ofereceu seus
préstimos para unir forças e vingar a morte de seu pai.
Kiyomori
herdara o poder de seu pai, que havia derrotado o grupo de piratas e corsários
que aterrorizava os navios do Mar de Seto. E toda a família era bem considerada
pela Casa Imperial. Utilizando a sua influência, conseguiu que uma de suas
filhas se tornasse a esposa do Príncipe herdeiro. Quando nasceu um neto,
Kiyomori percebeu com orgulho que era o avô do futuro Imperador... Com esse
poder, Kiyomori passou a nomear seus familiares para os cargos mais importantes
do governo, em detrimento de outros mais capazes. A família Taira ficara tão
poderosa até um de seus membros declarar que “se não for um Taira não é gente!”
Mas,
poder demais corrompe, e aos poucos a violência, os abusos e a injustiça
praticados pelos Taira revoltaram a população, que aqui e ali provocavam
escaramuças... Impostos elevadíssimos que a família cobrava levaram a população
a passar necessidades, a ponto do Imperador pedir ajuda a Yoritomo de Kamakura.
Entrementes
Yoshinaka de Kiso, primo de Yoritomo se antecipou e chegou à capital,
expulsando a família de Kiyomori, que levando o neto herdeiro do trono se
refugiou em Fukuhara, Kobe. Yoshinaka foi tratado com deferência pelo Imperador
Go Shrakawa que o nomeou Guardião do Palácio. Mas, Yoshinaka e seus soldados
também começaram a cometer atrocidades contra a população. E Go Shirakawa
recorreu novamente a Yoritomo para salvar a capital Kiyoto.
Yoritomo
organizou um exército e ordenou ao seu irmão Noriyori e a Yoshitsune para
pacificar a capital, no que foram bem sucedidos. Go Shirakawa ficou encantado
com a atuação de Yoshitsune e o nomeou Protetor da Capital. Isso irritou
Yoritomo, que a partir daí passou a odiar o irmão.
Mas,
Yoshitsune devia combater os Taira, conforme o trato inicial com Yoritomo. A
mais famosa batalha ocorreu em Ichino Tani. As forças de Taira estavam
acampadas em Fukuhara, diante do mar aberto. Atrás estavam protegidas com uma
montanha que terminava num penhasco quase vertical. Todos estavam tranquilos,
pois Yoshitsune não dispunha de uma esquadra para atacar pelo mar. E pela
montanha era inimaginável. Indagando aqui e ali, Yoshitsune soube que as cabras
da montanha conseguiam descer por ali. Então, fez um cavalo seguir morro
abaixo. Vendo que era possível, resolveu atacar por aí. Muitos cavalos
despencaram e seus donos morreram juntos. Mas grande parte da tropa desceu
incólume e partiu para o ataque. Os soldados de Kiyomori estavam dormindo e
foram pegos de surpresa. Apavorados, os homens fugiram para o mar para o abrigo
dos navios ali atracados... Foi uma vitória e tanto de Yoshitsune.
As
forças de Taira fugiram para Kiyushu, e Yoshitsune voltou para a capital, para
reforçar o exército. O Imperador ficou muito satisfeito e pediu que Yoshitsune
ficasse na capital para garantir a paz. Mas, ele saiu em perseguição aos Taira
que estavam em Kiyushu. Entretanto, Yoritomo ficava cada vez mais incomodado
com o sucesso do irmão. Via nele um rival e nunca um parente próximo.
Yoshitsune, porém era sincero e queria uma relação amistosa com o irmão. Tinha
um natural carisma de atrair amigos e parceiros pela hombridade e coragem.
Estava inocente da inveja e do rancor de Yoritomo.
Um
monge foi enviado para emboscar e matar Yoshitsune... Benkei o apanhou e
entregou para o amo. Yoshitsune, porém acreditou na inocência dele e o deixou
ir. Isso só não terminou em tragédia porque Shizuka a esposa de Yoshitsune
mandou segui-lo. E descobriu a armação. Benkei o executou a mando de
Yoshitsune. Isso enfureceu Yoritomo, que mandou um exército caçar o irmão...
Entrementes,
Yoshitsune estava no encalço dos Taira que se refugiaram em Kiyushu. Yoshitsune
estudou o horário exato das marés, porque o combate seria nas ilhas, e ele não
dispunha de muitos navios. Os Taira possuíam uma frota imensa. E o combate se
deu à beira mar... Quando os inimigos resolveram atacar o exército de
Yoshitsune, a maré os afastou mais e mais, não possibilitando o ataque e
Yoshitsune conseguiu vencê-los com seu pequeno exército... E ali aconteceu um
fato curioso que ficou para a posteridade. Da parte dos Taira, um barco veio se
aproximando devagar, ostentando um leque com o sol nascente da Bandeira
japonesa. Era uma provocação para Yoshitsune com a meia irmã, filha de Kiyomori
segurando o mastro. Qualquer um que se habilitasse a derrubar o leque poderia
atingir a jovem... E se algum soldado de Yoshitsune conseguisse derrubar o
leque, a vitória estaria confirmada... Foram momentos de grande tensão. E o
barco vinha, com a moça corajosa desafiando o próprio irmão... E um jovem arqueiro
conseguiu sem titubear, com apenas uma flechada derrubar o leque no mar... Foi
tão preciso, sem ferir a portadora que todos aplaudiram, até os homens de
Taíra. Então, as mulheres da família de Taíra se jogaram ao mar, para não
caírem nas mãos inimigas. E levaram junto o pequeno Príncipe herdeiro. Assim
foi o lastimável fim dos poderosos Taira ou Heishi...
Mesmo
com tudo isso, Yoritomo não reconheceu a bravura de Yoshitsune e a perseguição
se tornou mais acirrada. Cada vez mais as tropas de Yoritomo se aproximavam e
Yoshitsune pediu abrigo ao tio Fujiwara Hidehira, de Hiraizumi, onde passara
boa parte de sua juventude. Foi bem acolhido assim como a Benkei e os outros
amigos mais próximos. Estavam todos se preparando para enfrentar as forças
inimigas, quando o tio Hidehira faleceu de repente. Antes de morrer, ele aconselhou
os filhos a protegerem Yoshitsune. Seu herdeiro Yasuhira, porém atraiçoou e o
denunciou a Kamakura. Dois irmãos seus
que protegiam o primo também foram mortos por Yasuhira... E Yoshitsune se viu
de repente, acuado diante de quinhentos soldados de Kamakura. Ele e Benkei só
dispunham de uma dezena de parceiros... Sem saída, Yoshitsune praticou o
seppuku ou suicídio, para não ter a desonra de ser morto pelos inimigos. E
Benkei morreu lutando bravamente, com o corpo varado de flechadas. Foi bravo e fiel companheiro até o fim...
Os
inimigos levaram a cabeça de Yoshitsune para o irmão Yoritomo, que o expôs em
praça pública numa estaca... Até os vassalos de Yoritomo choraram ao avistarem
essa cena... Só o sanguinário irmão não se comoveu.
Antes
de ir para Hiraizumi, Yoshitsune pedira a Shizuka que voltasse para Kiyoto,
prometendo que iria ao seu encontro na Primavera que se aproximava. Mas,
Shizuka foi descoberta e levada para
Kamakura, onde deu à luz a um filho de Yoshitsune. O cruel Yoritomo mandou
matá-lo e jogá-lo num rio... Daí um tempo, Shizuka também morreu sem nunca mais
ter encontrado o esposo...
Yoritomo
seria venerado por ter se tornado o primeiro Xogun e por ter instalado o Regime
Feudal ou Kamakura Bakufu no Japão. Esse Regime tirou o poder de administração
da Casa Imperial, de tal forma que Yoritomo se transformara num General
Imperador, com todo poder de mando em suas mãos. Politicamente, realizou muitas
benfeitorias, templos às dezenas... Mas... Foi cruel demais com o irmão
Yoshitsune. E ninguém sabe até hoje o que o moveu para fazer isso.
E
os japoneses nunca se conformaram com o triste fim desse jovem guerreiro, que
era simples, compassivo e morreu com apenas trinta e um anos. Transformaram-no
numa lenda, e todos os livros e filmes com esse tema tratam-no como um herói
injustiçado. Não aceitaram sua morte e chegaram a pregar que ele se
transformara no famoso guerreiro mongol Gengis Khan, que conquistou toda a
Ásia. Para consolar os milhões de fãs...
Eu
pessoalmente, confesso que sinto uma comoção profunda quando leio sobre esse
jovem, que não conheceu o pai, foi confinado num Convento e quando descobriu com
alegria um irmão de sangue, foi por este odiado e executado.
Resta-me
agora reler sobre Yoritomo e descobrir algo que explique essa maldição...
Mirandópolis,
maio de 2021.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com
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