quinta-feira, 7 de junho de 2012

      
       AQUELA ESTAÇÃO (Lupércio A. N. Palhares)

  Esta é a estação. A estação de trem da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil-N.0.B. - da cidade de
Mirandópolis,
objeto desta
crônica.
 Estação cuja estrada de ferro divide a cidade em duas partes, a ponto dos habitantes dizerem – do outro lado da linha – sempre quando querem se referir a uma localização.
   É uma estação imponente, pois fica no alto da cidade, cuja topografia, define que os dois lados da cidade são mais baixos que seu nível.   
   Estação de trens cargueiros, por onde chegou o progresso desta cidade e, por onde passou o progresso para todas as outras cidades, até a divisa com a Bolívia, ponto final de sua extensão geográfica, desde Bauru, aonde se iniciava. 
   Estação de trens de passageiros, por onde chegaram novos habitantes, em busca de um futuro, que lhes dessem trabalho e onde pudessem fincar suas raízes e constituírem suas famílias. 
   Estação também por onde saíram antigos habitantes, em busca de aventuras em outras cidades, sonhos sempre perseguidos de uma feliz cidade, entre idas e vindas. Estação que, embarcou e desembarcou aventureiros, caixeiros-viajantes, jovens em idade de serviço militar, estudantes em busca de novos cursos escolares não disponíveis na cidade, famílias em viagens de férias. Estação que viveu risos e lágrimas, porque encontros e despedidas costumam ser pontuados por essas emoções. 
   Estação que perpetuou personagens, de funcionários da N.0.B. desde o chefe da estação, Sr. Sampaio, passando pelos funcionários intermediários, lembro-me do Sr. Pandin, os operacionais da manutenção dos trilhos; até charreteiros - o sr. Abel é o que me vem à lembrança - carroceiros, choferes de praça - o Zé Ohashi é um dos mais lembrados - vendedores ambulantes como o Orlando Pasteleiro, mordendo a língua no canto da boca, o carteiro do Correio – Sr. José Gabriel, “Zé Gabrié” como era chamado, com sua "indefectível” carriola de madeira, e seu surrado uniforme de carteiro e, a gravata sempre torta, carregando os malotes de jornais, revistas, cartas, avisos de cobrança, encomendas - curiosos, moças à procura de aventuras, forasteiros, mendigos, andarilhos, que escreveram cada um a seu modo, a história desta estação. 
   Afinal, a estação de trem em qualquer cidade tem vida própria e peculiar, início e fim de atividades sociais e econômicas, encontro e desencontro de sonhos, nem sempre realizados. 
   Estação que era passagem obrigatória das pessoas de um lado para o outro da cidade, dependendo da localização que estivessem e para qual setor da cidade iriam, pulando o trem e subindo ou descendo o barranco que dava para a rua Rafael Pereira, pois o pontilhão para passagem de veículos e pedestres ficava um tanto longe, e a passagem de nível também.   
    Posteriormente, no final dos anos 60, foi construída a passagem subterrânea para pedestres, antiga reinvidicação dos moradores em virtude dos perigos iminentes em pular o trem na plataforma para atravessar de um lado para outro da cidade. 
    Eu vivi desde 1955 quando lá cheguei, até 1969 quando de lá saí, toda uma parte da história desta estação. Por ela, cruzei de um lado para outro para cursar o grupo escolar no hoje Hélio Faria, pulando o trem na plataforma.  
    Depois mudei-me para o outro lado da linha e passei a cruzar a cidade já pela passagem subterrânea. Conheci a Maria-fumaça, o trem a diesel, a Litorina e viajei por todos eles. O som da buzina a vapor da Maria-fumaça soa docemente ao meu ouvido até hoje e a sua fumaça branca por vezes, me toca os pés. 
   Mas as atividades da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil terminaram e, hoje a estação de trem está desativada, jogada ao abandono. 
   É certo que, algumas pessoas que ainda entendem que a memória é a melhor forma de revitalização, mantém uma luta constante e ativa, no sentido do tombamento como patrimônio histórico e da preservação do espaço da estação, bem como da praça no entorno dela, para que se tornem áreas de lazer, com pistas de skate, quadras para prática de esporte, espaço cultural para eventos e apresentação de toda e qualquer forma de arte.    
    Lanço um aceno de esperança e derramo uma lágrima de saudade. Um aceno de esperança para que esta luta não se dissipe no caminho, e uma lágrima pela saudade de tempos bons, produtivos e glamourosos que, a estrada de ferro proporcionou. 
    Não sou muito afeto a comparações, porque acho que elas podem nos mostrar as fraquezas mas no mundo todo, o trem é o melhor meio de transporte de passageiros. Uma lágrima de tristeza para os governantes, cuja fraqueza não os fez perceber. 
    Busco na música a inspiração final, como forma de expressar o sentimento que me toma, e me inspiro nos versos de Milton Nascimento e Fernando Brandt na música Encontros e Despedidas: “O trem que chega é o mesmo trem da partida / A hora do encontro é também despedida / A plataforma desta estação é a vida desse meu lugar”. 
   Como me inspiro também nos versos de Caetano Veloso ao descrever uma viagem na música Trem das Cores: “A franja da encosta, cor de laranja, capim rosa chá / o mel desses olhos, mel de cor ímpar / o ouro ainda não bem verde da serra, a prata do trem....”. 
     Adriana Calcanhoto dá o tom final Naquela Estação: “E agora tudo bem, você partiu, para ver outras paisagens / E o meu coração embora, finja fazer mil viagens, fica batendo parado, naquela estação”.
     Na estação da N.0.B. de Mirandópolis.


 LANP/2006/10/11 (Lupércio Ailton Nery Palhares)

Um comentário:

  1. Que beleza, Lupércio! Qta sensibilidade, amigo! Parabéns pelo seu texto que nos remete a todos para aquele lugarzinho outrora cheio de charme e histórias e hj largado às moscas! Vi uma foto do candidato a prefeito, Chicão Momesso, efetivando uma promessa com alguns políticos, de tornar aquele espaço um centro cultural! Torcemos para que isso não fique só nas vãs palavras, né mesmo? Um abraço meu e do Mirinho a vc e Val!

    ResponderExcluir