sexta-feira, 8 de junho de 2012

           
    Crônica Especial 
   Exatamente há 48 anos, ocorreu uma tragédia em Mirandópolis, que comoveu toda  a população.         
  Essa tragédia foi contada pelo mirandopolense, ex-bancário e Professor Ademar Bispo, numa comovente crônica, que já foi publicada por este Diário de Fato .
   E recentemente, revendo fotos antigas da cidade no facebook, os amigos postaram as saudades que o herói da história deixou, com a sua repentina partida, na flor da idade.
   Com a devida vênia do autor, achei oportuno publicar esta crônica de novo, para prestar-lhe uma singela homenagem. 
   Outrossim, a homenagem será também para o autor da crônica, que soube cultivar o carinho e a saudade do amigo, mesmo depois de tantos anos.

        Mirandópolis, 30 de maio de 2012. 
                               kimie oku


                         Gol do destino (Ademar Bispo da Silva)


    Foi num dia qualquer, do mês de dezembro de 1956, que eu o conheci. Estava jogando “pelada” na rua São João, com Cido, Silvio, Sérgio, Rosa Branca, Calil, Abdala...quando vi minha mãe parar um garoto que passava de bicicleta e conversar com ele.
   Chamou-me e disse: -Ele é o filho do português, vai passar aqui 2ª feira para lhe ensinar onde fica a escola da dona Silvina. Ficamos nos olhando, eu, mais tímido, quieto. Ele mais saído, disse: - Meu nome é Vanderlei, me espere segunda. 
   Ele morava em frente ao Mercadinho do João Ascenço, onde foi e acho que ainda é, o Açougue do Ademir. Iniciava-se uma grande amizade.
  Segunda feira, cedinho, ele me chamou, saímos, passamos na casa de um outro menino, Atushi Sato, que morava na rua Dr. Edgar, logo após a casa do Nino Veronese, de frente para onde seria a lateral do Banco do Brasil, e mais tarde moraria o Sr. Cláudio Quinalha.
  Estava formado um trio que daria algum trabalho para dona Silvina, eu diria: um trinômio quadrado imperfeito. Íamos fazer o curso de Admissão ao Ginásio, nos meses de dezembro, janeiro e parte de fevereiro. As aulas no Ginásio começavam em março. 
   A escola da dona Silvina ficava na rua Yoshio Nakamura, era um salão que fazia fundo com a Padaria São João, de propriedade da Elza  Ramires, onde mais tarde moraria a Wanda de Sylos.
   Tivemos como colegas a Alice Madureira, a Helena de Oliveira, a Zilda de Lima, a Marilena Arantes, o Plinio, japonês das Alianças que sempre estava nos ameaçando com um canivete, e o famoso Yoshitane Fugimori, que viria a ser o braço direito de Carlos Lamarca. 
   Nas horas de recreio, muitas vezes, Vanderlei repartiu seu sanduíche de mortadela, comprado na padaria, comigo, pois eu não tinha condições de levar lanche todo dia e nem comprar. Aprontamos muitas, até com a Marilena nós brigávamos, ela era muito brava e maior que a gente. 
    No final de fevereiro fomos ver os resultados dos exames. Encontramos com outros alunos de outros “cursinhos”. Havia cursos de admissão dados pelos professores Durval, Paulo Turri, Toshio, Kazuo entre outros. Fizemos amizade com um japonês falador, aluno do Kazuo, chamado “Helio” Makoto Fukumura que seria uma pedra no meu sapato, digo no meu tênis, quando jogamos futsal como adversários. 
   O Makoto e o Atushi passaram. Eu e Vanderlei fomos reprovados...em Português. Também, aquela professora grandona nos deixou assustados, não foi porque não estudamos.
    Eu não tinha condições de pagar um curso o ano inteiro, fui fazer o 5º ano primário, criado no Grupo Escolar Dr. Edgar, para atender àqueles que não podiam pagar um Curso Particular. O Vanderlei podia pagar , mas foi comigo. Éramos alunos da dona Irene Jacobs. Eu sentava na 2ª carteira, atrás do Edmo Silva, Vanderlei lá atrás, por ser mais alto. O Edmo balançava muito a carteira e me atrapalhava escrever.      
   Um dia, muito nervoso, ergui o tampo da minha carteira de encontro às suas costas. Havia um tinteiro na carteira, pois naquela época não existia esferográfica e sim caneta tinteiro e de pena. A tinta manchou toda a sua camisa. Ele chamou a professora e dona Irene mandou-me para a Diretoria. 
   Tomei, então, uma decisão que me surpreende até hoje: apanhei meu material e disse que não voltaria mais àquela escola. Vanderlei, lá de trás perguntou: - Demá, o que foi? Eu disse: -Vou embora, não volto mais aqui. E ele: -- Me espera que também vou.
    Saimos, e resolvemos ir fazer nossa matrícula no Curso de Admissão criado pelo Estado, gratuito, que iria funcionar, na parte da tarde, no prédio que funcionava o Ginásio Estadual, na Avenida Raul da Cunha Bueno.
   O Ginásio só tinha classes funcionando na parte da manhã. À noite funcionava a Escola do Comércio, de propriedade do Pedro Paulo. Foram criadas duas turmas de 40 alunos.
   Os professores eram a dona Laura, casada com o Duílio, tios do Canário, que dava aulas de Português e Geografia e o Professor Guaraci que dava aulas de Matemática e História.
   Foi um ano sem novidades. Fizemos os exames e fomos aprovados ao Ginásio. Apesar do Diretor Pedro Perotti ter proibido o trote, alguns veteranos, entre eles o Makoto e o Atushi, tentaram dar, na 1ª aula de Educação Física, no Kai Kan, mas o seu Jorge Cury impediu e levou-os para a Diretoria.
    Foi na aula de Educação Física, do professor Jenner, que passamos a jogar futebol, na própria quadra, com um gol pequeno e com uma bola cheia de crina de cavalo e que passaria a ser o meu jogo favorito. Não tivemos mais atritos com os veteranos, só fomos proibidos de ir de “cueca” e tivemos de passar a usar calça comprida.  
    Vanderlei e eu continuamos a nossa amizade por todos os anos do Ginásio. Eu me dedicando ao futebol e futsal e consequentemente , tendo amigos que tinham os mesmos gostos: Padre, Nata, Makoto, Nina, Cebola, Kaneo, Cabeção, Fenelon, Macaco, Gato, Xavier, Moacir Pé de Bode, Pim, Zapata....Ele se dedicando ao basquete, natação, vôlei e aos bailes, tendo amigos como o Gerson, Gilson, Carlão, Alexandre, Rossato, Bisteca, Gordinho, Chumbo, Jurupoca, Alci, Braga.....Mais tarde, ao dedicar-se também ao futebol e futebol de salão mostraria que era um atleta completo.
    Em 1964 cursávamos o 2º Científico no CENE Dª Noêmia Dias Perotti, com os colegas Raul, Cudiga, Gusella, Cebola, Josué, Orlando Bordoni, Akebo, Kasutero, Kaneo....
    No dia 15 de junho, pouco antes das 19 horas, Vanderlei passou na minha casa para irmos assistir a uma aula e depois ir ao CAM, pois haveria jogo treino da seleção de futebol de salão de Mirandópolis contra a Seleção de Lavínia, como preparativo para enfrentarmos a equipe do Bangu da Capital, que disputava o Campeonato Metropolitano de São Paulo.
    Assistimos a 1ª aula e ao sairmos cruzamos com o Professor Kazuo, a 2ª aula seria com ele. Demos tchau para ele e gozamos os colegas que iam ficar , e continuamos nos encaminhando para a saída. 
   O Destino entra em campo... o Kazuo não estava num dia bom. Chamou a dona Terezinha e disse que na ausência do Dr. Neif, ele respondia pela direção e não era para deixar que saíssemos, pois nos daria uma suspensão. 
   Ficamos sentados na escada que dá acesso ao pavimento superior, ao lado da mesa da dona Terezinha, pedindo para ela deixar-nos ir. Alguns colegas, acho que o Cudiga e o Raul, saiam à porta da sala de aula e irônicamente perguntavam: -- Vocês não vão jogar????
   O Kazuo dava gargalhadas, acho que já tinha tomado umas e outras. Pedíamos para dona Terezinha ligar para o Dr. Neif, pois sabíamos que ele liberaria, era nosso “chapa”. 
   Ela só dizia que tinha de esperar ele vir. 
   E as horas estavam passando. Quase oito e meia, o telefone toca.
   Era o Dr. Neif avisando à dona Terezinha que o Kazuo estava respondendo pela Direção porque ele ia ao CAM.
   Pedimos pelo amor de Deus para ela falar que estávamos ali e tínhamos de ir jogar.
   Dona Terezinha falou: ---Dr. Neif, tem dois alunos aqui, que o Kazuo proibiu de sair e eles dizem que têm de ir jogar.
   Dr Neif: .................
   Dona Terezinha: - É o Careca e o Bispo.
   Dr. Neif: ...........              
   Dona Teresinha: - Está bem.
  Agora o Vanderlei saia, passava a fazer parte do Onofre “Vanderlei” Mendes e dava lugar ao Careca. O Demá também saia, passava a ser usado só pelos amigos mais íntimos e dava lugar ao Bispo. 
   O Destino continua em campo... 
  Dona Terezinha virou-se para nós e disse:-Ele falou que vocês podem ir.
   Começamos a rir e dar pulos. Corremos para a sala do Kazuo e demos muitos tchaus.
   Já na rua, o Careca disse que precisava ir pegar o seu material de jogo. Fiquei bravo, eu tinha levado o meu, estávamos no CENE e ele estava morando na época na rua João Domingues de Souza, onde tinham uma pensão e depois foi o Zuin Gás. 
   Quase nove horas ...e o Destino permanecia em campo.
   Saimos quase correndo. Apanhamos o material e voltamos rapidamente.
   Estávamos no jardim, nove e quinze, vimos o Naná, com o seu carrinho amarelo, de capota, uma “baratinha”, pedimos para ele nos levar até à quadra.
   Ele manda entrar, sobe a 9 de julho, que era de mão dupla e....tira o Destino de campo. Diz que tinha um compromisso em Lavínia e vai nos levar de companhia. Suplicamos, pedimos, quase choramos para ele parar o carro. 
  Chegando na encruzilhada que vai para o cemitério de um lado e do outro para Lavínia...o Destino entra em campo novamente. Ele diz que estava brincando e leva-nos para o CAM.
   O 1º tempo do 1º jogo já acabou. Seu Moacir diz ao Careca que ele vai jogar o 2º tempo e ficar para o jogo principal. Diz a mim que vou entrar jogando no jogo principal.
  E o Destino? Onde ele está? De substantivo abstrato ele passa a substantivo concreto e se aloja sorrateiramente num poste, num poste de energia elétrica, atrás do gol. Já escolheu a sua vítima. Por várias vezes quase a perdeu. Agora só observa. As bolas que batem na tela de arame, sobre o muro, fazem-na encostar num fio descascado que está em contato com o poste, e soltar faíscas . 
  Entramos para o jogo principal, fico conversando com o Lala que está sentado numa mureta, onde será construído o alambrado. O Careca chega, molhado, com a camisa no ombro, senta-se na mureta, ao lado do Lala, conversamos, tira os tênis, mas fica com os pés sobre eles.
   O juiz chama para o início do jogo. Estou na minha posição , aguardando o apito de início. Ouço um grito e viro-me, a tempo de ver o Lala empurrando o Careca, que tinha recebido uma descarga elétrica nas costas , pois havia se encostado no poste
  O tumulto é grande, ninguém sabe o que fazer. Só gritam para puxar a língua.
  Todos em volta sem fazer nada, até que o professor Laerte toma a frente e começa a fazer massagens no tórax.
  Decidem levá-lo à Casa de Saúde e quatro pessoas colocam-no sobre os ombros e vão assim, desde o CAM até à Casa de Saúde.
   O Destino ganhou o jogo.
   Nove horas da manhã do dia 16 de junho de 1964, o Gordinho, numa corneta, executou o “Toque de Silêncio”.
   Perdi um grande amigo... 
   Perdi aquele que substituiu o irmão que não tive.
                                                                                    ademar bispo
post scriptum: Vanderlei ou Careca é o jovem mais alto, que está entre o Kaneo e o Didi. Agachados estão o Ademar Bispo, autor da crônica, Makoto e o Gerson. O técnico era o seu Moacir. (nota de kimie oku)


                           

Nenhum comentário:

Postar um comentário