segunda-feira, 11 de junho de 2012

                        Gente de fibra –Kurao Iyomasa

      Hoje o entrevistado é um japonês de Yamaguchi-ken, Japão, onde nasceu em 1922. 
        Da pátria, ele não tem lembranças, pois veio para o Brasil com os pais como imigrantes, quando tinha apenas quatro anos de idade.   
         É o senhor Kurao Iyomasa, que tinha a Ferraria 9 de julho, na saída para Lavínia. Inicialmente, vieram para a região de Sorocabana, para lidar com a lavoura de café. Depois se transferiram para a região Noroeste, mais especificamente Brejo Alegre, em Birigui, e se dedicaram ao cultivo do algodão.
        Nessa região, o menino Kurao trabalhou na roça com a família e estudou na escolinha de língua japonesa, como era costume na época. Acredita que deve ter estudado mais ou menos uns três anos. Hoje consegue ler os jornais japoneses, porque se tornou autodidata e continuou estudando sozinho. Com três anos apenas de escola, é quase impossível dominar a leitura da língua japonesa, devido às dificuldades próprias dela. 
       Em 1947, vieram para Mirandópolis e, um tempo depois, o jovem Kurao passou a trabalhar na Oficina Central de Tomehei Amikura, para aprender o ofício de Mecânico. Como era necessário se comunicar com os clientes da oficina, Kurao que só falava japonês, passou a estudar a língua portuguesa em casa, sozinho. 
      A Oficina Central da família Amikura era uma potência, e consertava os caminhões, que transportavam mercadorias. Caminhões da Ford, mais tarde da Chevrolet estavam inundando o mercado brasileiro, em substituição aos carros de bois e carroças. E eram um sucesso, pela rapidez com que faziam o transporte de pessoas e mercadorias. 
      A Oficina teve também um Posto de Gasolina da Texaco, justamente para abastecer os veículos da época, com gasolina, que era trazida de Bauru pelos caminhões do senhor Luiz Veroneze Filho. No Posto Texaco, havia um escritório e um balcão de autopeças para caminhões.
      Em 1949, casou-se com a cunhada do patrão, a senhorita Mytsuy Sato, que nascera em Guaiçara em 1926. Desse casamento, nasceram cinco filhos, dos quais um é Dentista, um é Empresário, uma era Podóloga e duas são donas de casa. Têm ainda dez netos e um bisneto..
     Dessa fase da oficina, o senhor Iyomasa tem uma leve lembrança de uma tragédia, que aconteceu na oficina. Um mecânico perdeu a vida, ao ser lançado de encontro a uma parede na área de serviço, quando houve uma explosão. Durante muito tempo, as marcas das mãos da vítima ficaram gravadas na parede do barracão. Devido aos 90 anos que tem, o seu Iyomasa não se lembra dos detalhes dessa ocorrência. Lembra-se apenas que era um brasileiro e era chefe de família. 
      Seu Kurao deixou a Oficina após uns dez anos de serviço. Construiu um barracão ao lado de sua casa, na saída para Lavínia, onde instalou a Ferraria 9 de julho, nas proximidades da venda do seu Casimiro Bonadio. Era vizinho do seu Domingos Colchoeiro, de quem foi compadre. 
      Para a construção do barracão, fez empréstimos no Banco América do Sul, e foi pagando aos poucos, com muito sacrifício, pois havia as despesas da família, com cinco filhos menores. 
         Sua esposa, a sra. Mytsuy montou uma pequena Mercearia ao lado da oficina do marido, e passou a revender verduras, para ajudar nas despesas da casa. 
       Foram anos difíceis, com todos trabalhando. As meninas ao voltarem da escola, iam para a quitanda substituir a mãe, que tinha que cuidar dos afazeres domésticos. Os meninos invariavelmente, após o almoço ajudavam o pai na Ferraria. Os dois filhos aprenderam o ofício do pai, praticando por anos a fio. Mesmo estudando fora e, depois de formados, sempre que vinham de férias, não deixaram de ajudar o pai. 
        Mas, no que consistia o serviço do seu Iyomasa? Depois que deixou de consertar caminhões na Oficina dos Amikura, passou a produzir venezianas, grades e portões, hoje tão em moda por conta da insegurança social. 
       Pensando bem, é admirável a coragem com que ele se entregou a esse serviço, uma vez que nunca havia trabalhado na área, e só entendia de funcionamento de caminhões. E teve que aprender sozinho esse ofício, observando janelas e portas e criando modelos diversificados. 
      Naqueles tempos, ainda era seguro deixar portas e janelas abertas, porque os latrocínios não estavam em moda, como atualmente... Seu Kurao montava grades para vitrôs, janelas de ferro, ou venezianas e grades para substituir os muros das casas.        
      Como naqueles tempos não havia mostruários, seu Kurao desenhava os modelos diferentes, para satisfazer os clientes. Infelizmente, ele não guardou esses desenhos, que seriam uma relíquia hoje. 
       Dentre as centenas de casas que ajudou a construir com seu trabalho, lembra-se do Clube Nipo Brasileiro, da Igreja Matriz de Lavínia, das janelas da nossa bela Igreja Matriz e do Consultório da família Conrado. Foi responsável pela colocação de toda a ferragem do Clube Nipo local, e da Igreja de Lavínia. Lembra-se que, ele e o filho tiveram que trabalhar nas alturas, para instalar as janelas das torres, correndo riscos de acidentes de trabalho. 
        Dentre os diversos aprendizes que passaram em sua oficina, quem está no ramo é o senhor Nélson Tomazzi, que todos conhecem, e que está a serviço da comunidade até hoje. A sua esposa ficou no comércio de frutas e verduras por uns três anos.
      O seu Kurao trabalhou como ferreiro por vinte anos e se aposentou em 1973. 
        A sua vida não foi só de trabalho. Durante muitos anos, seu Kurao e esposa jogaram o “hana fudá”, uma espécie de baralho japonês de cartões cheios de desenhos de flores, que esteve muito em moda em tempos passados. As partidas eram bastante animadas, com um grupo de amigos, que revezavam as casas nos fins de semana.
         Além disso, seu Kurao jogou beisebol quando jovem, e estava sempre envolvido com esse esporte, porque os filhos também jogaram. Eram os tempos áureos do beisebol na cidade e região. 
      E também gostava muito de cantar “enka” ou baladas japonesas nos Karaokê, participando das apresentações no Nipo, e concorrendo com outros cantores amadores. Desses tempos de jogos e karaokê, há uma coleção de taças e medalhas que conseguiu conquistar. 
       Após a aposentadoria, passou a cultivar orquídeas, e tem um viveiro grande no quintal. A esposa cuida de primaveras e outras flores mais comuns. Ao mesmo tempo, ele passou a caminhar para não travar, mas após um tropeção na Pista da Saúde, parou. 
       Sua esposa também não sai mais, embora continue a mesma mulher alegre e gentil de sempre.
      Seu Iyomasa gosta de ler. Passa o tempo lendo revistas e jornais japoneses, que assina. Tem uma paixão pelos cachorros que criou. Leva uma vida tranqüila ao lado da esposa Mytsuy, da filha Keiko e do bisneto Gustavo. Em breve, completará noventa nos de idade. 
    Senhor Kurao Iyomasa, que trabalhou anos consertando caminhões na Oficina Central, que fez portas, grades e janelas para centenas de residências, que continua a cultivar o espírito japonês, cuidando de orquídeas e lendo jornais na língua dos ancestrais, é sem dúvida alguma, Gente de Fibra! 

          Mirandópolis, 3 de junho de 2012. 
         kimie oku in “cronicasdekimie.blogspot.com” 

Nota: 1 - foto do casal Iyomasa,
          2 - Kurao  entre colegas mecânicos,
          3 - grade de janela, construída  por ele,
          4 - jogo de "hanafudá"

18 comentários:

  1. Conheci Kurao e sua esposa dona Maria, se não me engano seu nome brasileiro quando em 1971 compramos a padaria que fica visinho de sua casa e serralheria que batizamos pelo nome de Nossa Senhora Aparecida, em homenagem ao nome de minha irmã Aparecida, onde somos devotos. Ficamos 10 anos até o ano de 1980 visinhos, fomos amigos e isso será sempre lembrado. Eles eram nossos fregueses de carteirinha e nossa familia agradece pela amizade que tivemos e sendo eles uma familia extraordinária. Parabens Kimie pela lembrança.

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  2. Que honra ver meu ditian na internet!! haha.. obrigado pela homenagem, Kimie! Tenho certeza de que ele ficou muito feliz pela entrevista, assim como todos nós da família Iyomasa! Obrigado pelo texto, muito bem escrito e que explica vários detalhes que nem eu mesmo sabia! rs.. gente de fibra!!

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  3. Vítor, sabe todas as pessoas que passaram a vida toda trabalhando pela família, têm histórias lindas para contar. Histórias de anos de lutas, de incertezas, de contas para pagar, de filhos para criar. Se você prestar atenção, a humanidade é feita de gente assim, que gasta a vida toda em benefício de alguém, pelejando, pelejando não importa em que serviço seja, porque o objetivo é apenas um: proporcionar uma vida boa e confortável às pessoas que dependem dela. É por isso mesmo que a história do seu ditian é bonita e emocionante. Tive imenso prazer em escrever esta história. Um abraço. kimie

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  4. Sumico - Belo Horizonte19 de junho de 2012 às 22:26

    Minha eterna gratidão a você, Kimie, que soube retratar tão bem um pedaço da vida do meu pai, esse homem querido, disciplinado, trabalhador, e muitos outros adjetivos. Obrigada por você ter se lembrado dele. Sua crônica será o seu melhor presente de 90 anos (completa no dia 20/07).

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  5. Quando as minhas palavras despertam esse amor que existe nas famílias,já fico gratificada. Pela emoção e pelas mensagens a mim enviadas dá para avaliar a extensão do carinho dos familiares. Às vezes, passamos a vida toda sem demonstrar nossos sentimentos às pessoas, que dividem o dia a dia conosco. Mas, todas as pessoas gostam de atenção, de uma palavra boa, de elogios, de um abraço. Você vê, Sumico, não me custou nada contar essa história bonita de seu pai e de sua mãe. A beleza está justamente na história deles, na vida de lutas, de economias, de desafios que enfrentaram sempre. Fiquei feliz de saber que, essa pequena publicação será para vocês um presente de 90 anos de seu Iyomasa.
    A todos vocês, um grande abraço.

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    1. Kimie, muitissimo obrigada pela lembranca e pela homenagem! Um excelente resumo de uma historia de luta e garra que proporcionou a filhos e netos um legado inesquecivel!
      Eh com imenso orgulho que tenho este meu ditian (avo), que nos ensinou a sermos corretos, honestos e organizados!
      Mais uma vez obrigada, de toda a familia Iyomasa!
      Com carinho, Juliana

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  6. Juliana, quando um neto ou uma neta se manifesta assim como vocês, acredito realmente que, a pessoa de quem contei a história, não viveu em vão. Percebo que há um laço na família, que se chama kizuná em japonês, e que mantém todos ligados em volta do ditian e da batian. E isso é muito bonito nos tempos de hoje, que as famílias estão se dissolvendo, e cada um seguindo caminhos diferentes. É bom conservar a família, que é o bem maior de nossas vidas. Mesmo que ela seja chata e exigente, é na família que a gente acha um porto seguro na hora das dificuldades e das dores, e é na família que podemos dividir as maiores alegrias. Que Deus conserve esse kizuná sempre. Beijos. kimie

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  7. Como nos orgulha ler uma historia tão bonita como a do nosso Ditian. Sem dúvida ele é um exemplo de disciplina e determinação para todos nós da família!!!! Com certeza ele é uma pessoa de MUITA FIBRA, pois soube cultivar os principais valores que uma familia deve ter, e me sinto privilegiada por fazer parte dela! Obrigada Kimie, esse é meu Ditian!!!!!

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  8. Ticiana, gosto muito de escrever sobre costumes japoneses, que merecem ser cultivados, e procuro divulgá-los nesses tempos em que os bons costumes estão se perdendo, e desumanizando as pessoas. Já que você abriu meu blog, tente ler "Ongaeshi" "Kizuná" "Sagrado" "Oshougatsu" "Conclusões precipitadas". São textos que escrevi a partir de leituras de revistas japonesas, que eu gostaria de comentar em japonês mesmo, mas ainda o meu estudo dessa língua é insuficiente para tanto. Quanto ao seu avô, concordo com tudo que você escreveu, e lembre-se que a batiam também tem muito a ver com tudo isso. Agora que estão idosos são mais carentes que as demais pessoas, então dê-lhes atenção sempre que possível. Eles não precisam de presentes, mas só de um pouco de carinho. Um beijo. kimie

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  9. Masayasu - Ribeirão Preto28 de junho de 2012 às 17:26

    Kimie,muitíssimo obrigado pela bela homenagem que fizeste aos meus pais.Que belo presente de aniversário!Meu pai completará 90 anos e minh mãe 89;estamos preparando-lhes uma bela festa surpresa.Daremos aeles um album fotográfico desde sua chegada ao Brasil até os dias atuais.Como sabes,sua grande paixão sempre foi fotografia.Tinha umpequeno laboratório fotográfico em casa nos idosde 50 e 60.Tirava, revelava e ampliava suas próprias fotos(tem algumas fotos antigas de Mirandópolis)que estão à sua disposição.Um abraço a voce e familiares.Leio sempre sua belas crônicas.

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  10. Lembro de vocês tão jovens, tão bonitos, sempre com os filhos de seu Domingos Colchoeiro. Todos estudando, dando duro por um futuro melhor. Depois, cada um seguiu seu caminho e perdemos contato. E agora a gente olha prá trás, e sente uma saudade imensa desse tempo que passou, e que não volta mais, né, Masayasu? Quando anunciei a história de seu Kurao no facebook, com a fotografia de seus pais, o Ulisses Lacerda lembrou de você e comentou algo sobre um tanque de peixes na casa dos Amikura. Que memória tem esse seu amigo, hein? Quanto às fotos antigas, poste para "dinho.resler@gmail.com" É esse mesmo Dinho que comentou aí em cima a história de seu pai. Ele é o responsável pelo blogger de "fotosantigasmirandopolis.blogspot.com" Um abraço. kimie

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  11. Que bela homenagem, Kimie! Sr Iyomassa e d. Maria são merecedores, com certeza! Vou recomendar sua crônica à minha cunhada Felícia para que ela mostre à minha sogra, Tininha. Ela e meu sogro, Mirão, já falecido, são compadres do casal Iyomassa, amigos e foram vizinhos por muitos anos. E eu, que há muito não tinha notícias da Eunice Sumico, minha amiga de mocidade, vi um comentário dela aqui e fiquei sabendo que reside em Belo Horizonte! Uma abraço a todos da família e outro, especialmente a vc, Kimie!
    Joana

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  12. Lindas e merecidas homenagens ao casal Kurao e Mytsuy Yomassa!!!
    Kimie, parabéns pela sua coluna. Aproveito o seu blog para agradecer o meu Tio e minha Tia, por tudo que fizeram pela minha família. OBRIGADO E PARABENS. BANSAI!!! BANSAI!!! BANSAI!!!

    Artur e Míria

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  13. Ele é/era meu tio avô. Sou neta do irmão dele, Tsuneo, que já faleceu, e lamento saber tão pouco sobre este lado da família :(

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    1. As informações que eu tenho são: a família de Shoichi e Michi vieram de Yamaguchi-ken no navio Santos Maru em 1926 com seus filhos (Takeko-17 anos, Yasuko-15 anos, Hideo-10 anos, Tsuneo (meu ditian)-6 anos e Kurao-3anos). Meu ditian veio para SP capital (não sei porque e nem quando) e teve seus filhos aqui (minha batian era do interior também, mas não sei se eles se casaram lá ou aqui em SP)

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    2. Seu Iyomasa faleceu uns anos atrás. Se quiser, entre em contato com a Sonia Iyomassa no face book.

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    3. A gente se conheceu em Mirandópolis

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