segunda-feira, 16 de novembro de 2015

                                               NUHIKUN
Instruções aos Criados
    Ontem à noite tive a oportunidade de assistir a uma peça teatral na Comunidade Yuba.
      Ora, quando se vai ao teatro, o apreciador vai de espírito preparado para ver o desenrolar de uma história, que alguém quer contar ou dramatizar. E honestamente falando, não estava preparada para ver o que vi. E acredito que a maioria das pessoas  pouco entendeu das encenações. Mas, me incomodou muito, tanto que não consegui sair do local até o fim, e esperei que alguém viesse explicar alguma coisa. Fato que não ocorreu
Para cada um tirar suas conclusões...
      Entretanto, não consegui parar de pensar nas cenas que vi. E mesmo sem ter certeza de que as minhas conclusões sejam corretas, passarei a expor a minha interpretação. Se estiver equivocada, gostaria que me contestassem e me esclarecessem...
     Já de início, percebi que era um teatro de vanguarda, pois reservaram um espaço lateral de chão batido como extensão do palco. Aquelas figuras grotescas curvadas cutucando a terra, com suas ferramentas já me revelaram que eram escravos, pela postura da espinha dorsal totalmente dobrada e suada, e pela expressão vazia de seus olhares... Trabalhando, trabalhando, repetindo gestos até a exaustão, sem que ninguém lhes desse importância... Sem nomes, sem definição, apenas escravos destinados ao serviço duro e monótono, sem alegria.
      Depois, alguém que foi totalmente despido de suas vestes é envolto em sedas para ser travestido de Senhor e colocado no trono. Parafernálias estranhas ou máquinas indefinidas, quanto à função ficam à disposição do homem do trono, que supus ser o Rei. E criados mal ajambrados ficam circulando ao redor, fazendo pajelança. Todos curvados e submissos...
O Senhor desaparece. E todos, órfãos de pai e mãe se vêm perdidos sem um guia. Então, chega um estafeta trazendo um par de sapatos, que quer entregar ao Senhor. Na inexistência deste, os criados tentam calçar os sapatos, que devem representar o Poder. Não servem para ninguém... E todos disputam o trono, lutando para permanecer sentado lá. É uma briga de forças opostas, porque todos almejam a mesma coisa. O Poder.
E um cidadão que diz ter vindo salvar a todos da fome, trazendo comida se torna Rei, e logo transforma os criados em cães, ao lhes oferecer um osso. E todos abocanham o osso e cada um vai fazer reverência à Majestade, que os alisa como se estivesse realmente passando a mão num cachorro fiel... Nessa altura, percebe-se um dos criados que se esconde, e procura escapar dessa humilhação... Depois, todos latem e uivam para mostrar fidelidade e submissão ao dono/domador. A dominação foi completada.
Depois é a vez da Rainha poderosa, que consegue manipular a todos quando coloca um rebelde numa cadeira ou guilhotina, e lhe grita ordens que não deixam dúvidas quanto ao seu poder. Tanto é que tem até um sapato como coroa na cabeça. E ela assume posturas delicadas, cantando e mostrando o lado feminino e suave de Mulher, mas não deixa de ser a Mão de Ferro, que manda e desmanda.
Entre um ato e outro, há também uma tentativa de tirar a todos da servidão, com o acendimento de fogos para iluminar a obscuridade de suas vidas sem sentido. A cena dos cegos/ surdos/mudos sendo libertados para a luz é metafórica, e impressiona pelo desenrolar das faixas quilométricas de suas cabeças, que os deixavam como múmias errantes... Fantástica foi essa ideia.
E há a cena das janelas com cabeças vivas guardadas, ou gentes espiando o desenrolar da história. E dois cidadãos presos numa máquina bem elevada, onde se alternam na dança do sobe e desce, mostrando que quem está lá no topo pode cair, e ficar de cabeça para baixo e vice versa, conforme a onda que passa.
Tudo isso foi muito difícil de interpretar porque havia ações demais, havia mil fatos acontecendo simultaneamente no centro do palco e no palco anexo, e tudo guarnecido com cenas de circo, e danças imitando teatro No e Kabuki.
A sonorização deu o tom dramático. Houve momentos tranquilos, e outros retumbantes que assustaram a plateia. A iluminação também deu o tom dramático, com minutos de escuridão total para mostrar fases de nossa História, mergulhada nas sombras do obscurantismo, para o domínio total do homem pelo homem.
O que me impressionou foi a fala final da Rainha dizendo que, a humanidade precisa de um Senhor para ser comandada e que os servos têm que ser conduzidos por alguém... Para aprender  a se comportar e viver em sociedade... Para haver ordem... Mas que o ideal seria não precisar de Reis, Rainhas e Senhores.
Isso tudo até agora foi a narração do que vi.
Passo então à fase de opiniões minhas, só minhas conforme entendi tudo que vi.
O japonês Shuji Terayama (1935/1983) recorreu à obra original de Jonathan Swift para montar essa peça. E no final das contas eles contaram a História da Humanidade, que sempre viveu à sombra de tiranos ou Reis, Imperadores que dominaram desde o princípio dos tempos. Tudo não passa de uma disputa de poder, porque o homem quer sempre estar acima de outros, para dar ordens.
E para conseguir estar no topo faz a vontade do povo, saciando sua fome e atendendo às suas necessidades básicas. Cá entre nós, é a campanha política da modernidade, que tudo promete para conseguir o objetivo da eleição. Lá chegando, esquece o que prometeu e acaba transformando os cidadãos em servos sem vontade e liberdade próprias... Sempre foi assim no mundo inteiro, infelizmente.
E o povo, por preguiça ou comodidade vai se acostumando a viver na escuridão, no limite das fomes e das liberdades... E cada Mandante que é eleito, sabe apenas subjugar o povo, para conseguir  toda pompa e glória que a outros são negadas.
E a maioria dos cidadãos, também por preguiça ou comodidade, prefere viver como múmias enfaixadas com mil metros de bandagem, para não ver, não ouvir e nem falar. E não sentir, que é pior. Porque prefere ser enganado do que partir para a luta, e reivindicar seus direitos. E todos deixam de viver plenamente a própria vida, porque são teleguiados por forças alheias. Se a luz é retirada, vão viver na escuridão total, porque se acostumaram a obedecer. Se a fala é negada, passarão a ser mudos. Se o som incomoda, passarão a agir como surdos, que nada ouvem... E uns e outros que se incomodam são todos guilhotinados...
A diversidade de ações, ocorrendo ao mesmo tempo em vários cantos do palco, não permitiu perceber tudo que se passava. É que na verdade, representava o Mundo, onde mil coisas acontecem ao mesmo tampo: O Rio Doce que virou o Rio de Lama em Minas, os atentados em Paris, o jogo do Brasil com a Argentina, a Guerra contra os Jihadistas, a Greve de nossos Caminhoneiros, os Escândalos do Governo no Mensalão e no Petrolão e no BNDS... É muita sujeira escorrendo e haja olhos para dar conta!
Foi uma peça e tanto o NUHIKUN ou Instruções aos Criados.
Gostaria de ver de novo para conferir minhas conclusões.

Mirandópolis, 14 de novembro de 2015.
kimie oku in





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