terça-feira, 22 de dezembro de 2015

     Não gosto de Natal
    Quando era criança nunca soube o que era Natal. É que meus pais imigrantes do Japão tinham outros costumes, pois seguiam as tradições herdadas de seus antepassados lá nas terras orientais.
     E o que mais contribuiu para não conhecer o Natal era o fato de morarmos em sítios e fazendas isoladas, que eram agrupamentos de japoneses, que conjuntamente cultivavam outros costumes. Além disso, éramos muito pobres e, não tínhamos acesso ao que acontecia na cidade, uma vez que ninguém possuía carros ou caminhões para sair de casa.
     Assim, passei minha infância ignorando totalmente os costumes cristãos, embora tivesse sido batizada aos dez anos de idade na Religião Católica. Somente quando vim morar na cidade para estudar é que tive contato com a Igreja e a Religião. As pregações do Padre Luiz Camargo Crescente e do Padre César Toppino em Lavínia foram abrindo a minha mente para o lado espiritual cristão. E depois participei de alguns grupos religiosos: Filhas de Maria, Grupo de Catequese e Círculo Católico Estrela da Manhã, que agregava jovens nisseis para seguir a Igreja Católica.
Quando se é jovem há sempre um entusiasmo para participar de grupos e eu não fui diferente. Fui muito devota, rezei bastante, participei de procissões, de celebrações de Semana Santa, com fé mais ou menos titubeante. Automática e formalmente.
Ao tornar-me adulta comecei a questionar comigo mesma se todo aquele ritual seria necessário para pregar a palavra de Deus... E comecei a perceber que, nem todos os fiéis que iam às missas infalivelmente, agiam corretamente no dia a dia. E via na vizinhança as beatas tão “santinhas” que criticavam tudo e todos...
E li muitas biografias de santos, que me impressionaram de verdade. Santa Maria Goretti, São Sebastião, São Tomás de Aquino, Santa Terezinha do Menino Jesus, São Francisco de Assis e tantos outros... Que até esqueci. Comecei a comparar a verdade pregada e a verdade que acontecia. E depois em História da Humanidade, li sobre a Inquisição da Igreja na Idade Média, que queimou pessoas vivas inocentes a pretexto de bruxaria... As Guerras Santas... Em nome de Deus mataram tanta gente. Tudo isso me desencantou.
Mais tarde leria e veria filmes terríveis sobre a Ku Klux Klan... E seus adeptos brancos e loiros eram fervorosos seguidores da Religião Cristã, oriundos das terras europeias.
Aos poucos fui me desencantando da Igreja e de seus padres... A pregação boa não era ouvida e poucos cumpriam os ensinamentos do Evangelho. Era tudo apenas fachada para todos posarem de bonzinhos, mas na realidade eram pessoas muito cruéis e cheias de preconceitos burros.
E estudando a História das Civilizações percebi como a humanidade foi terrível com os negros, os aborígenes, os ilhéus, os habitantes de outras latitudes. Sofri na pele a discriminação de colegas na escolinha rural, porque nasci japonesa. Naqueles tempos, há mais de sessenta anos!
Com o passar do tempo ao me socializar, acabei adotando o Natal. Lembro-me que, já adolescente fui ao sítio de meus pais em Tabajara, e meus irmãos estavam trabalhando na roça. E era dia de Natal! E nunca havíamos comemorado essa data. Penalizada de meus familiares, fui ao quintal e peguei um frango e o depenei. Em seguida peguei umas espigas de milho verde. E fiz uma panela grande de frango com milho verde. E foi uma alegria para todos! E foi o meu primeiro Natal. Tão simples, tão rústico mas feliz de ver o sorriso estampado nos semblantes de pessoas queridas... Foi o meu Primeiro Natal! E foi o Melhor de todos que vivi.
De lá pra cá tive Natais e mais Natais. E fui à Missa do Galo, que era celebrada à meia noite mesmo, pelo reverendíssimo Padre Epifânio Ibañez. E tive Ceias, umas boas, outras nem tanto... E adotei o costume de presentear meus filhos...
Hoje, porém, não celebro mais isso. Natal se transformou em Festa Pagã. A humanidade toda usa o Natal como a Noite de comes e bebes, de festas, de presentes, de ceias, de consumismo puro. E eu sei que Natal não é isso. Parece que nesse dia, todos têm a obrigação de ficar felizes, mesmo que não tenham motivos para isso.
Os dingo bells que tocam sem parar, as luzes que piscam sem cessar dão um tom de artificialidade, que nada têm a ver com o Nascimento de Jesus.
Natal para mim é um tempo de reflexão, de renovação para a vida, para firmar novos propósitos para seguir os caminhos traçados. É um tempo de balanço das atividades realizadas durante o ano, de programação de outras em favor dos irmãos, de purificação.
Natal não é o peru, o Chester, a leitoa recheada, o arroz de festa, a champanhe, a cerveja, as castanhas, o Papai Noel.
Natal é tempo de União, de Perdão, de Paz em família. Só isso. Tempo de abraços sinceros e reais.
Acho que não só é para Drummond que um anjo disse: “Vá ser gauche na vida!”
Porque também sou avessa, torta, antiquada e esquisita.
Mas, Feliz Natal para todos! (automaticamente)
     Mirandópolis, dezembro de 2015.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/




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