sábado, 7 de maio de 2016

MAMÃE


      Veio pequenina do Japão.
Tinha apenas três anos de idade, e não se lembrava de sua terra natal, apenas o nome Maebashi, na Província de Gunma.
    Veio com os pais e irmãos, em 1917.
    Como seria o Brasil nessa época?
    Quando meninota, sua mãe faleceu, e ela teve que assumir as tarefas da casa, cozinhando, lavando, cuidando dos irmãos.
     Naqueles tempos, tudo era rústico, bruto mesmo.
   O fogão era à lenha, as panelas ficavam pretas e, não havia palha de aço pra lustrá-las. Frangos e porcos eram criados para o consumo da família. Era um Deus nos acuda correr atrás de frango para matá-lo. Matar porco era dia de festa – todos ficavam animados, porque haveria carne com fartura, além da linguiça cheirosa, que ficava defumando perto do fogão. Verduras e legumes só eram consumidos nas casas, que cultivavam hortas.  Arroz e feijão para o gasto, era semeado e colhido pela família, que mercado nem existia ainda. (dá uma canseira só de imaginar essa situação, né?)
       Mamãe não foi à escola, porque não havia tempo, nem escola por perto. Sua educação ocorreu na prática, na execução das tarefas domésticas do cotidiano. Assim, aprendeu a costurar sozinha; ela colocava a peça de roupa sobre o tecido e cortava seguindo o molde. (quantas vezes, deve ter errado, e estragado o tecido tão custoso para comprar...)
     Sua vida foi dura, áspera, cheia de deveres: cozinhar feijão todos os dias, que panela de pressão não existia, fazer pão uma vez por semana, tirar leite de cabra toda manhã, torrar café, fazer sabão, cuidar da horta, tratar das galinhas e dos porcos. E sobretudo, cuidar da prole – ela teve  uma porção de filhos, que criou nem sei como...
   Sua vida teria sido tão triste e frustrante, se não houvesse despertado o seu lado artístico.
       Um dia, ela descobriu o crochê.
     Crochê é uma renda, feita trançando a linha com uma agulha, que tem um gancho na ponta.
       Naquela época de pobreza extrema, não podia comprar linha para crochetar. Mas, ela usou linha de carretel nº 24, com que costurava a roupa de roça da família. Era a linha mais grossa de que dispunha, mas mesmo assim era muito fina. Com essa linha branca, ela fez quadrados belíssimos, que ela emoldura nas fronhas, com desenhos de flores, borboletas e pássaros.
       O crochê era a fuga, o consolo das horas duras de lida diária no cafezal, na casa e na horta.
    Mais tarde, ela faria outros artesanatos, montando ramalhetes de flores de seda, bordando em ponto cruz e vagonite, tricotando blusas e meias de lã para os filhos, crochetando chinelos e bolsas de fio sintético. E também, faria “ikebana” ou arranjo de flores naturais.
    Um dia, ela começou a freqüentar o MOBRAL ou Movimento Brasileiro de Alfabetização de Adultos, onde aprendeu a ler e escrever para o gasto. Já era sexagenária, mas sempre queria aprender mais e mais.
     Nessa época, ela descobriu a religião Messiânica, a que se dedicou de corpo e alma, ministrando o “Johrei” para as pessoas aflitas e, ou doentes.  O johrei é uma oração feita com a mão estendida sobre a pessoa doente. Mamãe percorreu a pé a cidade toda, para rezar pelos doentes, por mais de trinta anos...
       Mas, o crochê era a sua ocupação predileta. Onde quer que fosse, levava sempre um novelo de linha e uma agulha – ao ver uma bela peça de crochê na casa de parentes, amigos ou mesmo nas salas de espera, ela já tirava uma amostra, para mais tarde fazer igual. E assim, ela fez centenas de trabalhos maravilhosos com a linha Mercer Crochet nº 60 e 80, as mais finas, para as filhas, as noras, sobrinhas, netas e bisnetas.
     Deixou uma herança confeccionada por suas próprias mãos, ponto por ponto, levando horas a fio, tecendo, tecendo. Agora nós, as mulheres da família, conservamos e usamos  essas rendas, com um misto de saudade e reverência, porque é a mais bela herança que nos deixou.   
    Toda mulher tem o seu lado artístico, porque fêmea/ feminina tem a ver com o belo, o delicado, o agradável. Mesmo  em condições adversas, esse lado artístico pode aflorar, nas mais diferentes atividades.
       Há mães que desenham e pintam maravilhosamente.
       Há mães que fazem bolos primorosos.
   Há mães que costuram com arte, produzindo trajes impecáveis.
   Há mães professoras que compreendem e encaminham seus alunos, com perfeição.
       Há mães artistas.
       E há mães artistas nesse mister de mãe.
     A essas mães em particular, dedico essa homenagem, que fiz para mamãe, porque quando se fala em mãe, a gente só é capaz de pensar na própria, né?
    E que tal você também, deixar registrado o pendor artístico de sua mãe, para a história da família?

                   Mirandópolis,  04 de maio de 2010.
                                             kimie oku


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