sábado, 7 de maio de 2016

                           Vida a dois...
      



      Hoje estava distraída na horta irrigando as ramas de maxixe que se esparramam pelo chão, quando desceu um casal de canários da terra.
Um era amarelinho como gema cozida de ovo e o outro marrom. Fiquei observando e percebi que o amarelinho era mais ousado, vinha perto de mim, procurando bichinhos para comer. O marronzinho era mais arisco. Se aproximava mais devagar, mantendo sempre uma distância segura. Acredito que o amarelinho era o macho, que ia sondando o terreno para a sua parceira passar com segurança.
        Sempre os ouvia cantar no pé de poncã, mas devido às ramas e a agilidade deles, nunca consegui fotografá-los... E cantam bonito, o ano todo. E vi filhotes no toco seco de uma cerca, mas quando pensei em clicar esses bichinhos implumes, eles já haviam partido... E sempre os via sair em debandada do ninho, como se me provocassem para não fotografá-los...
Há muitos canários da terra lá no sítio. Mas são ariscos demais. Agora, estão descendo nos canteiros porque a quentura do ar fá-los procurar água para beber e se refrescar... E eu estava sem a câmera! Que pena! Não os cliquei...
Sempre, sempre me encantam pelo colorido de suas penas, pelo tamanho pequenino de suas figuras e mais ainda pelo canto doce e agradável que entoam. O canto deles é livre, solto, sem barreiras, porque assim eles se sentem soltos no vasto campo.
Mas, o estranho de tudo isso é que esse casalzinho de passarinhos me fez pensar em mim e no meu esposo. Eram emblemáticos. Deu-me a impressão que Deus mostrava os dois bichinhos, que representavam a mim e ao meu parceiro... Como os passarinhos, formamos um par e moramos numa mesma casa. Como eles, saímos pelos campos cuidando da horta, das flores, colhendo frutos e trazendo provisões para casa...
Todas as vezes, nós nos ajudamos nos tropeços de cada dia, fazemos curativos quando nos ferimos, consolamos um ao outro quando estamos desolados e proferimos  palavras de ânimo para nos fortalecer... E quando nossas contas não batem, e faltam uns trocados, um cobre a conta do outro, porque somos sócios nessa empreitada da vida... E vamos nos salvando assim, devagar e sempre. Sem cobranças, sem juros, sem rancores, porque a gentileza deve fazer parte de um casal, que partilhou dois terços da vida juntos.
Daí pensei nos casais que se separam...
Quando se juntaram era tudo alegria, amor, carinho e promessas mil. E depois de um tempo de convívio, acabam se separando e cada um toma uma direção, para não se juntarem mais. Tenho na família pessoas queridas nessa situação. E eu fico vendida, porque a pessoa que partiu fez parte de minha vida também, e não dá para jogar fora o afeto que senti um dia. E tenho muitos amigos também nessas condições. Alguns refazem suas vidas com outras pessoas... Mesmo que sejam felizes e se esqueçam do passado, acredito que em algum momento, devem rememorar o tempo que passaram junto do primeiro companheiro, e ter saudades dos bons momentos...
Tudo deve depender de como encarar a vida. Enterrar o passado e viver o presente é a solução. Pois as separações se tornaram corriqueiras, e ninguém mais estranha. Casais que já comemoraram bodas de prata e de ouro de repente, resolvem desfazer o casamento. Tenho muito dó dessas pessoas. Porque, no fim da vida, o que podemos curtir de fato são as lembranças boas da vida vivida. Vendo fotografias e rememorando fatos engraçados, tristes, cômicos e até trágicos. Porque é de tudo isso que se compõe a vida.
Mesmo porque, a vida dura apenas um instante. E tudo passa. E cada um de nós que é uma figura forte, firme e presente, um dia passará e se transformará numa fotografia, que o tempo se encarregará de apagar... E nada restará...
Então, penso nas amigas que perderam seus pares e hoje vivem numa triste solidão... E amigos que, mais que as mulheres viúvas sofrem a perda, e ficam desnorteados diante de cada manhã, que têm que encarar. Parece que os homens ficam sem chão, quando suas parceiras vão embora definitivamente...
Por tudo isso, vendo a tristeza estampada nessas viúvas e nesses viúvos, acredito que o melhor dessa vida é ter paciência um com o outro, e aceitar a companhia com prazer, porque na pior das hipóteses, há sempre alguém com quem dividir as alegrias e as tristezas.
Trocando atenção mutuamente, velando pela saúde e pelo bem estar um do outro, eis o desafio do fim da vida de um casal.
Sei que não é fácil ter paciência todos os dias, com o parceiro ou a parceira que tem mil e um defeitos. Mas a gente tem que ignorar certas atitudes, certas palavras, se fazer de surdo de vez em quando, de desentendido muitas vezes para não entrar em conflitos desnecessários... Mesmo porque, logo a gente esquece esses pequenos incidentes, que na verdade nada significam... Somos todos imperfeitos.
Então, como o casalzinho de canários, procuremos viver em sintonia, sem estragar momentos lindos mesmo que silenciosos, que a vida nos proporciona.
E chegar ao fim da vida, com a certeza de ter feito o melhor pelo companheiro, que não viveu sozinho, esquecido.
E a certeza absoluta de ter feito o melhor por si mesmo.
Porque “tu te tornas eternamente responsável por aquele que cativas” , conforme Saint Exupèry.
Mirandópolis, abril de 2016.
kimie oku in






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