sexta-feira, 22 de setembro de 2017

      Cada idoso é uma ilha!
               
     Nós pensamos que temos um montão de problemas e que a vida é uma terrível e interminável via sacra. E por outro lado, pensamos que ninguém tem mais problemas maiores que nós...
     Na semana que passou constatei que todos, mas todos nós carregamos cruzes pesadas, que às vezes desejamos arriá-las, para não sofrer mais. Mas a cruz é nossa e não pode ser deixada nos caminhos, para não atrapalhar outros... E cada um tem sua cruz e tem que carregá-la até o fim.
     Descobri que, os filhos não querem cuidar de seus genitores doentes porque “têm problemas demais” e “não têm tempo”. Presenciei a contenda de filhos querendo depositar os pais no Asilo... E os pais querendo morrer para não se submeterem a isso... “Pensei em fazer uma besteira”...
     Também soube de filhos homens que passam o encargo de cuidar dos pais para as filhas mulheres... Ignoram totalmente o que as irmãs passam para cuidar de idosos rabugentos e teimosos... E ficam bravos quando as irmãs os convocam nas horas difíceis... Como se eles não tivessem nascido desses velhos genitores.
     Na cultura oriental (japoneses, chineses, coreanos) o filho mais velho é que tem que assumir os pais na alegria e na dor... Cuidar deles até a morte já é tradição e ninguém contesta. Mas, as mudanças da humanidade também interferiram nesse processo. E grande parte de pais estão sendo depositados em asilos, casas de repouso, ou simplesmente ignorados...
     Antigamente, a relação pais e filhos era uma coisa bonita, respeitosa e cheia de cuidados. Hoje nem tanto. Os filhos têm pressa de realizar seus sonhos e nunca dispõem de tempo para os velhos aposentados, que passam meses e até anos esquecidos... Apenas são lembrados quando eles precisam de eventuais ajudas monetárias... Muito triste isso tudo. Os filhos se transformaram em estranhos para os pais.
     Nos meus tempos de professora, havia em livros didáticos textos sobre netos que defendiam os avós, que seriam descartados... O texto de uma coberta, que o neto quer dividir para guardar um pedaço para seu pai, quando chegar a sua hora... O texto da cuia...
     Hoje, há asilos e asilos. E casas de repouso...
     Numa rápida consulta no face, constatei que meus amigos não se incomodariam em ir para o asilo quando estiverem incapacitados... Disseram que os filhos têm que batalhar por suas vidas e não têm tempo para eles.
     Eu honestamente, não me seduz nem um pouco a ideia de terminar meus dias num ambiente estranho, convivendo com tanta gente abandonada... Pessoas com quem não se tem afinidade, que não sabem de seu passado, que nunca participaram de seus momentos felizes ou tristes...
     Atualmente há as casas de repouso, que nada mais são  que asilos disfarçados... Mesmo essas não me seduzem absolutamente.    O problema maior está nas lembranças que a gente perde ao sair de casa, onde viveu a vida toda, os vizinhos, a paisagem, os passantes e até os pardais que visitam o pedaço. Uma marca na porta, um cantinho da sala, a luz que vem da janela, o vento que bate as portas... E momentos vivenciados com pessoas com quem conviveu nesse recanto... Aquele espaço onde a netinha brincava com seus badulaques... O lugar ao sol, onde o cão de guarda tomava sol... Um momento de ternura daquela velha senhora se referindo ao amado esposo, que não quer deixar sozinho no mundo... A escrivaninha onde uma querida irmã se assentou e olhou o velho álbum de família... A cadeira da varanda onde a saudosa mãe fez tantas peças de crochê... A mesa da cozinha onde dividiu tantas refeições com o parceiro. Em dias ótimos e outros nem tanto, mas sempre juntos.
     Mudar de ambiente é anular anos e anos de imagens e lembranças muito caras que ninguém sabe. Que ninguém vivenciou. Lembranças particularíssimos de cada um. E muito caras.
     Então, os mais jovens dirão: “Mas ficam na memória!”
     Realmente ficam na memória dos mais novos, que têm os neurônios bem ativos. Mas, no fim da jornada, a tendência normal é perder aos poucos a memória, que precisa ser reativada com as imagens, a paisagem, as fotografias, as falas, os reencontros com amigos. E a casa é onde estão concentradas as lembranças mais fortes e vívidas de uma existência toda.
     Forçar um idoso a deixar o seu recanto mais precioso é o mesmo que condená-lo à morte. Por isso não entendo e nem aceito a ideia de obrigá-los a morarem num asilo.
     Asilo para mim é lugar para idosos que não têm nenhum familiar, que possa cuidar deles.
     Hoje percebo que há tantos idosos desventurados, vivendo uma vida de desilusão, de desencanto e abandonados à própria sorte.
     São ilhas isoladas. E esquecidas.
     Eu não quero ser uma.

     Mirandópolis, setembro de 2017.
     kimie oku in


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