segunda-feira, 18 de novembro de 2019


                              
                      Akemi



    Há mais de ano que a perdi.
     E nunca consegui escrever sobre ela. Quando tento, algo me trava e paro...
     Minha irmãzinha!
    Foi linda desde criança. Um dia, voltou correndo da Escola Edgar, gritando que um homem queria, a todo custo dar-lhe um doce.  Assustada, correu direto para casa. Foi então que, eu  com apenas dezessete anos descobri os perigos que rondam crianças nas ruas. Ela tinha apenas sete anos... Disse-lhe pra nunca andar sozinha e que devia voltar com as coleguinhas... De alguma forma, fui um pouco sua protetora, meio mãe porque a nossa morava no sítio em Lavínia. E nós em Mirandópolis, para estudar.
Akemi  conseguia conquistar amigos facilmente. Era simples e animada. Foi muito bem na Escola, gostava de estudar, de reunir amigas para fazer as tarefas, de participar dos festejos escolares. Mas desde cedo, queria ganhar o seu  dinheirinho. Foi trabalhar no Bazar dos Murakami, na Livraria do Jota...
Seguindo minhas pegadas, formou-se Professora. E trabalhou comigo um tempo em Amandaba. Depois, Sesi de Valparaíso com a amiga  para sempre Zezé do Almir... Terminou no Sesi de Mirandópolis...
Ela tinha uma força de vontade inabalável. Quando decidia fazer algo que valesse a pena, não descansava enquanto não conseguisse chegar lá. Isso ela herdou de nossa mãe...
Eu me lembro que, um dia em Amandaba resolveu fazer uma Feira de Ciências! A Escola era tão pobre, que achei que não ia virar nada. Tinha só dezoito anos... Era apenas uma Professora substituta dos alunos do quarto ano – dez, doze anos de idade.  E, os meninos de sítio muito empolgados, trouxeram tantas frutas e sementes silvestres e legumes para expor. E do reino animal trouxeram diferentes penas, ninhos e ovos.  De passarinhos, de galinha de Angola, de pata... Ovos verdes, azuis, amarelos... E tinha um ovo branco, pequenininho e molinho. Ela o pegou e perguntou ao garoto: O que é isso? E ele: De calango! Mas como conseguiu? Eu apertei a bichinha e ela botou! Ela morreu? Não! Saiu correndo! 
A Feira foi um sucesso!!!
Era tudo muito divertido! Todo mundo gostava de participar. De corpo e alma! Ir para o Grupo Escolar de Amandaba sempre era uma aventura. Havia tanta molecada, todos muito pobres e arteiros! Mas completamente  inocentes  e felizes.
Quando ela saia de Amandaba ao meio dia, tinha que ir a Valparaíso, onde lecionava no Sesi. Era muito corrido. A  Marechal Rondon era de pista única e eu era bem barbeira. Mas tinha que levá-la, porque não havia ônibus nesse horário. Mesmo que houvesse não daria tempo. Uma hora só para vencer cinquenta quilômetros! (6 km de Amandaba + 9 de via de acesso e mais  38  até Valparaíso).E a Zezé confiava em nós e segurava o relógio do Ponto! Apenas dois, três minutos... Nunca vou esquecer isso! Quantas  e quantas vezes ela fez essa gentileza. Amiga para sempre!  Maria José Ermini Rodrigues.
Akemi amava estar com gente. Com crianças, com professores, com as mães das crianças. Era querida por todos. Conquistava amizades com a sua simplicidade. Quando se casou e foi morar na Chácara dos Ikejiri, seu esposo Michan pediu para parar de trabalhar. Foi um período triste. Ela perdeu todo o entusiasmo e vontade de fazer as coisas... Um dia, fui vê-la, Estava feia, relaxada e triste. Dei-lhe uma grande bronca, disse que era hora de  voltar a trabalhar, que assim do jeito que estava, sua vida ia acabar. Ela chorou, Disse que ia resolver a sua vida. E logo voltou ao trabalho. E nunca mais parou.
E enfrentou todos os desafios, com três crianças nascendo uma perto de outra, e vindo para a cidade dar aulas no Sesi local, onde conquistou a admiração de seus superiores que a nomearam Coordenadora e depois Diretora da Escola. No Sesi, junto com o inesquecível e saudoso Professor Rizzo  promoveu festas e campanhas, para arrecadação de recursos, Desfiles de moda pra ninguém botar defeito. Foi um tempo de muito trabalho, de muita campanha, de muita caminhada de porta em porta, porque a escola ia ser extinta. Fechar? Jamais! Com um grupo de Professores, ela liderou um movimento para manter a Escola, que oferecia um ensino de boa qualidade. Apesar das ordens superiores de ir fechando as séries iniciais, elas conseguiram segurar a Escola por mais um ano, por mais outro ano... Não foi fácil.  A Prefeitura cortou os subsídios prometidos e ignorou a situação dos alunos e familiares... Ela ficou falando sozinha... Os políticos da cidade nem se preocuparam...
Mas a Akemi não se deu por vencida. Arregaçou as mangas e partiu para a luta! Pediu audiências aos manda chuvas do Sesi, aos políticos, ao Skaf fundador do Serviço Social da Indústria e Presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, na época. Foi ao Superintendente do Sesi, indo  inúmeras vezes a São Paulo, por conta e risco próprios e conseguiu a autorização para não fechar a Escola. Tanto insistiu que conseguiu a manutenção da Escola! E não só isso! Conseguiu a construção de um prédio ultra moderno para a Escola, que até então funcionava em velhos prédios da Prefeitura, sem conforto nenhum. E nessa época, ela batalhou sozinha porque seu esposo o Michan que fora Prefeito da cidade já havia falecido...  Os três filhos estudando, os mais velhos cursando Universidades... Justiça seja feita, os familiares lhe deram a maior força, especialmente os cunhados da família Ikejiri. Ela por sua vez, não saiu da Chácara, cuidando dos sogros já idosos que a amaram muito, como a uma filha.
Politicamente, Akemi foi Vereadora duas vezes, a última interrompida quando ficou doente. Foi a Presidente da Promoção Social, quando o esposo foi Prefeito, e sua passagem foi marcada pela atenção aos mais carentes, aos mais desafortunados.
Ela trabalhava muito, suas refeições eram sempre apressadas de pé, porque não tinha tempo. A batian sua sogra vivia brigando por causa disso, lhe dizendo: Ao menos na hora de comer, você precisa sentar! Volta e meia ligava para mim: Oi, Kimie! Tem comida aí? E vinha comer aqui, porque não havia tempo para ir até a chácara...
Ela participou da negociação do terreno da nova Escola e viu as paredes serem levantadas.
Mas, de repente, ela ficou doente.
Por longos cinco anos, esteve acamada e internada em Hospitais de São Paulo. E sempre pedia para voltar para casa. Por certo queria ver a nova Escola.  Ela esteve de volta duas vezes, mas suas condições não lhe permitiram realizar esse sonho.
Veio a falecer em 2018. Sua via sacra foi longa, mas rodeada de carinho dos familiares, especialmente dos filhos, noras, sogros, cunhados e irmãos... Só veio a conviver com um dos seis netos. E ainda temos que agradecer a Deus, porque ela não teve dores... Eu me lembro que o amigo Gabriel Carbello veio até em casa só para perguntar se ela tinha dores. Quando lhe disse que não, ficou aliviado e disse: “Agradeça a Deus, porque é muito duro ver um familiar gemendo de dor, e não poder fazer nada”. Ele havia perdido um irmão nessas tristes condições...
São tantas lembranças tocantes e dolorosas...
Amigos e ex alunos e seus familiares que tanto oraram para que se recuperasse. Mas o destino já estava selado.
Nunca mais voltaria. Não conheceria a Escola de seus sonhos... Não participaria de sua inauguração. Uma Escola que não tem igual na cidade. Onde os alunos têm atendimento diversificado, com tempo integral de estudos e refeições orientadas por Nutricionistas... Eu pessoalmente gostaria que ela tivesse atuado lá, mesmo que fosse por um breve período. Seria a coroação de seus mais caros desejos.
Mas, Deus não quis. E ela partiu...
Uma lembrança porém me consola todas as vezes que penso nela. Numa das vezes que doente, retornou à sua casa, conversamos muito e cantamos as cantigas de infância, que nos fez voltar no tempo... “Atirei um pau no gato to to... Terezinha de Jesus...O cravo brigou com a rosa... Meu limão, meu limoeiro... Se esta rua fosse minha...”  E terminamos essa confabulação íntima rezando o Pai Nosso e a Ave  Maria... Foi a nossa despedida.
Hoje penso que seu tempo era limitado, por isso fazia tudo na correria, sem pensar em si, em sua saúde, em seu bem estar. Mas cumpriu direitinho sua missão. Por isso me orgulho por ter tido essa irmãzinha valente e decidida.
Akemi, um dia cantaremos de novo.
E assim, hoje estou me curando do trauma de sua partida.       Obrigada, irmã querida.



Mirandópolis, novembro de 2019.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/

       

2 comentários:

  1. Oi,Kimie.
    Que bom que você demorou para escrever sobre a caçulinha da família Osaki, vez que saiu uma crônica regada de amor , muito amor.
    Passou um filme na minha cabeça, pois sempre acompanhei a carreira/vida dos meus amigos, nem que fosse através de terceiros.
    Sua irmã e o Michan, apesar de não nos relacionarmos com aquela intimidade, os tenho no meu coração.
    Beijão.

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    1. Obrigada, Ulisses. Ela foi especial e com o Michan descobriu seu lado político de lutar pela comunidade. Ela é uma Osaki que nos enche de orgulho.

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