Prazo de validade
Ultimamente, tenho sentido que os anos estão
pesando no corpo. Não aguento carregar pesos, mesmo comprinhas à toa, que
muitas lojas fazem a gentileza de entregar em casa. E se fosse só isso, tudo
bem. Mas, a coordenação motora não está boa e derrubo coisas facilmente, corto
os dedos, tropeço facilmente...
Há um tempinho que
estou me observando. E notei que trombo com portas, paredes e pessoas
facilmente... Tropico também no próprio chão liso da casa... Será Alzheimer? Será
Parkinson? Será demência? Dona Kimie, a coisa vai mal.
Não consigo caminhar
em linha retinha nas ruas, ando como bêbada... E as pernas logo ficam cansadas,
mesmo com calçados bem confortáveis... E manter o corpo ereto é difícil, ele
vai tombando pra frente, mesmo com o firme propósito de andar elegantemente.
Mas cuido do corpo,
faço alongamento todos os dias, caminho todas as noites, físio duas vezes por
semana... Assim mesmo, lutando todos os dias, o físico da gente tem prazo de
validade, e nada vai impedir de chegar ao fim.
Entretanto, ainda
faço bordados, crochê, costuro à mão, escrevo, toco piano. Então a coordenação motora
fina está indo muito bem, obrigada. Então, por quê as pernas perderam a agilidade? Por quê os braços não
sustentam pesos e não têm a flexibilidade antiga?
Sete décadas bem
vividas não são pouca coisa, ainda mais me aproximando das oito. Já carreguei
muito peso, já corri, já pulei, já andei quilômetros, já trabalhei
aceleradamente... Hoje já não faço mais.
Felizmente, ainda
consigo preparar as refeições, manter limpa a casa, lavar roupas, fazer
compras, dirigir carro. Mas, tudo em câmara lenta, porque me canso à toa e se
me apressar corto os dedos, derrubo os copos, quebro pratos, derramo água... E
procuro ruas de menor tráfego para evitar colisões, e jamais tento estacionar
em espaços limitados, porque sou barbeira de fato. Minha visão periférica...
Mesmo assim, consigo
cuidar de mim mesma sem a ajuda de outrem, e procuro sempre caprichar na
higiene, pois gente velha já não é bonita por natureza. E suja não dá para
encarar, né?
E eu percebo que os
idosos da Ciranda sempre capricham no visual quando há encontros. Cuidam dos
cabelos, vestem roupas mais alegres e usam calçados bem confortáveis. Nesse
aspecto, a Ciranda provoca um ânimo, porque ninguém quer comparecer mal
ajambrado e sujo. Todos, todos vão cheirosos, com um sorrisão estampado e
vontade de abraçar todo mundo. Até os homens sempre capricham no visual. Isso é
bem animador.
Fico encantada de
constatar que tem gente beirando os noventa anos que canta, que ri, que dança e
não tem preguiça para fazer um pão caseiro como a dona Fermina, para o nosso
lanche. Como a dona Rosinha que encara qualquer saída de casa, porque não gosta
de ficar sozinha... Com mais de noventa aninhos... Como o Zeferino que mesmo
com noventa e uns anos toca violão para animar os cirandeiros... Eu fico
cansada só de vê-los atuando.
Estou velha de fato.
Taí, a triste conclusão sobre mim mesma.
Nada impede a ação
do tempo, os estragos dos anos...
Aceitar o inexorável
é muito difícil!
Fazer o quê?
Mirandópolis,
novembro de 2019.
kimie oku in
ahmed, traduza por favor.
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