sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

 

Oshougatsu (memórias)

(Esta crônica foi escrita em 2012 e atualizada hoje)                                          

      Todo início de ano é a mesma coisa. Reunião de família, comida, muita comida, um converseiro só e bastante esperança. Esperança de, superar no novo ano, tudo que ficou sem resolver. É assim com todo mundo.

Sempre que amanhecia o primeiro dia do ano, crianças “pediam” boas festas de ano novo, para receber guloseimas. Esse costume já passou. Hoje não apareceu nenhuma criança batendo palmas e gritando “boas festas de ano novo!”

Será que desanimaram ou não precisam pedir mais?

Tempos de Covid 19, o vírus mortal...

Como fui criada no sistema japonês, nunca saí por aí, fazendo isso. Fui criança nos anos do pós-guerra, de 1945 a 1950. E a lembrança que tenho desse tempo é que, o oshougatsu ou dia de ano novo, era comemorado pelos imigrantes do Japão, de forma totalmente diferente. Perto de Tabajara, Lavínia.

      Morávamos numa comunidade de japoneses e tudo era feito em conjunto. E na época, ainda predominava o culto aos Imperadores do Japão, culto fortalecido com a tristeza da derrota na guerra. Os japoneses aqui residentes, reverenciavam os monarcas japoneses, como se fossem deuses. E tentaram passar esse sentimento para nós, crianças.

Logo de manhãzinha, quando clareava o dia, todos os chefes de família, e seus filhos homens vestiam-se de ternos, e se reuniam num barracão, ou tulha de algum vizinho. Ali, diante das fotografias dos Imperadores Hiroito e Nagako (ainda reinando na época), e da bandeira vermelha e branca, realizava-se uma cerimônia solene de súditos jurando fidelidade ao Japão. Naquela época, todos os imigrantes achavam que, estavam só de passagem no Brasil. A pátria sem dúvida nenhuma, era o Japão. O Brasil era apenas uma terra emprestada, temporariamente.

Se não me falha a memória, a cerimônia constava de discursos, enaltecendo as figuras dos Imperadores, e relembrando sempre a pátria distante. Era um ritual rápido, com a entoação do Hino Nacional do Japão: “Kimiga yoowa/ Chiyo  ni/   Yachiyoni/  Sazare/   Ishino /  Iwao to narite/ Kokeno/  Mussu made....” traduzindo:  “Que o reinado dos Imperadores dure até que, os rochedos se transformem em seixos, cobertos de musgos” (eternamente)

      É claro que nós crianças, também entoávamos o hino, sem saber o significado, e depois quando se davam os vivas, ficávamos contentes, porque a comemoração chegava ao fim. Os vivas eram: “Banzai, Tenno Reika !”... “Banzai, Kogo Reika!” ... “Banzai, Nippon!” ”Banzai, Oriente Shokuminchi” ou, Viva o Imperador, Viva a Imperatriz, Viva o Japão, Viva a Colônia Oriente!

Depois desses vivas repetidos várias vezes, alguém começava a distribuir os manjus, os motis e balas. Era o melhor momento da reunião para nós crianças. Os adultos homens sentavam-se em volta de uma mesa, repleta de coisas gostosas, e saboreavam a culinária japonesa. Depois, iam de casa em casa, cumprimentar as famílias e desejar um bom ano para todos os vizinhos.

Lembro ainda que, entre os pratos enfileirados, contendo sushis, nishimê, ozooni e pedaços de toofu servidos com shoyu, havia também leitoas assadas inteiras, assim como frangos dourados, crocantes... Nesse dia, todos se alimentavam bem, pois se dizia que quem passasse fome nesse dia, passaria necessidade o ano inteiro. Tudo era motivo para se encher a barriga. Hoje, relembrando aquele tempo que passou, vejo que nada restou desses costumes tão inocentes dos japoneses. Cultuar uma pátria distante... Cultuar Imperadores que nunca ninguém conhecera ... Manter costumes de outro mundo... Não há sentido nisso. Por isso, tudo se perdeu ao longo dos tempos...

E acabamos adotando os costumes da Terra. E foi bom, porque não há sentido em consumir comida com temperos de uma região gelada, já que lutamos todos os dias, para sobreviver ao calor tórrido dos trópicos. E não há sentido em cultuar governantes de outros países, se é aqui que sofremos, se é aqui que a inflação não perdoa, se é aqui que pelejamos todos os dias.  E não há sentido fingir que, o Brasil é terra emprestada, uma vez que os nossos pais estão enterrados neste solo, para sempre. E nossos filhos e netos são totalmente brasileiros, assim como nós.

     Sei que muitos desses costumes vão prevalecer, pois origem é origem. E comer um sashimi de vez em quando é muito revigorante. E falar em japonês não faz mal a ninguém, porque cultura é cultura.

      Mas tudo isso já virou moda abrasileirada.

E é por isso que gosto de, lançar de vez em quando, umas palavras japonesas como esse “oshougatsu”. Porque, há palavras que têm um significado especial para nós, descendentes de japoneses.

Palavras como "Shinnem akemashite omedetou gozaimasu", ou Feliz Ano Novo!

      E Arigatô!

 

Mirandópolis, 1º de janeiro de 2021.

     kimie oku in

 http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/)

 

 

 

 

      Post Scriptum:

      Esta crônica foi escrita em 1º de janeiro de 2012.

      Mirandópolis, 1º de janeiro de 2018.

            

 

 

      

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