Miyamoto Musashi
Musashi é conhecido como o famoso samurai que
derrotou Sasaki Kojiro. Mas a sua história é surpreendente. Tem muito que
analisar no caráter desse esgrimista.
No
Sengoku Jidai (Era de Guerras internas do Japão de 1467 a 1615) ser samurai era
a meta de todos os homens. O país não estava organizado, e os cidadãos
guerreavam uns contra outros disputando os territórios. Não havia Lei e nem
governo para estabelecer a ordem. Por cento e cinquenta anos, os japoneses
pelejaram em guerras com seus vizinhos, seus irmãos, seus pais, e outros
parentes para aumentar suas propriedades. Quem era fraco perdia tudo e se
tornava um vassalo do que vinha usurpar suas terras. Isso ocorria também na
Europa. Época do Feudalismo, onde os poderosos Suseranos é que mandavam. Cada
Feudo tinha um Castelo fortificado por um exército de guerreiros, que partiam
diariamente para tomar terras alheias. No Japão, os guerreiros eram os samurais
ou espadachins, pois portavam longas espadas de aço tão afiadas que, bastava um
lance para decepar a cabeça de um inimigo. E como decepavam!
Nesse
cenário, há mais de 500 anos um jovem chamado Bennosuke voltava de uma pescaria
com outros amigos, e se deparou com um cartaz que lhe chamou atenção. Bennosuke
parou e leu. Os companheiros não sabiam ler e queriam saber do que se tratava.
Um espadachim chamado Arima Kihei dizendo-se muito bom na esgrima, procurava
adversários para medir forças... E o jovem resolveu enfrentá-lo. Os
companheiros tentaram demovê-lo de tal confronto. Mas, ele assinou a tabuleta
aceitando o desafio. Era uma temeridade! Um menino de apenas treze anos contra
um adulto!
Bennosuke
perdera a mãe ao nascer e fora criado pela madrasta, que se casara novamente,
quando o pai do menino falecera. Preocupada com o futuro do garoto, ela o
confiou aos cuidados de um parente, o Monge Takuan para educá-lo
convenientemente. O garoto morava num Monastério. E lá enquanto rezava os
Sutras, aprendeu a ler e a escrever. Quando o Monge soube do combate ficou
muito bravo. Foi ao local da contenda para pedir desculpas ao desafiante, e
dizer que fora um grande engano.
Bennosuke, porém pulou na arena e com uma vara disse que aceitava o
combate. O desafiante Arima achou graça. E disse: Venha moleque, que lhe darei
uma lição! E partiu pro ataque com a espada na mão. Mas antes que ele pudesse descê-la,
Bennosuke torceu-lhe a mão. E a espada caiu, assim como o portador dela. O
garoto tinha uma força descomunal! O homem tentou levantar-se do chão, mas recebeu
vários golpes de vara do garoto. E ali mesmo acabou morrendo... Esse foi o
primeiro combate de Bennosuke, que tinha apenas treze anos de idade. E ali
nascia a lenda de Musashi.
Esse
destemido jovem nasceu em 1584 na Aldeia de Miyamoto, em Mimasaka, Okayama ken,
Japão. Até hoje é considerado o símbolo do Bushidô, ou exemplo máximo de
samurai. Mais conhecido como Miyamoto Musashi, quando nasceu recebeu o nome de
Shinmen Takezô, depois Miyamoto Bennosuke e Niten Doraku (seu nome budista).
Adulto, se nomeou Miyamoto Musashi, como é mundialmente conhecido.
O
avô de Musashi fora um respeitável esgrimista, que recebera de seu amo o
sobrenome Shinmen, honra a poucos concedida na época. Esse avô preparou seu
filho para seguir a linhagem de samurai. Esse filho era o pai de Bennosuke,
Shinmen Munisai, que fora considerado o Primeiro Espadachim do
Japão. Esse título lhe fora concedido pelo Xogum Ashikaga Yoshiaki... Com esse
título, passou a ministrar aulas de esgrima aos jovens da comunidade, e levava
uma vida bem tranquila. Mas... Um dia recebeu de seu amo Shinmen Igano Kami a
ordem de executar um jovem... Esse jovem era forte, saudável e corretíssimo, a
ponto de discordar de algumas ordens de Igano, que se irritou e decidiu executá-lo...
Munisai
ficou bastante incomodado porque o jovem era um aluno seu, e nada havia de censurável a
ponto de merecer ser morto. Mas, ordens são ordens (os Suseranos tinham poder
de vida e morte sobre seus vassalos) e mesmo a contragosto, Munisai cumpriu a
tarefa. Atendeu ao amo, mas acabou com a sua paz. A comunidade inteira passou a
temer esse homem, que executara um jovem tão inocente. Os alunos de esgrima foram
se afastando e, Munisai não teve alternativa senão ir embora...
O
mesmo mal estar também cercou Bennosuke depois que matou Arima Kihei. Até os
companheiros de infância se escondiam dele. Medo... Então, Bennosuke fugiu da aldeia
em busca de seu destino. Quando saiu, mudou o nome para Musashi.
Bem
nessa época, o poderoso Xogum Hideyoshi acabara de falecer e o Japão estava em
vias de entrar em convulsão. Tokugawa Ieyasu tomara as rédeas do Governo, mas
os oponentes estavam se organizando para disputar o poder. Dentre eles, o mais
ferrenho era Ishida Mitsunari, que fora extremamente devotado ao falecido Xogun
Toyotomi Hideyoshi.
Musashi
ao ouvir as notícias, foi se estabelecer no campo, para fortalecer a sua arte de esgrima. Previu
que tempos duros viriam. E nada melhor que estar preparado para uma guerra. No
campo vivia como um bicho, se escondendo em cavernas, se alimentando de bichos
que caçava e tomando banho em rios. Era um verdadeiro animal selvagem. Mas
praticava todos os dias para aperfeiçoar-se na esgrima. Numa das escapadas para
a cidade descobriu que, um esgrimista estava procurando alguém para medir
forças. E ele estava querendo conferir sua habilidade no manejo da espada.
Procurou o desafiante Akiyama que o olhou com desprezo porque Musashi estava imundo,
como se nunca houvesse tomado banho... Mas o jovem foi firme no propósito e a
contenda foi firmada. E esta durou alguns segundos. Quando Akiyama avançou com
a espada, Musashi saltou para o alto e desceu uma vara sobre a cabeça do
oponente. Akiyama caiu no chão com a cabeça rachada...
A
força de Musashi era assustadora.
E
assim, perambulando pelas montanhas e florestas, acabou indo para Osaka, onde o
antigo amo Shinmen Igano Kami tinha uma mansão. Foi aceito como um criado, e
tinha a tarefa de ensinar esgrima aos demais vassalos. Esses vassalos faziam
pouco dele. Mas, ele se vingava dando duros golpes de vara nos treinos...
Muitas vezes, ferindo-os...
Enquanto
isso, Mitsunari procurava parceiros para derrubar Ieyasu. Este ignorou o
herdeiro/criança de Hideyoshi e passou a controlar o país. Dentre suas sábias
decisões, acabou com a guerra inútil na Coréia e na China, repatriando os
soldados que estavam lá para realizar a megalomania de Hideyoshi de dominar o
mundo. E Mitsunari movia céus e terras procurando parceiros para tirar Ieyasu
da jogada...
Musashi
era vassalo de Shinmen Igano Kami, que por sua vez fora devotado ao Hideyoshi.
E Musashi se viu de repente convocado para a guerra entre Ieyasu e Mitsunari,
sem mesmo ter uma opinião formada sobre a situação.
E
de repente estava combatendo na Guerra de Sekigahara, a maior e mais famosa
batalha que aconteceu no Japão. Exército do Sul de Mitsunari contra o Exército
do Leste de Ieyasu. Quase vinte mil homens combatendo corpo a corpo às margens
do Rio Nagara... Mitsunari tinha certeza da vitória.
O
combate durou apenas cinco horas e foi decidido com a traição de Kobayakawa.
Kobayakawa era um forte General de Mitsunari, que de repente se juntou às
forças de Ieyase, arrastando importantes comandantes, que também se juntaram ao
Exército do Leste. Vitória de Ieyasu. Um mês depois, Mitsunari foi pego e
degolado...
E
assim começou a Era Tokugawa, ou Edo Jidai.
Terminada
a guerra, Musashi voltou para a sua aldeia. E o Monge Takuan preocupado com a
selvageria do jovem, tomou o encargo de educá-lo. Percebeu que era um moço
indisciplinado, descontrolado quando estava com raiva. E o amarrava numa árvore
até que se acalmasse. Temia que saísse por aí a cometer atrocidades com a sua força imbatível. E por
quatro a cinco anos, o encerrou na Torre do Castelo de Hakurojo, onde lhe ministrou
uma educação zen budista. Fê-lo ler antigos textos chineses, que poliram seu
caráter. Aos poucos, o jovem que era um
verdadeiro selvagem foi absorvendo a filosofia zen budista e, se transformou
num refinado jovem de pouca fala, mas de profunda reflexão. Observava, estudava
e aplicava a filosofia antes de tomar uma decisão. Takuan lhe ensinou que não
havia mérito nenhum em ser espadachim apenas para decepar cabeças. Musashi era
um homem forte, todo musculoso e tinha aproximadamente um metro e oitenta de
altura, mas se submetia ao Monge, porque o respeitava como Mestre e seu benfeitor.
Quando
tinha 21 anos, completada essa educação, saiu pelo mundo em busca de seu
destino. Passando por Kiyoto, no afã de se tornar famoso, resolveu desafiar o líder
da Academia de Esgrima Yoshioka.
A
Academia Yoshioka era a Escola mais famosa da época. Agregava cerca de mil
discípulos praticando a arte da espada. A Academia tivera a incumbência de
treinar os familiares e servidores do antigo Xogun Ashikaga, o homem que fora o
mais poderoso do Japão.
O
pai de Musashi, Shinmen Munisai duelara com os Yoshioka e ganhara duas vezes. E
Musashi queria a todo custo elevar seu nome mostrando do que era capaz.
Inicialmente, a Escola nem considerou a proposta. Mas no desafio, Musashi declarou que se não o enfrentassem tornaria
público a todos que a Academia havia recuado. Sem alternativa, o líder Seijiro aceitou. Seijiro Yoshioka que era o orgulho da
Escola teve seu braço esmagado por um golpe de Musashi, tornando-se inútil como
espadachim... Foi um grande choque para a Escola. Todos os alunos começaram a
procurar Musashi para matá-lo, e lavar a honra da Escola. Mas em vão. Então Senshichiro,
irmão de Seijiro resolveu pedir uma revanche. Infelizmente, foi derrotado
também, morrendo no combate... Então, diante da desgraça que atingiu a
Academia, os alunos armaram uma emboscada para Musashi. Desafiaram-no para
combater o último da família Yoshioka, um garoto de apenas nove anos de idade,
que fora nomeado Comandante Geral da Academia. Era uma armadilha! Musashi, porém
desconfiou dessa contenda e chegou antes ao local combinado, e ficou no escuro
da madrugada observando o que estavam tramando contra ele.
O duelo seria num campo aberto, perto de um
Templo, junto de um pinheiro. Como Musashi tinha o costume de atrazar-se, o
grupo Yoshioka estava se organizando para atacá-lo no momento em que
aparecesse. Havia aproximadamente uns cem espadachins se dividindo em grupos
para cercar o local. Formaram um círculo e ficaram aguardando, todos olhando
para fora. No centro colocaram o menino junto com o Instrutor. Mas, Musashi se
antecipara e estava dentro do círculo, perto do garoto. Quando o Instrutor se
afastou um pouco, Musashi atacou e degolou a inocente criança. Ato contínuo, saltou
para fora do círculo e fugiu com dezenas de perseguidores arremessando flechas
sobre ele. Uma lança cortou parte de suas vestes, mas saiu ileso, sem um
ferimento. Foi o fim da Academia Yoshioka. Esse duelo tornaria Musashi famoso
entre os samurais. Tinha apenas 21 anos de idade. Mas, estava sempre preocupado,
porque os seguidores de Yoshioka não dariam folga. Escondia-se nas matas para
despistar os perseguidores. E um dia, resolveu partir para Nara.
Em
Nara havia a Academia Houzouin, onde se ensinava o uso de lanças em combates.
Musashi queria aprender a usá-las.
Houzouin
era um anexo do famoso Koufuku, templo da
família Fujiwara, construído em 710. Sua função era administrar o
Templo, os Soldados/Monges e as capelas que compunham o conjunto. Tinha a proteção
do Xogun Ieyasu.
Chegando
lá, Musashi solicitou um duelo com o Orientador da Escola. Mas, o senhor In Ei
já tinha mais de oitenta anos e não combatia mais. Porém, ao saber que Musashi
vencera os Yoshioka de Kiyoto designou Ouzouin para duelar. Ouzouin era
considerado o Número Um do Japão no manejo de lanças. Aceito o desafio, Musashi
pensou, pensou em como vencer alguém com uma lança longa contra a sua pequena
espada. E chegou á conclusão que se mantivesse pequena distância, a arma do
adversário não poderia atingi-lo. Assim fez, aproximando-se, aproximando-se do
oponente e ganhou o duelo e a admiração de todos. E foi convidado a ficar uns
meses ali, para aprender e ensinar essas artes marciais.
Um
dia, resolveu partir para Edo, atual Tóquio. Era a capital do Japão, e queria
conhecer como andavam as artes marciais por lá. Ao se despedir do Houzouin,
recebeu uma bolsa recheada de moedas de prata.
No
caminho, ao hospedar–se num lugarejo, descobriu que alguém estivera lá passando
por ele, usando seu nome e dizendo bravatas sobre ter vencido os Yoshioka e os
Houzouin. Ao indagar do hospedeiro, o que deveria fazer para provar que era o
verdadeiro Musashi, soube que deveria duelar com um tal de Shishido, que era
imbatível na arte de atacar com uma foice presa numa corrente. Tinha que provar
que era o legítimo e aceitou o desafio. Quando se defrontou com ele, percebeu
que era uma figura assustadora, portando uma corrente longa presa a uma foice
de ferro na ponta, que ele lançava para todos os lados, sem chances de defesa
do adversário. Mas, Musashi era inteligente e foi se desviando daquela perigosa
arma, usando a espada longa e a curta, técnica que aprendera com Ouzouin. E num
lance inteligente, ficou diante do bambuzal que os cercava. Quando Shishido
lançou a foice, Musashi se desviou e a foice se enroscou no bambu e o homem
ficou desarmado. Com a espada longa, Musashi acabou com a vida do homem.
Quando
Musashi chegou em Edo, o Xogun Ieyasu havia se abdicado do Xogunato para o seu
filho Hidetada. A intenção era dar continuidade à própria família no Xogunato.
Entretanto, Hideyori filho de Hideyoshi que teria uns dezesseis anos,
reivindicava o Xogunato. E havia muitos Suseranos apoiando, para derrubar
Ieyasu. E Musashi pensou que logo haveria uma guerra de verdade. Queria
combater para ser um General... Enquanto a guerra não vinha foi conhecer Yagiyu
Munenori, criador do Estilo da Espada Oculta. Esse Mestre ensinou a Musashi que
a espada não é apenas arma e força. Que é necessário usá-la com a serenidade de
uma brisa de primavera, para então sentir a iluminação espiritual. Musashi pediu
uma demonstração de suas habilidades num duelo. Mas, ele não acedeu ao pedido
devido à idade. E lhe enviou uma flor cujo galho decepado mostrou para Musashi
que um corte transversal daqueles o teria matado de fato.
Musashi
apesar da brutalidade de degolar oponentes, era assim introspectivo e muito
observador. E perspicaz nas conclusões. Esse caráter refinado fora adquirido
com a educação firme, ministrada pelo Monge Takuan. Se este não houvesse
interferido em sua vida, Musashi não teria passado de um bárbaro selvagem, sem
nenhum futuro.
Com
a chegada da Era Edo, as guerras foram acabando, pois o país vivia um tempo de
paz e prosperidade. E os samurais
ficaram desempregados. Uma parte se transformara em bandoleiros assaltando aqui
e ali, outros viraram assassinos de aluguel e a maioria se transformou em Ronin,
ou samurai sem patrão em busca de trabalho. Musashi também ficara sem ocupação.
Para sobreviver dava aulas de esgrima, fazia esculturas de madeira e praticava
pintura e caligrafia japonesa em papeis de arroz. Deixou várias telas pintadas
a carvão e esculturas em madeira que são verdadeiras obras de arte.
E
durante sua vida se deparou com muitos esgrimistas querendo derrotá-lo. Sua
biografia conta com sessenta combates que teria vencido, mas o que o deixou
famoso de fato foi o confronto com Sasaki Kojiro.
Sasaki
Kojiro era o melhor espadachim da época, e fora nomeado Comandante de Armas do
Feudo da família Hosokawa, ao Norte de Kiyushu. Sua técnica era usar uma espada
longa, que assustava os adversários. Era capaz de cortar uma andorinha em pleno
voo. Isso despertou o interesse de Musashi, que o desafiou para medir forças e
provar quem era melhor. Aceito o duelo, Musashi se retirou para um lugar ermo a
fim de concentrar-se. Enquanto pensava numa estratégia para vencer o oponente,
achou um velho remo quebrado. Remo para mover canoas. Como ele gostava de esculpir,
viu que o remo era de madeira boa e resistente e teve uma ideia. Faria uma
espada com ela! Ele sempre enfrentava os oponentes com espadas de madeira.
Passou as horas seguintes trabalhando no remo para transformá-la numa arma. Fez
uma espada de madeira de mais de um metro de comprimento, para enfrentar a
espada longa de aço de Kojiro que media noventa e quatro centímetros.
Era
o dia 13 de abril de 1612, Ilha de Funajima. O palco era a praia dessa
minúscula Ilha, no Estreito entre Honshu e Kiyushu. Depois desse duelo, ficou
conhecida como Ganryujima.
Sasaki
todo paramentado com roupas espalhafatosas o esperava impaciente, porque
Musashi se atrasara de propósito por duas longas horas, só para irritá-lo.
Musashi dizia que quem luta zangado já está meio derrotado. Os Juízes também
impacientes o esperavam, junto com uma pequena plateia.
Musashi
chegou numa canoa e só portava aquela espada de madeira. Trajava uma roupa
preta e velha. Amarrara as mangas largas e as bordas da calça para não
atrapalharem nos movimentos. Na cabeça, uma faixa de pano para segurar os
cabelos revoltos. Quando o viu, Kojiro correu ao seu encontro gritando por
causa da demora. Tomado de raiva puxou a longa espada de aço e jogou a bainha
na areia. A bainha lhe atrapalharia na luta. Aí, Musashi disse: “Você acaba de
perder a contenda. Quem joga a bainha fora, não embainhará a espada de novo!”
E
Musashi como planejara, correu sobre a areia molhada e firme, enquanto Kojiro
se afundava na areia seca... E Musashi se colocou de costas para o mar e para o
sol, que cegava o adversário... Este nem percebeu que caíra numa armadilha. Kojiro
levantou a longa espada ofuscante, e deu um rasante que apenas cortou a faixa
que segurava os cabelos de Musashi. Como este conhecia a técnica rasante do
“voo da andorinha”, Musashi saltou bem alto para escapar desse ataque, e desceu
com força a espada/remo de madeira, que atingiu e quebrou duas costelas de
Kojiro.
Kojiro
caiu morto.
Os
Juizes ficaram perplexos!
Musashi
num ato de misericórdia fechou os olhos do morto, e lhe pediu perdão. Fez uma
reverência aos assistentes e foi embora na canoa. Os discípulos de Kojiro
queriam persegui-lo para vingar sua morte, mas foram impedidos pelos Juizes,
que reconheceram a vitória de Musashi numa luta limpa e honesta.
A
técnica do “voo da andorinha” que Kojiro usava foi minuciosamente estudada por
Musashi observando as andorinhas numa cachoeira, onde costumava tomar banho. Tudo
fora meticulosamente estudado para evitar lances mortais. Foi assim que o
venceu. E Musashi se dirigiu para a capital, para não se confrontar com os
espadachins de Kojiro, sedentos de vingança.. E
mesmo satisfeito por tê-lo vencido, começou a questionar as próprias ações,
porque volta e meia vinha à sua mente a expressão:
“Espada
não é só arma e força. É preciso usá-la com o coração puro como a brisa da
primavera. Só assim é possível atingir a espiritualidade”
Essas
palavras ditas pelo Mestre Yagyu Munenori iriam transformá-lo completamente.
Pelos registros, parece que deixou de matar os parceiros de duelos. Procurava
preservar-lhes a vida e mesmo em algumas situações, fazia curativos nos
oponentes que feria. E aceitava desafios, mas deixou de propô-los a outros. E
volta e meia se lembrava de Kojiro, cuja morte deve ter pesado muito pelo resto
da vida. Alguns estudiosos afirmam que a maior transformação de Musashi se deve
à morte de Sasaki Kojiro.
Entrementes,
em Edo tudo respirava a guerra. Ieyasu queria a todo custo eliminar a família
de Hideyoshi, mas seu filho Hideyori e sua mãe estavam instalados no Castelo de
Osaka, de onde estavam reunindo todos os Suseranos que deviam favores ao pai
Hideyoshi. Reivindicavam o posto de Xogun, como legítimo herdeiro de Hideyoshi.
E
Musashi como ronin se alistou no Exército de Hideyoshi, com a intenção de
realizar algum ato heroico, que o elevasse ao posto de General. Mas, foi ferido
numa perna e teve baixa, sem alcançar nada. Ieyasu mandou cortar as provisões e
fez um cerco ao Castelo de Osaka, onde estavam Hideyori e sua mãe Yodo. Diante
da derrota, os dois cometeram seppuku/ suicídio...
Após
essa rebelião de Osaka, Musashi se apagou do cenário. Durante dezenove anos seu
paradeiro é ignorado. Não há registro de duelos ou desafios solicitados por ele
em lugar algum. No cerco de Osaka, Musashi tinha trinta anos de idade, e só
retornou à sociedade quando estava com cinquenta anos. E adotou dois jovens como filhos: Miyamoto Iori
que seria seu companheiro no final da vida e Mikinosuke, que lidava com
cavalos. Este foi um vassalo totalmente dedicado ao seu amo Nakatsuka Sadayu,
que tirou a própria vida após a morte dele.
Já no final da vida, Musashi foi
agraciado com a benevolência de Hosokawa Tadatoshi, que o recebeu em seu
palacete como visita especial e permanente. Na paz desse lugar em Kumamoto,
passou a desenhar e escrever as experiências de sua vida. Foi assim que
produziu “Os cinco anéis”, sua obra máxima. Está dividida em cinco Rolos: da
Terra, da Água, do Fogo, do Vento e do Céu. São relatos de experiências vivenciadas
durante sua jornada como esgrimista.
Entretanto
dois anos depois, seu benfeitor faleceu e ele resolveu levar uma vida de
asceta. Em 1643 se retirou para a Caverna de Reigandu, onde viveu em completo
recolhimento, meditando e apreciando a natureza, os pássaros e as florestas. Voltara
à natureza como fizera quando jovem. Só que agora estava maduro e sabia o que
era o zen ascetismo.
Faleceu
com sessenta e dois anos em 1645, em Kumamoto.
Qualquer
leitor deste texto sabe que cada época tem sua moda, seus costumes. A História
Universal conta que houve um tempo de queimar bruxas, um tempo de escravizar
gente de aparência diferente, um tempo de criar bichos no quintal, um tempo de
competições de velocidade, um tempo de Jogos Olímpicos. E houve um tempo de
degolar cabeças... E Musashi viveu nesse tempo.
É
muito doloroso aceitar que espadas eram afiadas para cortar pescoços... Cortar
uma criança de nove anos de idade! Dá um mal estar só de ler essa passagem.
Mas, era o costume, era a ordem do dia. Ainda bem que esse costume bárbaro já
passou. Bem passou em parte, porque hoje há gangues que executam tanta gente
inocente por uns trocados... A humanidade
tem muito que se purificar ainda. Para alcançar a espiritualidade, como
ensinou o Mestre Munenori.
Musashi era um garoto brutalizado, mas teve o
Takuan que transformou a rocha bruta em uma joia rara. Quem dera que todos os
Musashis desta vida encontrem uns Takuans que lhes ensinem o caminho zen. Para
viver plenamente!
Mais
uma observação indispensável. Musashi foi um herói de seu tempo. E nem tudo que
se escreveu ou foi mostrado em telas, através de filmes e animês pode ter
acontecido! Quando uma história é contada, sempre alguém acrescenta mais um detalhe
que nasce do imaginário popular. Mais ainda, quando o herói realiza todos os
sonhos desejados pela gente que precisa de um ídolo... Mesmo assim, vale a pena
conhecer Musashi que marcou uma época do Japão.
Mirandópolis,
17 de fevereiro de 2021.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com
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