quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

 

           Miyamoto Musashi



     Musashi é conhecido como o famoso samurai que derrotou Sasaki Kojiro. Mas a sua história é surpreendente. Tem muito que analisar no caráter desse esgrimista.

No Sengoku Jidai (Era de Guerras internas do Japão de 1467 a 1615) ser samurai era a meta de todos os homens. O país não estava organizado, e os cidadãos guerreavam uns contra outros disputando os territórios. Não havia Lei e nem governo para estabelecer a ordem. Por cento e cinquenta anos, os japoneses pelejaram em guerras com seus vizinhos, seus irmãos, seus pais, e outros parentes para aumentar suas propriedades. Quem era fraco perdia tudo e se tornava um vassalo do que vinha usurpar suas terras. Isso ocorria também na Europa. Época do Feudalismo, onde os poderosos Suseranos é que mandavam. Cada Feudo tinha um Castelo fortificado por um exército de guerreiros, que partiam diariamente para tomar terras alheias. No Japão, os guerreiros eram os samurais ou espadachins, pois portavam longas espadas de aço tão afiadas que, bastava um lance para decepar a cabeça de um inimigo. E como decepavam!

Nesse cenário, há mais de 500 anos um jovem chamado Bennosuke voltava de uma pescaria com outros amigos, e se deparou com um cartaz que lhe chamou atenção. Bennosuke parou e leu. Os companheiros não sabiam ler e queriam saber do que se tratava. Um espadachim chamado Arima Kihei dizendo-se muito bom na esgrima, procurava adversários para medir forças... E o jovem resolveu enfrentá-lo. Os companheiros tentaram demovê-lo de tal confronto. Mas, ele assinou a tabuleta aceitando o desafio. Era uma temeridade! Um menino de apenas treze anos contra um adulto!

Bennosuke perdera a mãe ao nascer e fora criado pela madrasta, que se casara novamente, quando o pai do menino falecera. Preocupada com o futuro do garoto, ela o confiou aos cuidados de um parente, o Monge Takuan para educá-lo convenientemente. O garoto morava num Monastério. E lá enquanto rezava os Sutras, aprendeu a ler e a escrever. Quando o Monge soube do combate ficou muito bravo. Foi ao local da contenda para pedir desculpas ao desafiante, e dizer que fora um grande engano.  Bennosuke, porém pulou na arena e com uma vara disse que aceitava o combate. O desafiante Arima achou graça. E disse: Venha moleque, que lhe darei uma lição! E partiu pro ataque com a espada na mão. Mas antes que ele pudesse descê-la, Bennosuke torceu-lhe a mão. E a espada caiu, assim como o portador dela. O garoto tinha uma força descomunal! O homem tentou levantar-se do chão, mas recebeu vários golpes de vara do garoto. E ali mesmo acabou morrendo... Esse foi o primeiro combate de Bennosuke, que tinha apenas treze anos de idade. E ali nascia a lenda de Musashi.

Esse destemido jovem nasceu em 1584 na Aldeia de Miyamoto, em Mimasaka, Okayama ken, Japão. Até hoje é considerado o símbolo do Bushidô, ou exemplo máximo de samurai. Mais conhecido como Miyamoto Musashi, quando nasceu recebeu o nome de Shinmen Takezô, depois Miyamoto Bennosuke e Niten Doraku (seu nome budista). Adulto, se nomeou Miyamoto Musashi, como é mundialmente conhecido.

O avô de Musashi fora um respeitável esgrimista, que recebera de seu amo o sobrenome Shinmen, honra a poucos concedida na época. Esse avô preparou seu filho para seguir a linhagem de samurai. Esse filho era o pai de Bennosuke, Shinmen  Munisai, que  fora considerado o Primeiro Espadachim do Japão. Esse título lhe fora concedido pelo Xogum Ashikaga Yoshiaki... Com esse título, passou a ministrar aulas de esgrima aos jovens da comunidade, e levava uma vida bem tranquila. Mas... Um dia recebeu de seu amo Shinmen Igano Kami a ordem de executar um jovem... Esse jovem era forte, saudável e corretíssimo, a ponto de discordar de algumas ordens de Igano, que se irritou e decidiu executá-lo...

Munisai ficou bastante incomodado porque o jovem era um   aluno seu, e nada havia de censurável a ponto de merecer ser morto. Mas, ordens são ordens (os Suseranos tinham poder de vida e morte sobre seus vassalos) e mesmo a contragosto, Munisai cumpriu a tarefa. Atendeu ao amo, mas acabou com a sua paz. A comunidade inteira passou a temer esse homem, que executara um jovem tão inocente. Os alunos de esgrima foram se afastando e, Munisai não teve alternativa senão ir embora...

O mesmo mal estar também cercou Bennosuke depois que matou Arima Kihei. Até os companheiros de infância se escondiam dele. Medo... Então, Bennosuke fugiu da aldeia em busca de seu destino. Quando saiu, mudou o nome para Musashi.

Bem nessa época, o poderoso Xogum Hideyoshi acabara de falecer e o Japão estava em vias de entrar em convulsão. Tokugawa Ieyasu tomara as rédeas do Governo, mas os oponentes estavam se organizando para disputar o poder. Dentre eles, o mais ferrenho era Ishida Mitsunari, que fora extremamente devotado ao falecido Xogun Toyotomi Hideyoshi.

Musashi ao ouvir as notícias, foi se estabelecer no campo,  para fortalecer a sua arte de esgrima. Previu que tempos duros viriam. E nada melhor que estar preparado para uma guerra. No campo vivia como um bicho, se escondendo em cavernas, se alimentando de bichos que caçava e tomando banho em rios. Era um verdadeiro animal selvagem. Mas praticava todos os dias para aperfeiçoar-se na esgrima. Numa das escapadas para a cidade descobriu que, um esgrimista estava procurando alguém para medir forças. E ele estava querendo conferir sua habilidade no manejo da espada. Procurou o desafiante Akiyama que o olhou com desprezo porque Musashi estava imundo, como se nunca houvesse tomado banho... Mas o jovem foi firme no propósito e a contenda foi firmada. E esta durou alguns segundos. Quando Akiyama avançou com a espada, Musashi saltou para o alto e desceu uma vara sobre a cabeça do oponente. Akiyama caiu no chão com a cabeça rachada...

A força de Musashi era assustadora.

E assim, perambulando pelas montanhas e florestas, acabou indo para Osaka, onde o antigo amo Shinmen Igano Kami tinha uma mansão. Foi aceito como um criado, e tinha a tarefa de ensinar esgrima aos demais vassalos. Esses vassalos faziam pouco dele. Mas, ele se vingava dando duros golpes de vara nos treinos... Muitas vezes, ferindo-os...

Enquanto isso, Mitsunari procurava parceiros para derrubar Ieyasu. Este ignorou o herdeiro/criança de Hideyoshi e passou a controlar o país. Dentre suas sábias decisões, acabou com a guerra inútil na Coréia e na China, repatriando os soldados que estavam lá para realizar a megalomania de Hideyoshi de dominar o mundo. E Mitsunari movia céus e terras procurando parceiros para tirar Ieyasu da jogada...

Musashi era vassalo de Shinmen Igano Kami, que por sua vez fora devotado ao Hideyoshi. E Musashi se viu de repente convocado para a guerra entre Ieyasu e Mitsunari, sem mesmo ter uma opinião formada sobre a situação.

E de repente estava combatendo na Guerra de Sekigahara, a maior e mais famosa batalha que aconteceu no Japão. Exército do Sul de Mitsunari contra o Exército do Leste de Ieyasu. Quase vinte mil homens combatendo corpo a corpo às margens do Rio Nagara... Mitsunari tinha certeza da vitória.

O combate durou apenas cinco horas e foi decidido com a traição de Kobayakawa. Kobayakawa era um forte General de Mitsunari, que de repente se juntou às forças de Ieyase, arrastando importantes comandantes, que também se juntaram ao Exército do Leste. Vitória de Ieyasu. Um mês depois, Mitsunari foi pego e degolado...

E assim começou a Era Tokugawa, ou Edo Jidai.

Terminada a guerra, Musashi voltou para a sua aldeia. E o Monge Takuan preocupado com a selvageria do jovem, tomou o encargo de educá-lo. Percebeu que era um moço indisciplinado, descontrolado quando estava com raiva. E o amarrava numa árvore até que se acalmasse. Temia que saísse por aí a cometer  atrocidades com a sua força imbatível. E por quatro a cinco anos, o encerrou na Torre do Castelo de Hakurojo, onde lhe ministrou uma educação zen budista. Fê-lo ler antigos textos chineses, que poliram seu caráter.  Aos poucos, o jovem que era um verdadeiro selvagem foi absorvendo a filosofia zen budista e, se transformou num refinado jovem de pouca fala, mas de profunda reflexão. Observava, estudava e aplicava a filosofia antes de tomar uma decisão. Takuan lhe ensinou que não havia mérito nenhum em ser espadachim apenas para decepar cabeças. Musashi era um homem forte, todo musculoso e tinha aproximadamente um metro e oitenta de altura, mas se submetia ao Monge, porque o respeitava como Mestre e seu benfeitor.

     Quando tinha 21 anos, completada essa educação, saiu pelo mundo em busca de seu destino. Passando por Kiyoto, no afã de se tornar famoso, resolveu desafiar o líder da Academia de Esgrima Yoshioka.

A Academia Yoshioka era a Escola mais famosa da época. Agregava cerca de mil discípulos praticando a arte da espada. A Academia tivera a incumbência de treinar os familiares e servidores do antigo Xogun Ashikaga, o homem que fora o mais poderoso do Japão.

O pai de Musashi, Shinmen Munisai duelara com os Yoshioka e ganhara duas vezes. E Musashi queria a todo custo elevar seu nome mostrando do que era capaz. Inicialmente, a Escola nem considerou a proposta. Mas no desafio, Musashi  declarou que se não o enfrentassem tornaria público a todos que a Academia havia recuado. Sem alternativa, o líder Seijiro  aceitou. Seijiro Yoshioka que era o orgulho da Escola teve seu braço esmagado por um golpe de Musashi, tornando-se inútil como espadachim... Foi um grande choque para a Escola. Todos os alunos começaram a procurar Musashi para matá-lo, e lavar a honra da Escola. Mas em vão. Então Senshichiro, irmão de Seijiro resolveu pedir uma revanche. Infelizmente, foi derrotado também, morrendo no combate... Então, diante da desgraça que atingiu a Academia, os alunos armaram uma emboscada para Musashi. Desafiaram-no para combater o último da família Yoshioka, um garoto de apenas nove anos de idade, que fora nomeado Comandante Geral da Academia. Era uma armadilha! Musashi, porém desconfiou dessa contenda e chegou antes ao local combinado, e ficou no escuro da madrugada observando o que estavam tramando contra ele.

 O duelo seria num campo aberto, perto de um Templo, junto de um pinheiro. Como Musashi tinha o costume de atrazar-se, o grupo Yoshioka estava se organizando para atacá-lo no momento em que aparecesse. Havia aproximadamente uns cem espadachins se dividindo em grupos para cercar o local. Formaram um círculo e ficaram aguardando, todos olhando para fora. No centro colocaram o menino junto com o Instrutor. Mas, Musashi se antecipara e estava dentro do círculo, perto do garoto. Quando o Instrutor se afastou um pouco, Musashi atacou e degolou a inocente criança. Ato contínuo, saltou para fora do círculo e fugiu com dezenas de perseguidores arremessando flechas sobre ele. Uma lança cortou parte de suas vestes, mas saiu ileso, sem um ferimento. Foi o fim da Academia Yoshioka. Esse duelo tornaria Musashi famoso entre os samurais. Tinha apenas 21 anos de idade. Mas, estava sempre preocupado, porque os seguidores de Yoshioka não dariam folga. Escondia-se nas matas para despistar os perseguidores. E um dia, resolveu partir para Nara.

Em Nara havia a Academia Houzouin, onde se ensinava o uso de lanças em combates. Musashi queria aprender a usá-las.

Houzouin era um anexo do famoso Koufuku, templo da  família Fujiwara, construído em 710. Sua função era administrar o Templo, os Soldados/Monges e as capelas que compunham o conjunto. Tinha a proteção do Xogun Ieyasu.

Chegando lá, Musashi solicitou um duelo com o Orientador da Escola. Mas, o senhor In Ei já tinha mais de oitenta anos e não combatia mais. Porém, ao saber que Musashi vencera os Yoshioka de Kiyoto designou Ouzouin para duelar. Ouzouin era considerado o Número Um do Japão no manejo de lanças. Aceito o desafio, Musashi pensou, pensou em como vencer alguém com uma lança longa contra a sua pequena espada. E chegou á conclusão que se mantivesse pequena distância, a arma do adversário não poderia atingi-lo. Assim fez, aproximando-se, aproximando-se do oponente e ganhou o duelo e a admiração de todos. E foi convidado a ficar uns meses ali, para aprender e ensinar essas artes marciais.

Um dia, resolveu partir para Edo, atual Tóquio. Era a capital do Japão, e queria conhecer como andavam as artes marciais por lá. Ao se despedir do Houzouin, recebeu uma bolsa recheada de moedas de prata.

No caminho, ao hospedar–se num lugarejo, descobriu que alguém estivera lá passando por ele, usando seu nome e dizendo bravatas sobre ter vencido os Yoshioka e os Houzouin. Ao indagar do hospedeiro, o que deveria fazer para provar que era o verdadeiro Musashi, soube que deveria duelar com um tal de Shishido, que era imbatível na arte de atacar com uma foice presa numa corrente. Tinha que provar que era o legítimo e aceitou o desafio. Quando se defrontou com ele, percebeu que era uma figura assustadora, portando uma corrente longa presa a uma foice de ferro na ponta, que ele lançava para todos os lados, sem chances de defesa do adversário. Mas, Musashi era inteligente e foi se desviando daquela perigosa arma, usando a espada longa e a curta, técnica que aprendera com Ouzouin. E num lance inteligente, ficou diante do bambuzal que os cercava. Quando Shishido lançou a foice, Musashi se desviou e a foice se enroscou no bambu e o homem ficou desarmado. Com a espada longa, Musashi acabou com a vida do homem.

Quando Musashi chegou em Edo, o Xogun Ieyasu havia se abdicado do Xogunato para o seu filho Hidetada. A intenção era dar continuidade à própria família no Xogunato. Entretanto, Hideyori filho de Hideyoshi que teria uns dezesseis anos, reivindicava o Xogunato. E havia muitos Suseranos apoiando, para derrubar Ieyasu. E Musashi pensou que logo haveria uma guerra de verdade. Queria combater para ser um General... Enquanto a guerra não vinha foi conhecer Yagiyu Munenori, criador do Estilo da Espada Oculta. Esse Mestre ensinou a Musashi que a espada não é apenas arma e força. Que é necessário usá-la com a serenidade de uma brisa de primavera, para então sentir a iluminação espiritual. Musashi pediu uma demonstração de suas habilidades num duelo. Mas, ele não acedeu ao pedido devido à idade. E lhe enviou uma flor cujo galho decepado mostrou para Musashi que um corte transversal daqueles o teria matado de fato.

Musashi apesar da brutalidade de degolar oponentes, era assim introspectivo e muito observador. E perspicaz nas conclusões. Esse caráter refinado fora adquirido com a educação firme, ministrada pelo Monge Takuan. Se este não houvesse interferido em sua vida, Musashi não teria passado de um bárbaro selvagem, sem nenhum futuro.

Com a chegada da Era Edo, as guerras foram acabando, pois o país vivia um tempo de paz e prosperidade.  E os samurais ficaram desempregados. Uma parte se transformara em bandoleiros assaltando aqui e ali, outros viraram assassinos de aluguel e a maioria se transformou em Ronin, ou samurai sem patrão em busca de trabalho. Musashi também ficara sem ocupação. Para sobreviver dava aulas de esgrima, fazia esculturas de madeira e praticava pintura e caligrafia japonesa em papeis de arroz. Deixou várias telas pintadas a carvão e esculturas em madeira que são verdadeiras obras de arte.

E durante sua vida se deparou com muitos esgrimistas querendo derrotá-lo. Sua biografia conta com sessenta combates que teria vencido, mas o que o deixou famoso de fato foi o confronto com Sasaki Kojiro.

Sasaki Kojiro era o melhor espadachim da época, e fora nomeado Comandante de Armas do Feudo da família Hosokawa, ao Norte de Kiyushu. Sua técnica era usar uma espada longa, que assustava os adversários. Era capaz de cortar uma andorinha em pleno voo. Isso despertou o interesse de Musashi, que o desafiou para medir forças e provar quem era melhor. Aceito o duelo, Musashi se retirou para um lugar ermo a fim de concentrar-se. Enquanto pensava numa estratégia para vencer o oponente, achou um velho remo quebrado. Remo para mover canoas. Como ele gostava de esculpir, viu que o remo era de madeira boa e resistente e teve uma ideia. Faria uma espada com ela! Ele sempre enfrentava os oponentes com espadas de madeira. Passou as horas seguintes trabalhando no remo para transformá-la numa arma. Fez uma espada de madeira de mais de um metro de comprimento, para enfrentar a espada longa de aço de Kojiro que media noventa e quatro centímetros.

Era o dia 13 de abril de 1612, Ilha de Funajima. O palco era a praia dessa minúscula Ilha, no Estreito entre Honshu e Kiyushu. Depois desse duelo, ficou conhecida como Ganryujima.

Sasaki todo paramentado com roupas espalhafatosas o esperava impaciente, porque Musashi se atrasara de propósito por duas longas horas, só para irritá-lo. Musashi dizia que quem luta zangado já está meio derrotado. Os Juízes também impacientes o esperavam, junto com uma pequena plateia.

Musashi chegou numa canoa e só portava aquela espada de madeira. Trajava uma roupa preta e velha. Amarrara as mangas largas e as bordas da calça para não atrapalharem nos movimentos. Na cabeça, uma faixa de pano para segurar os cabelos revoltos. Quando o viu, Kojiro correu ao seu encontro gritando por causa da demora. Tomado de raiva puxou a longa espada de aço e jogou a bainha na areia. A bainha lhe atrapalharia na luta. Aí, Musashi disse: “Você acaba de perder a contenda. Quem joga a bainha fora, não embainhará a espada de novo!”

E Musashi como planejara, correu sobre a areia molhada e firme, enquanto Kojiro se afundava na areia seca... E Musashi se colocou de costas para o mar e para o sol, que cegava o adversário... Este nem percebeu que caíra numa armadilha. Kojiro levantou a longa espada ofuscante, e deu um rasante que apenas cortou a faixa que segurava os cabelos de Musashi. Como este conhecia a técnica rasante do “voo da andorinha”, Musashi saltou bem alto para escapar desse ataque, e desceu com força a espada/remo de madeira, que atingiu e quebrou duas costelas de Kojiro.

Kojiro caiu morto.

Os Juizes ficaram perplexos!

Musashi num ato de misericórdia fechou os olhos do morto, e lhe pediu perdão. Fez uma reverência aos assistentes e foi embora na canoa. Os discípulos de Kojiro queriam persegui-lo para vingar sua morte, mas foram impedidos pelos Juizes, que reconheceram a vitória de Musashi numa luta limpa e honesta.

A técnica do “voo da andorinha” que Kojiro usava foi minuciosamente estudada por Musashi observando as andorinhas numa cachoeira, onde costumava tomar banho. Tudo fora meticulosamente estudado para evitar lances mortais. Foi assim que o venceu. E Musashi se dirigiu para a capital, para não se confrontar com os espadachins de Kojiro, sedentos de vingança..          E mesmo satisfeito por tê-lo vencido, começou a questionar as próprias ações, porque volta e meia vinha à sua mente a expressão:

“Espada não é só arma e força. É preciso usá-la com o coração puro como a brisa da primavera. Só assim é possível atingir a espiritualidade”

Essas palavras ditas pelo Mestre Yagyu Munenori iriam transformá-lo completamente. Pelos registros, parece que deixou de matar os parceiros de duelos. Procurava preservar-lhes a vida e mesmo em algumas situações, fazia curativos nos oponentes que feria. E aceitava desafios, mas deixou de propô-los a outros. E volta e meia se lembrava de Kojiro, cuja morte deve ter pesado muito pelo resto da vida. Alguns estudiosos afirmam que a maior transformação de Musashi se deve à morte de Sasaki Kojiro.

Entrementes, em Edo tudo respirava a guerra. Ieyasu queria a todo custo eliminar a família de Hideyoshi, mas seu filho Hideyori e sua mãe estavam instalados no Castelo de Osaka, de onde estavam reunindo todos os Suseranos que deviam favores ao pai Hideyoshi. Reivindicavam o posto de Xogun, como  legítimo herdeiro de Hideyoshi.

E Musashi como ronin se alistou no Exército de Hideyoshi, com a intenção de realizar algum ato heroico, que o elevasse ao posto de General. Mas, foi ferido numa perna e teve baixa, sem alcançar nada. Ieyasu mandou cortar as provisões e fez um cerco ao Castelo de Osaka, onde estavam Hideyori e sua mãe Yodo. Diante da derrota, os dois cometeram seppuku/ suicídio...

     Após essa rebelião de Osaka, Musashi se apagou do cenário. Durante dezenove anos seu paradeiro é ignorado. Não há registro de duelos ou desafios solicitados por ele em lugar algum. No cerco de Osaka, Musashi tinha trinta anos de idade, e só retornou à sociedade quando estava com cinquenta anos.  E adotou dois jovens como filhos: Miyamoto Iori que seria seu companheiro no final da vida e Mikinosuke, que lidava com cavalos. Este foi um vassalo totalmente dedicado ao seu amo Nakatsuka Sadayu, que tirou a própria vida após a morte dele.

      Já no final da vida, Musashi foi agraciado com a benevolência de Hosokawa Tadatoshi, que o recebeu em seu palacete como visita especial e permanente. Na paz desse lugar em Kumamoto, passou a desenhar e escrever as experiências de sua vida. Foi assim que produziu “Os cinco anéis”, sua obra máxima. Está dividida em cinco Rolos: da Terra, da Água, do Fogo, do Vento e do Céu. São relatos de experiências vivenciadas durante sua jornada como esgrimista.

Entretanto dois anos depois, seu benfeitor faleceu e ele resolveu levar uma vida de asceta. Em 1643 se retirou para a Caverna de Reigandu, onde viveu em completo recolhimento, meditando e apreciando a natureza, os pássaros e as florestas. Voltara à natureza como fizera quando jovem. Só que agora estava maduro e sabia o que era o zen ascetismo.

Faleceu com sessenta e dois anos em 1645, em Kumamoto.

Qualquer leitor deste texto sabe que cada época tem sua moda, seus costumes. A História Universal conta que houve um tempo de queimar bruxas, um tempo de escravizar gente de aparência diferente, um tempo de criar bichos no quintal, um tempo de competições de velocidade, um tempo de Jogos Olímpicos. E houve um tempo de degolar cabeças... E Musashi viveu nesse tempo.

É muito doloroso aceitar que espadas eram afiadas para cortar pescoços... Cortar uma criança de nove anos de idade! Dá um mal estar só de ler essa passagem. Mas, era o costume, era a ordem do dia. Ainda bem que esse costume bárbaro já passou. Bem passou em parte, porque hoje há gangues que executam tanta gente inocente por uns trocados... A humanidade  tem muito que se purificar ainda. Para alcançar a espiritualidade, como ensinou  o Mestre Munenori.

 Musashi era um garoto brutalizado, mas teve o Takuan que transformou a rocha bruta em uma joia rara. Quem dera que todos os Musashis desta vida encontrem uns Takuans que lhes ensinem o caminho zen. Para viver plenamente!

Mais uma observação indispensável. Musashi foi um herói de seu tempo. E nem tudo que se escreveu ou foi mostrado em telas, através de filmes e animês pode ter acontecido! Quando uma história é contada, sempre alguém acrescenta mais um detalhe que nasce do imaginário popular. Mais ainda, quando o herói realiza todos os sonhos desejados pela gente que precisa de um ídolo... Mesmo assim, vale a pena conhecer Musashi que marcou uma época do Japão.

Mirandópolis, 17 de fevereiro de 2021.

kimie oku in

http://cronicasdekimie.blogspot.com

 

 

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