domingo, 13 de março de 2022

 

                Kizuná 

Quando moramos por anos num determinado lugar ou cidade, acabamos mesmo inconscientemente, estabelecendo domínios sobre os locais que mais frequentamos. A padaria, a farmácia, a mercearia, a igreja, a livraria, o bar, a praça, o mercado e até mesmo as ruas vão ao longo do tempo, se transformando em extensão de nossas casas.

Esses locais se tornam pontos de referência, onde pisamos como chãos a nós pertences.  E é tão confortável saber que o médico estará sempre lá, que o merceeiro oferecerá frutas e verduras frescas, que haverá sempre um banco na Praça para acolher o transeunte cansado, que as dores físicas poderão ser aliviadas logo ali na farmácia.

Quando o sítio que nos pertenceu por trinta e sete anos foi ocupado pelos novos donos, eu tive a sensação de que eles eram invasores. Parecia que eles estavam violando um lugar sagrado. Quando  o amigo Sérgio vendeu a Livraria que eu frequentava, eu me senti traída... (E agora? Com quem vou conversar sobre os livros?)

"Kizuná"/ é um vocábulo japonês que significa laço, relação, elo, ligação de afeto, bem querer, apego...

O ideograma de kizuná tem como radical  linha, como se amarrasse os

 sentimentos para não rompê-los. Kizuná é um sentimento que

 desenvolvemos para com coisas, pessoas e lugares que amamos.

Todos nós temos vários e maravilhosos kizunás, porque isso tem a ver com a alma, a ponto de considerarmos sagrados os lugares onde passamos a infância, e a casa que pertenceu a nossos pais... São apenas lugares, mas que traduzem algo que só a gente é capaz de sentir... Porque representam a infância, a juventude, anos de contato com a terra, com os campos, com as árvores, com a habitação, com o poço, com os fatos que ali ocorreram.

A sensação de perda, de ter sido traída pela vida quando perdemos lugares, relíquias e pessoas, só sentimos por causa dos kizunás.

É bem verdade que os sentimentos não morrem com a distância, nem com o tempo. Mas gente como eu, que viveu  oito décadas, se torna egoísta e não gosta de abrir mão de certas comodidades. E nada é mais confortável que ter amigos por perto, e lugares que amamos sempre à disposição.

Daí a dolorosa sensação de traição quando os perdemos...

Mesmo assim, vale a pena passar por tudo isso, porque é nesses momentos que podemos avaliar a força de nossos sentimentos. Somos puros sentimentos.

Quando perdemos um kizuná, o círculo da existência vai se fechando, porque um kizuná  nunca substitui outro.

Kizuná........ 絆

Por isso é tão doloroso viver.

Mirandópolis, fevereiro de 2022.

Texto de 2011, atualizado.

kimie oku in

http://cronicasdekimie.blogspot.com

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