quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

 

                                               56 anos

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Completamos 56 anos de união.

Sem comemoração, sem alardes, sem bolos, sem cantorias...

Só nós dois. Em paz, em comunhão.

Cinquenta e seis anos não são cinquenta e seis dias, nem cinquenta e seis meses. É uma longa, longa, longuíssima caminhada.

Caminhada permeada de atritos, de desentendimentos, de brigas, de mau humor, de intolerância. Sim, éramos jovens cheios de desejos e sonhos particulares. E muitas, muitas ilusões.

Ilusões de uma vida a dois num mar de rosas, onde o Príncipe e  Princesa seriam felizes para sempre. Ilusão de que ninguém precisaria sofrer, sacrificar-se, renunciar, abrir mão dos sonhos mais caros. Ilusão plantada em nossas cabeças por uma cultura  irresponsável. Histórias da carochinha...

Casamento é uma união de duas pedras que vem rolando pela ladeira. Duas pedras brutas, cheias de arestas, que ferem ao se tocarem, e os toques não são nada elegantes. Incompreensão, dores íntimas, mágoa profunda, e dias sem se falarem... Duas pedras que tentam se acomodar, mas as arestas pontiagudas atrapalham... Educação diferente, ambiente diferente, costumes diferentes, valores diferentes, sonhos totalmente diversos... Como acomodar tudo isso?

Não tem uma receita. Não tem quem ensine, não existem peritos nisso.

Casais que se amam profundamente não suportam essa situação e acabam se separando, se odiando... Porque nos contaram uma grande mentira. “E assim casaram e foram felizes para sempre” Mentira, uma grande mentira.

Mas, quem foi criado na dura luta de todo dia, nas pelejas diárias para alcançar objetivos vai vencendo a diferença, deixando de discriminar, aceitando os defeitos do outro, perdoando o mau humor, relevando uma palavra áspera tão desnecessária...

E quando vem a prole, tudo se complica. Divergência no modo de lidar com as pequenas criaturas, mimando mais, mimando menos, sendo rígido, sendo tolerante... Tudo excesso de carinho, de afeição.

Mas, as conquistas dos filhos unem os dois, ambos se felicitam pelas glórias alcançadas. Assim, muita coisa deixa de ser considerada pela harmonia do lar. Os filhos passam a ser a razão da luta diária, a razão da existência. Depois... Cada filhote se vai, cuidando de voar sozinho, de realizar seus sonhos, e o casal volta a ficar sós. Fase muito estranha. A gente se sente roubada, abandonada, esquecida.

Mas a vida prossegue.

Já alquebrados com o peso dos anos, sem muito alento e os sentidos se esvaindo. Surdez, voz baixa, pernas trôpegas, memória curta, confusão.

Mas é preciso viver, que a vida  ainda é uma bênção.

Então, os dois se voltam um para o outro e fazem um remake dos anos dourados. Olhando, reparando, cuidando, ajudando, estimulando, socorrendo nos momentos difíceis. Dificuldades essas que irão se repetindo mais e mais. É chegada a hora do companheirismo. Parceria, cumplicidade. Cumplicidade nas pequenas coisas diárias: um tombo, um mal estar, um abuso na comida, um esquecimento dos remédios.

Tudo é relevado, porque o que mais importa é o outro estar bem e confortável. Não é preciso mais luxo, mais ostentação, mais Ibope. O que tinha que ser, foi.

Sinceramente essa é uma fase maravilhosa, porque a gente se descobre no outro, nas virtudes do outro, nas gentilezas de cada dia, nas pequenas atenções do outro. Porque não somos mais dois, mas  uma fusão, apenas dois em um. E podemos olhar para trás e reviver tudo que passou, a vida que construímos, os filhos que soltamos no mundo, os sonhos que acalentamos... E uma sensação de grande realização toma conta do coração.

Felizmente, como muita gente que conseguiu superar todas as dificuldades de um casamento, chegamos ao termo da vida com essa satisfação. E nada há que possa ser comparado a isso.

Felizes e gratos pelos cinquenta e seis anos bem vividos.

E nem precisamos de saudações e cumprimentos.

Mirandópolis, fevereiro de 2023.

kimie oku in

http://cronicasdekimie.blogspot.com

 

2 comentários:

  1. Palmas silenciosas para ti e ao Nori. Também, na surdina, em 8 de janeiro deste ano, Beth e eu fomos , ao invés de comemorar, agradecer por tudo junto à Nossa Senhora Mãe Aparecida no seu Santuário, Beijão!

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