quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012


                            CARRAPICHO  
                                 
          
        Antigamente quando morávamos no sítio, era comum a gente ficar toda espinhada com carrapichos, que cresciam à beira dos caminhos.
        O carrapicho é uma erva daninha difícil de combater.  Para erradicá-la, é necessário arrancar ou capinar, antes que dê frutos, ou que desenvolva as bolinhas cheias de espinhos, ou garras nas pontas, que grudam na roupa das pessoas e  nos animais.
        Na verdade, esse processo de  “grudar” é o recurso inteligente que, a planta desenvolveu para disseminar a espécie. Os animais e pessoas que  transportam esses frutos, em seus pelos ou roupas, acabam levando as sementes para outros lugares, onde cairão e se desenvolverão. E a espécie garante a sua sobrevivência. Os animais e pessoas assim usados, se transformam em disseminadores involuntários da espécie.
        Há muitas outras ervas que se utilizam desse recurso, tais como o picão preto  e o amor do campo, cujas sementes achatadas grudam em carreira na roupa, e no pelo dos bichos.  É muito difícil se livrar delas. Possuem pequenas garras que “colam” nas roupas, como carrapatos.
         Ora, o propósito dessa minha crônica  é denunciar que não é mais preciso ir para o campo, para os sítios e chácaras para “pegar carrapicho”.  O carrapicho está logo ali, grudando nas roupas de todos os passantes da esquina, onde cresce também picão e  tantas outras ervas daninhas.
        A calçada está toda tomada de mato, que ficou impossível gente transitar por lá. O pedestre tem que apelar para a rua. Mas como é uma esquina movimentada, ele corre o risco de ser colhido por um carro ou moto, que surge repentinamente, virando a rua. Ali,  cresce toda variedade de ervas daninhas, que daria até para fazer um estudo sobre elas. E estão todas com frutos maduros grudentos, que  logo, logo  essas daninhas se multiplicarão  pela cidade, transformando-a numa quiçaça.
Além disso, há ainda na mesma calçada, dois esqueletos de árvores, que lutaram bravamente para não morrer. É impressionante ver esses cadáveres de árvores:  estão secos e descascados, e no alto há uns galhos finos que brotaram à revelia,  como pedindo clemência para não deixá-las morrer. A impressão que passam é que esses galhos eram as mãos das pobres, implorando vida. Mas, ninguém  as atendeu...
É comovente vê-las.
Mas, não só de mato está cheia a esquina. As ervas daninhas, que incomodam demais os transeuntes, servem de moldura para uma velha casa abandonada.
A casa está morrendo, esquecida  lá no seu canto. No mesmo canto, onde morou uma gentil senhora,  que deve ter  deixado tantas lembranças da vida vivida ali, com os seus. Que deve ter sonhado lindos sonhos, que deve ter amado aquela esquina que era o seu domínio, o seu ponto de referência no mundo. Aquelas paredes devem  guardar os suspiros e os anseios de todos que ali viveram, correram, cantaram, choraram, e partiram para não mais voltar.
Já percebi que, as casas se mantêm firmes  sobre os alicerces, enquanto há gente morando nelas. Deve haver uma relação intangível  entre a matéria casa e a vida do ser humano. Parece  até que, a vitalidade humana dos moradores é que sustém a casa de pé. Quando é esvaziada de seus habitantes, a casa vai  morrendo, pouco a pouco, para se transformar em escombros.... Já vi isso acontecer outras vezes.
Acho terrível ver uma casa, que já foi tão forte, bonita e feliz, quando crianças corriam pelos aposentos, que  abrigou tanta gente  das chuvas e dos temporais, que teve a varanda ocupada pelo casal de idosos, curtindo os derradeiros anos de sua vida, ser assim abandonada, como  um chinelo velho.
A paisagem é deprimente. E é deprimente para quem mora por perto e, para quem passa por ali sempre. É deprimente para a cidade, porque dá um ar de desleixo, de  descaso, como se ninguém se importasse com essas coisas.
Não sei a razão de se abandonar uma casa assim, mas acho que deve haver uma solução, se alguém se empenhasse.
Enquanto isso não ocorre, há que se providenciar a limpeza da calçada para  que os transeuntes não sejam “atacados” por picão, carrapichos e outros espinhos ferozes.  
Além dos móveis e eletrodomésticos, com que  os comerciantes de nossa pequena cidade costumam atravancar a passarela dos pedestres, agora  a moda é quiçaça.
E quiçaça das brabas!
Carrapicho para os pedestres!
Ninguém merece!
   
Mirandópolis, 16 de fevereiro de 2012.
         kimie oku (kimieoku@hotmail.com)

Um comentário:

  1. Quando publiquei essa crônica no Jornal Diário, alguém que não se identificou ligou via telefone e me xingou com todos os nomes de que foi capaz. Acho que era alguém da família, um homem. Por sinal muito grosseiro e sem um mínimo de sensibilidade. E não me deixou dizer uma palavra. Daí, desliguei antes que ele continuasse a me ofender.

    ResponderExcluir